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Estado de Minas

Letras do New Order inspiram romance geracional 'Controle'

A escritora ga�cha Natalia Borges Polesso faz refer�ncia � obra da banda inglesa para narrar as descobertas �ntimas de uma jovem portadora de epilepsia que enfrenta as agruras da vida adulta


postado em 14/02/2020 06:00 / atualizado em 14/02/2020 08:51

A escritora gaúcha Natalia Borges Polesso(foto: Divulgação)
A escritora ga�cha Natalia Borges Polesso (foto: Divulga��o)
Crian�as, em especial as introvertidas, costumam ter um amigo imagin�rio. Nanda, a narradora de Controle, tem quatro. Ou cinco, se contarmos Ian Curtis (1956-1980), vocalista da banda inglesa Joy Division, entre os que vivem no cora��o e alma da jovem epil�tica do primeiro romance da ga�cha Natalia Borges Polesso, vencedora do Pr�mio Jabuti em 2016 com os contos reunidos em Amora (N�o Editora). Bernard Sumner, Peter Hook, Stephen Morris e Gillian Gilbert est�o sempre por perto. �s vezes, como nas �ltimas p�ginas do livro, ainda mais pr�ximos do que Nanda consegue vislumbrar. 

Os cap�tulos de Controle s�o nomeados com as tradu��es de t�tulos de can��es e �lbuns da banda inglesa: Desordem, Segunda-feira triste, Movimento, Irmandade, Bizarro tri�ngulo, T�cnica... Na capa, o mesmo �leo sobre tela do franc�s Henri Fantin-Latour que foi utilizado pelo designer Peter Saville na ic�nica capa do disco Power, corruption and lies (1983).
“As m�sicas pareciam se encaixar perfeitamente na minha vida: eles eram comedidos, e eu me identificava completamente. New Order � uma banda que estourou sem um l�der, sem um rosto. Uma banda que conseguiu se desenterrar do peso de uma morte. Eles refizeram o futuro”, reflete a narradora, tamb�m em busca de “um novo nome, uma nova identidade”, ao justificar sua obsess�o.

A epilepsia faz a narradora ser chamada de “a mina do tremelico”. Nanda utiliza fones de ouvido como “fortalezas imperme�veis”; afinal, “se o mundo n�o me ouvia, eu tamb�m n�o queria ouvir nada do mundo”. A sa�da do casulo dos pais � acompanhada pela descoberta do desejo por outras mulheres, concretizado no cap�tulo sintomaticamente intitulado Prazeres desconhecidos (t�tulo de um disco do Joy Division).
 
Doutora em teoria da literatura, Natalia Polesso explica o motivo de o romance incluir uma passagem com a participa��o de Gillian, a �nica integrante feminina do New Order: “Gosto da figura, hoje, aquela senhora tecladista, sobre a qual n�o se fala muito, ela mesma n�o fala muito. Achei que daria uma �tima personagem. Ademais, as personagens principais s�o mulheres”, lembra a escritora.

Leia a seguir entrevista com Natalia Borges Polesso, com perguntas formuladas a partir de trechos do livro.

Quais as principais diferen�as entre escrever contos e o primeiro romance?

Este n�o � o primeiro romance que escrevo, � o primeiro que publico! Evidentemente que h� diferen�as estruturais e de tamanho, mas o processo em si eu acho muito parecido. Sempre penso na escrita como um exerc�cio (de vida e para a vida) cont�nuo, de modo que j� escrevi coisas bem longas e entendi que eram exerc�cios de desenvolvimento de narradores/as ou para entender como organizar os tempos. Pra mim, organizar o tempo, seja em conto ou romance, � o mais dif�cil!

“Eu quero contar como cheguei aqui”, avisa a narradora do livro. O que h� de autobiogr�fico em Controle?

Tudo � fic��o. A Nanda � a Nanda e somente a Nanda. Joana � Joana e n�o conhe�o ningu�m nem parecida. Davi � s� Davi, e Alexandre igualmente. Os eventos s�o cria��es da minha cabe�a e eu nunca fui a um show grande ou festival porque eu tenho horror de pensar em muita gente junta (risos). Mas sim, penso que todo escritor ou escritora coloca um pouco de si e de suas viv�ncias no texto. Eu morei em Campo Bom, cidade do interior do Rio Grande do Sul, onde o livro se passa; eu amava andar de bicicleta; eu de fato constru� muitas pistinhas e rampas como o Alexandre; eu tive s�ndrome do p�nico e alguns anos da escola foram muito dif�ceis para mim, mas eu sempre fui muito presente com meus amigos. Engra�ado, minha m�e leu o livro e me disse assim: “Natalia, eu me lembro de tudo!”. E eu disse: “Tudo o qu�, m�e?” (risos).

“Depois de um tempo, a inf�ncia se torna essa grande mem�ria aquosa de onde emergem ou onde afundamos hist�rias.” E a adolesc�ncia?

Que bela pergunta. Acho que enquanto muita gente (nem toda) tem a inf�ncia como id�lio, um tempo bom e menos complexo, a adolesc�ncia me parece marcar essa passagem esquisita. � um per�odo dif�cil, eu acho, e longo! Talvez seja uma ponte sobre um abismo, algo que marque nossas dist�ncias interiores.

Na quarta capa, Controle � definido como “um romance geracional”. O que h� de particular e o que h� de universal em sua gera��o? Consegue enxergar paralelos entre Controle e outros romances lan�ados no s�culo 21, como M�os de cavalo, de Daniel Galera, e A ma�� envenenada, de Michel Laub? 

Eu n�o acredito em universalidade, mas sempre h� algo para compartilhar. Creio que a minha gera��o, que cresceu anal�gica, viu a internet surgir e se adaptou muito bem para esse mundo digital. Mas nossa inf�ncia foi muito diferente de quem nasceu nos anos 1990/2000. Eu fui ter um computador e um celular com 24 anos! Eu mesma me pergunto: como eu vivia antes disso?. Sobre os romances, voc� citou dois livros que eu li e um que eu gosto muito e que est� no corpus da minha tese: M�os de cavalo, do Galera. Que livro bonito! Eu leio muita literatura contempor�nea, mas n�o sei  dizer sobre um romance geracional favorito. Das romancistas que leio, gosto muito de Maria Valeria Rezende, Carola Saavedra e Ana Paula Maia.

Assim como ocorreu com os sobreviventes do Joy Division, que formaram o New Order, acredita que sua protagonista busca for�as para refazer o pr�prio futuro?

Acho que sim! Durante todo o livro. Ela erra muito nesta busca, mas � isso, o romance � sobre errar tamb�m, sobre ser “errado” ou que as pessoas consideram fora da normalidade.

Qual disco do New Order seria a trilha sonora ideal para ler Controle?

Talvez Low-life (1985), pensando que talvez seja o mais experimental deles e pensando que a Nanda est� experimentando viver.

“Joguei tudo para o futuro. Lancei as expectativas. Varri as esperan�as.” Essa tamb�m � uma forma poss�vel de viver da atividade liter�ria no Brasil? Tentar o equil�brio entre expectativas e esperan�as?

N�o. Acho que mais do que nunca, precisamos estar no presente, no agora. Precisamos estar juntos para construir alguma possibilidade de futuro melhor. E tenho visto muitos clubes, feiras, festivais e encontros, o que me anima bastante. Podemos deixar o futuro pras nossas fic��es, isso � certo! Pensar o futuro ficcionalmente! Mas n�o podemos jogar nossas esperan�as para longe. Elas precisam estar no agora.

Voc� � doutora em teoria da literatura. Como a teoria liter�ria interferiu na cria��o de Controle?

Do mesmo modo que muitas outras caracter�sticas ou forma��es. Evidentemente que as leituras e principalmente pensar sobre as leituras, ler como uma curiosa pesquisadora, ajuda muito. Mas escrever � o exerc�cio mesmo, um exerc�cio constante. Eu trabalho com geografia liter�ria na base, trabalho com g�nero, perspectivas feministas e decoloniais, acho que isso vaza um pouco pro texto, mas � porque � um modo de ver a vida. Teoria tamb�m constr�i nosso modo de pensar o mundo.

Como nascem as suas hist�rias? De lembran�as, de observa��es ou da imagina��o?

De tudo isso. Uma lembran�a, uma pe�a de arte, uma m�sica, uma cena que observei, algo que algu�m contou, um ru�do, um gesto. Tudo � mat�ria, basta empreender o exerc�cio!

TRECHO
(...) Ergui os bra�os para tomar com as m�os a cabe�a de Fl�via, puxei seu rosto para perto, nossas peles contrastando s�is, abri a boca dentro dela, nossas l�nguas se atingindo, a l�ngua estrangeira numa doce invas�o de B�rbara. Fechei os olhos. Prazeres desconhecidos. Ouvi todos cantos em coro every time I see you falling I get down on my knees and pray cantei junto, eu nunca mais tinha cantado eu nunca mais tinha cantado, fui abra�ada de novo e tudo tomou uma velocidade c�smica.Pulava junto com pessoas que n�o conhecia. N�o dava para n�o ser. Eu era parte de tudo aquilo. Eu era parte.Meus olhos estavam meio �midos, mas eu n�o estava triste, estava contente e um pouco frustrada de ter compreendido agora tudo o que eu poderia ter feito, tudo o que eu sempre poderia ter feito. Mas nunca fiz. Foi uma esp�cie de ilumina��o.


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