
Prometia ser um fim de semana bem agrad�vel, a namorada jovem chega de trem, o casal vai almo�ar e depois encontrar uns amigos para um coquetel, em seguida ver um jogo de futebol americano e, em tudo, se divertir. Mas � literatura, e claro que as coisas n�o v�o sair como planejadas. A come�ar por isso, o tal Lane Coutell espera a chegada de Frances, conhecida como Franny, e l� uma carta dela, remetida dias antes. A carta � toda feliz, entusi�stica, sugestiva. Ela menciona de passagem que est� come�ando a detestar todos os poetas, a n�o ser Safo. Talvez at� escreva uma monografia de fim de semestre a respeito da obra da poeta grega, “se conseguir fazer o imbecil que me deram de orientador aqui aceitar a ideia”.
Tudo bem? Parece. Mas sendo literatura, e do tipo de alta qualidade, essa apar�ncia na superf�cie de que as coisas v�o bem n�o deve durar. Acontece que o autor, J. D. Salinger, � um especialista no ramo, de modo que as duas novelas reunidas no volume Franny & Zooey s�o pe�a importante no quadro geral da no m�nimo inquietante fam�lia Glass. Franny Glass desce do trem, o namorado pergunta que livro � esse que ela tem consigo, ela desconversa, muda de assunto, depois, a caminho do t�xi, ela diz: “Ah, que del�cia te ver” e, em seguida, “eu estava com saudade”. Mas basta pronunciar as palavras para perceber que n�o s�o verdadeiras. “De novo sentindo culpa, pegou a m�o de Lane e entrela�ou, com for�a, com calor, seus dedos nos dele.” A pulga atr�s da orelha do leitor est� instalada.
Fim da primeira cena. Eles j� deixaram a mala de Franny no local onde ela vai ficar hospedada para o fim de semana e agora v�o ao restaurante. Tomam Mart�nis e em seguida v�o almo�ar. Lane conversa, entre entusiasmado e desgastado, a respeito de um trabalho sobre a obra de Flaubert que escreveu para uma disciplina, o que pode soar algo pedante em termos de conversa, mas n�o nas m�os de Salinger. Porque ele est� atento aos pormenores de uma conversa��o entre um jovem casal, a todas as nuances envolvidas, �s min�cias importantes. Lane acaba de dizer qualquer coisa a respeito do mot juste de Flaubert que usou num trabalho e que impressionou o professor e Franny pergunta se ele vai comer a azeitona do Mart�ni. Do mundo abstrato da discuss�o liter�ria se abaixa rapidamente ao r�s do ch�o das decis�es mais corriqueiras e banais.
� justamente desse contraste que Salinger parece retirar boa parte da for�a da obra, como se estivesse interessado em demonstrar que ideias relativas � arte precisam passar pelo moedor de carne da vida cotidiana, o que parece mais intenso no caso dos norte-americanos. Est� preparando o cen�rio, criando no leitor uma disposi��o para imaginar, mas, afinal, o que � que vem a�? E pelo tamanho da novela, o leitor sabe, n�o vai dar tempo de chegar muito longe no planejamento se esse casal continuar conversando desse jeito t�o detalhado no restaurante. A cena inicial do trem era s� prepara��o para esse momento e, agora que ele chegou, parece que n�o vamos mais sair daqui.
Tudo bem. Franny se sente um tanto incomodada e fala mal do namorado, provoca, implica com ele, chama-o de professor substituto, est� particularmente desagrad�vel. “Que diabo voc� tem hoje, afinal?”, pergunta Lane. “Desculpa. Eu sou horrorosa”, ela responde. “� s� que eu estou t�o destrutiva esta semana. � um horror. Eu sou p�ssima.” Ent�o a discuss�o fica acalorada quando Franny diz que os poetas do mundo s�o escassos, material realmente muito raro. “A �nica coisa que de repente os que s�o um pouquinho melhores fazem, � meio que entrar na sua cabe�a e deixar alguma coisa l� dentro, mas s� porque eles deixam, s� porque eles sabem deixar alguma coisa, essa coisa n�o precisa ser um poema, meu Deus do c�u. Podem ser s� uns excrementos sintaticosos e superfascinantes – com o perd�o da m� palavra.” � isso, essa mistura de conversa que beira � genialidade, mas coalhada de g�rias estudantis e um tanto de puerilidade, que est� nas frinchas do que Salinger quer alcan�ar.
O livro que estava com Franny volta a ser discutido, chama-se Relatos de um peregrino russo, ela mente que pegou na biblioteca, conta um pouco a hist�ria de um sujeito, um campon�s, o peregrino do t�tulo, que quer descobrir como fazer para rezar incessantemente, como sugere a B�blia. A peregrina��o dele � � procura de algu�m na R�ssia do s�culo 19 que o ensine a fazer isso, at� que encontra uns tais st�rets, “algum tipo de pessoa religiosa superavan�ada”, na defini��o de Franny, e aprende a rezar de modo incessante. E da� a aproxima��o, em seguida, com alguns princ�pios do budismo, em que h� uma seita, Nenbutsu, que tamb�m pratica a mesma modalidade de ora��o, tudo em meio a conversa��es e detalhes a respeito da comida e dos Mart�nis. Depois, Franny desmaia e � socorrida pelo namorado.
“A literatura nos ensina a notar”, diz um cr�tico liter�rio, James Wood, num ensaio a respeito do detalhe. E quando o leitor percebe o detalhe na literatura, come�a a perceber tamb�m na vida, onde em geral os detalhes se tornam amorfos. Por perceber na vida, aprende a perceber ainda mais e a apreciar melhor o detalhe quando ele reaparece na lite- ratura. � um ciclo. Salinger faz isso muito bem. O livro do peregrino volta na segunda novela, Zooey, que apresenta outro dos ca�ulas da fam�lia Glass, Zachary, conhecido pelo apelido contra�do do t�tulo. O narrador diz que o que est� prestes a oferecer “n�o � exatamente um conto, mas uma esp�cie de v�deo caseiro em prosa”.
O narrador � o mais jovem membro da fam�lia, Buddy, mas depois de apresentar a moldura da narrativa retira-se para a terceira pessoa e conta o que se passa com outros tr�s integrantes da fam�lia, os irm�os Franny e Zooey e a m�e, Bessie. Sobretudo uma longa conversa entre Bessie e Zooey, no banheiro, enquanto ele tenta terminar um banho de banheira, o que a m�e atrapalha, e barbear-se, o que a m�e atrapa- lha. Zooey � ator, talvez um desdobramento do fato de que todas as crian�as Glass participaram quando pequenas de um programa de r�dio chamado � uma s�bia crian�a, em que demonstravam conhecimento enciclop�dico a respeito de qualquer assunto. Agora � um jovem adulto que tenta conter a crise da irm� desencadeada na novela anterior. Crise que tem a ver com o fato de que o irm�o mais velho, Seymour, suicidou-se, e foi do quarto dele que Franny retirou o volume que agora leva para todo lado como se fosse a t�bua de salva��o de que precisa para conti- nuar.
No fecho, uma conversa telef�nica entre Franny e Zooey, em que este tenta se passar por outro irm�o, justamente o Buddy, que � o narrador disfar�ado (em terceira pessoa) da hist�ria, � incr�vel, para dizer pouco. Ou seja, como � poss�vel perceber aqui, as narrativas se entrela�am, ali�s, como acontece em todos os livros de Salinger, que nem s�o tantos, � exce��o de O apanhador no campo de centeio, um relato do mau humor juvenil que � uma obra-prima. S� para se ter ideia. “Eu sou o mentiroso mais sensacional que voc� j� viu”, declara de passagem o personagem central Holden Caulfield a certa altura, sem qualquer preocupa��o com eventuais acusa��es de ser presun�oso ou coisa parecida.
A FAM�LIA GLASS
Todos os outros livros, que est�o sendo submetidos a nova tradu��o e relan�ados no Brasil pela Todavia, se debru�am sobre a fam�lia Glass. Meninos e meninas inteligentes, superespertos, mas tamb�m problem�ticos. Porque as pessoas parecem ter essas escolhas na vida, podem ser inteligentes ou felizes. Os Glass s�o do primeiro tipo, mas parecem estar em s�rias d�vidas se � mesmo escolha.
O curioso � que, ao se deter sobre as min�cias da fam�lia Glass, Salinger atrai necessariamente a aten��o tamb�m para si mesmo, para o escritor que articulou todo esse enredo familiar em grandes propor��es e que se esparrama pelos outros livros, o Nove hist�rias, j� lan�ado, e os ainda previstos para este ano: Pra cima com a viga, carpinteiros e Seymour, uma introdu��o. E a verdade � que o sujeito, por mais que tenha tentado se manter no anonimato, quando decidiu se afastar do mundo e viver mais ou menos escondido no estado norte-americano de New Hampshire, em meados da d�cada de 60 do s�culo passado, o que conseguiu foi atrair mais e mais aten��o para si.
Um dos que tentaram fazer uma biografia do escritor foi Ian Hamilton, que escreveu Em busca de Salinger. O resultado �, para dizer pouco, capenga. Ele passa mais tempo a contar min�cias do processo que Salinger moveu contra si do que realmente a relatar a vida do escritor. N�o deixa de ser curioso que, mesmo tendo sofrido e perdido um processo judicial, a biografia n�o se deixa contaminar por essa adversidade e continue a ser simp�tica ao escritor. Mas, sem poder reproduzir as cartas encontradas em arquivos, sem poder dizer as coisas de maneira aberta, termina por ficar pela metade, exemplo na verdade de contrabiografia.
Por fim, uma palavrinha a respeito da tradu��o. Caetano W. Galindo � um craque absurdo nesse quesito e consegue melhorar o texto erguendo-o a um n�vel impressionante. Ele tem ouvido afiado para nuances bem sutis da prosa de Salinger, ali�s, para qualquer que seja o escritor que decida enfrentar, a tal ponto que o nome de Galindo passa a ser uma esp�cie de selo de qualidade para o trabalho.
Harold Bloom, um dos maiores nomes da cr�tica liter�ria norte-americana, diz que Franny & Zooey, junto com Nove hist�rias, s�o “pequenas obras-primas ou cl�ssicos menores e nos lembra que ‘menor’ pode ser tanto uma palavra descritiva como valorativa para a cr�tica liter�ria”. Ele meio que torce o nariz, sim, mas a vivacidade reencontrada na tradu��o vale cada centavo dessa nova edi��o. E literatura costuma ser meio avessa a essas medidas de tamanho. Salinger sabia disso como poucos.
Paulo Paniago � professor de jornalismo da Universidade de Bras�lia
TRECHO DO LIVRO
FRANNY & ZOOEY
Havia v�rios acrobatas verbais experientes na fam�lia Glass, mas esse �ltimo comentariozinho talvez apenas Zooey tivesse a coordena��o adequada para realizar em seguran�a numa liga��o telef�nica. Ou � o que sugere este narrador. E Franny pode ter sentido a mesma coisa, tamb�m. De um jeito ou de outro, ela de repente viu que era Zooey do outro lado. Levantou, devagar, da beira da cama. “Tudo bem, Zooey”, ela disse. “Tudo bem.”
N�o imediatamente: “Perd�o?”
“Eu disse, tudo bem, Zooey.”
“Zooey? Que hist�ria � essa...? Franny? Voc� est� a�?”
“Eu estou aqui. S� pare com isso, t�. Eu sei que � voc�.”
“Mas do que � que voc� est� falando, querida? Que hist�ria � essa? Quem � esse Zooey?”
“Zooey Glass”, Franny disse. “S� pare, t�. N�o tem gra�a. A bem da verdade, eu mal estou dando jeito de voltar a ficar mais ou menos...”
“Grass, voc� disse? Zooey Grass? Um noruegu�s? Um sujeito pesado, loiro, atl�...”
“Tudo bem, Zooey. Chega, t�. J� deu. N�o tem gra�a... Caso voc� queira saber, eu estou me sentindo um nojo. Ent�o se tiver alguma coisa especial que voc� queria me dizer, por favor, diga de uma vez e me deixa em paz.” Essa �ltima palavra destacada foi objeto de um estranho desvio, como se a �nfase que recebeu n�o fosse plenamente intencional.
Nove hist�rias singulares
Nove hist�rias, de J. D. Salinger, n�o � apenas um dos livros mais emblem�ticos da literatura norte-americana do s�culo 20, como tamb�m um dos que levaram a arte do conto – aqui, compreendida em sua dimens�o atemporal e n�o circunscrita aos limites de um pa�s ou uma l�ngua – ao seu ponto m�ximo de excel�ncia. Publicado originalmente em 1953 – dois anos depois do aclamado romance O apanhador do campo de centeio –, o volume re�ne narrativas escritas a partir do final dos anos 1940, com foco nos traumas e sequelas vivenciados pela sociedade americana ap�s a 2ª Guerra Mundial, da qual o pr�prio Salinger foi um combatente involunt�rio e inconformado.
O conto que abre a colet�nea, Um dia perfeito para peixes-banana, o primeiro a ser publicado avulsamente, em 1948, j� oferece as diretrizes para a leitura do conjunto, por concentrar as principais linhas de for�a que incidem nas narrativas subsequentes. Sua mat�ria-prima s�o os momentos prosaicos (mas, nem por isso, banais) que atravessam dia na vida de Seymour Glass. Di�logos familiares cheios de n�o ditos, detalhes irrelevantes � primeira vista, mas incisivos como pistas para a interpreta��o dos acontecimentos, tens�es entre o enredo expl�cito e os elementos impl�citos nas falas dos personagens, tudo isso evidencia a inefic�cia de uma leitura superficial do enredo. Este, ali�s, importa menos que a sutileza ir�nica da linguagem e os movimentos amb�guos da narrativa. A isso se soma o engenhoso uso que o autor faz tanto dos sentidos deflagrados pela sonoridade dos nomes dos personagens quanto do falar espont�neo, e sem imposturas, das crian�as.
Tais recursos se reinventam nas demais fic��es, com acr�scimos e varia��es surpreendentes, que incluem inser��es de cartas, relatos e anota��es no meio das narrativas, capazes de revelar, nos detalhes, o que se esconde nas dobras do enredo central. Disc�rdias conjugais, donas de casa em desconforto com sua pr�pria condi��o, h�bitos sup�rfluos das fam�lias de classe m�dia em viagens de f�rias, artif�cios enganosos do marketing capitalista e ilus�es do ideal americano de exist�ncia s�o postos em quest�o por um olhar ao mesmo tempo cr�tico e melanc�lico, que desafia a vis�o dicot�mica do mundo e explora os matizes da ironia, sem abrir m�o da sensibilidade po�tica. E, como contraponto a isso, a possibilidade da epifania, da luminosa for�a da imagina��o.
O �ltimo conto, Teddy, numa esp�cie de simetria inversa ao primeiro, vem evidenciar esse contraponto, ao percorrer as palavras s�bias de um menino – um pequeno buda em viagem num navio com a fam�lia – que, ao inv�s de aderir ao way of life americano para sobreviver ao agora do mundo, opta por outro caminho.
Assim, com uma prosa que se recusa a ser encontrada onde se espera que ela esteja, Salinger reafirma, com Nove hist�rias, sua singularidade na hist�ria da literatura do s�culo 20 e de todos os tempos. Nesse sentido, sua publica��o no Brasil pela Todavia, em tradu��o impec�vel de Galindo, � para ser celebrada como um grande acontecimento liter�rio. (Maria Esther Maciel *)
* Maria Esther Maciel � escritora, ensa�sta e professora da UFMG. Texto originalmente publicado na apresenta��o da edi��o brasileira de Nove hist�rias (Todavia, 2019).
T�o famoso quanto recluso
Jerome David Salinger, conhecido como J. D. Salinger (1919-2010), foi um dos mais importantes e controversos escritores do s�culo 20. Sua obra m�xima, O apanhador no campo de centeio (The catcher in the rye), lan�ada em 1951, al�ou Salinger ao estrelato e, curiosamente, decretou sua fuga do mundo nas �ltimas d�cadas dos seus longos 91 anos de vida. A trajet�ria do escritor nova-iorquino � detalhada na biografia Salinger, do roteirista, diretor e produtor Shane Salerno e do escritor David Shields.
Lan�ada em 2014 no Brasil pela editora Intr�nseca, a obra tem 702 p�ginas em letras mi�das, resultado de nove anos de pesquisa. (Detalhe: o livro pode ser encontrado a R$ 9,90!!! numa livraria de BH, algo inacredit�vel para amantes da leitura.) Os dois autores ouviram mais de 200 pessoas ligadas a Salinger, reunindo depoimentos de ex-colegas de escola e faculdade e dos campos de batalha da 2ª Guerra Mundial, cr�ticos liter�rios, editores, ex-namoradas e ex-mulheres, amigos, familiares e at� conselheiros espirituais. A obra foi produzida inclusive simultaneamente com um document�rio hom�nimo dirigido por Salerno.
O resultado desse trabalho de f�lego � uma biografia consistente que esmiu�a as idiossincrasias de Salinger. Os autores tiveram a boa sacada ao fazer toda a obra com pequenos depoimentos dos entrevistados, o que n�o a torna cansativa e facilita a leitura sobre a vida do homem por tr�s do mito. Logo na primeira linha da introdu��o do livro, Shields e Salerno j� d�o o tom da vida e da obra do autor:
“J. D. Salinger passou dez anos escrevendo O apanhador no campo de centeio e o resto da vida lamentando esse fato. Antes da publica��o do livro, ele era um veterano da Segunda Guerra Mundial com transtorno de estresse p�s-traum�tico. Depois da guerra, vivia em busca constante de uma cura espiritual para sua psique danificada. Em raz�o do enorme sucesso do romance sobre um adolescente rebelde surgiu um mito: Salinger, como Holden Caulfield [o protagonista] era sens�vel demais para ser tocado, bom demais para este mundo. Passaria o resto da vida tentando, sem sucesso, conciliar essas vers�es completamente contradit�rias de si mesmo: o mito e a realidade”. Por isso, ao mesmo tempo em que caiu nas gra�as da m�dia, foi um apanhador que apanhou do sucesso. Ficou famoso por n�o querer ser famoso.
LUTA CONTRA A GL�RIA
O apanhador... j� vendeu mais de 65 milh�es de exemplares e continua a vender meio milh�o por ano. Impactou diversas gera��es e ainda hoje segue como marco do adolescente americano. Mas por que foi t�o significativo? Porque no p�s-guerra foi um libelo antiestablishment. A obra foi escrita enquanto ele estava na guerra na Europa, como agente de contrainforma��o do Ex�rcito americano. � narrada na primeira pessoa por Holden Caulfield, alterego de Salinger adolescente. “A voz � diretamente a de Salinger, sem ser filtrada. Consiste em sua vida, seus pensamentos, seus sentimentos, sua raiva, sua grande e bela banana para todas as pessoas falsas do mundo”, dizem os autores.
Quando foi lan�ando, O apanhador... caiu nas gra�as dos adolescentes americanos porque quebrou o american way of life, a hipocrisia. � um solil�quio de 244 p�ginas com o desabafo de Holden, o garoto expulso da escola e brigado com o mundo, que questiona tudo e todos, um iconoclasta. Holden se tornou o apanhador no campo de centeio que salva crian�as de pularem no abismo.
“Fico imaginando uma por��o de garotinhos brincando de alguma coisa num baita campo de centeio e tudo. Milhares de garotinhos e ningu�m por perto... quer dizer, ningu�m grande.... a n�o ser eu. E eu ficou na beirada de um precip�cio maluco. Sabe o qu� que eu tenho de fazer: tenho que agarrar todo mundo que vai cair no abismo. Se um deles come�ar a correr sem olhar onde est� indo, eu tenho que agarrar o garoto. S� isso que eu ia fazer o dia todo. Ia ser s� o apanhador no campo de centeio e tudo. Sei que � maluquice, mas � a �nica coisa que eu queria fazer”, desabafa Holden. O livro exerceu enorme influ�ncia sobre os adolescentes incompreendidos da caretice vigente. Hoje parece banal, mas foi revolucion�rio para a �poca.
Para muitos cr�ticos, a hist�ria de Holden � a de Salinger na guerra, met�fora da impot�ncia de salvar soldados no campo de batalha. O que era para ser gl�ria virou tormento para Salinger. Traumatizado pela carnificina que presenciou em cinco batalhas da 2ª Guerra, ele jamais se recuperou e se isolou do mundo, foi morar na pequena cidade de Cornish, em New Hampshire, mas nunca escapou do ass�dio da m�dia. E jamais autorizou a adapta��o de sua obra para o cinema.
Dizia: “Estou neste mundo, mas n�o sou deste mundo”. N�o punha f� no ser humano. Depois de lan�ar poucas obras (Nove hist�rias, Franny & Zooey, Pra cima com a viga, carpinteiros e Seymour, uma introdu��o), ele parou de escrever ainda nos anos 1950 e aderiu � filosofia oriental vedanta. Passou a n�o suportar o conv�vio com as pessoas e assim ficou at� o fim. As lembran�as da guerra arruinaram sua vida social. Esteve em campos de concentra��o ap�s a derrota nazista, viu gente queimada ainda viva e se desiludiu com o ser humano.
Salinger nunca deixou de ser adolescente, como mostram seus livros. E a vida inteira cortejou garotas rec�m-sa�das da puberdade como consequ�ncia de ter perdido o amor da bela menina-mo�a Oona O'Neill, filha do dramaturgo Eugene O'Neill. Ela o abandonou para se casar com Charlie Chaplin, ent�o o maior astro do cinema e com quem teve oito filhos. A reclus�o, mesmo diante do sacrif�cio da mulher e dos filhos, foi a reden��o para Salinger, sempre com o prop�sito de precisar de sossego para escrever e evitar as pessoas at� o fim. (Paulo Nogueira)
FRANNY & ZOOEY
• De J. D. Salinger
• Todavia
• 176 p�ginas
• R$ 54,90
NOVe HIST�RIAS
• De J. D. Salinger
• Todavia
• 208 p�ginas
• R$ 54,90
SALINGER
• De David Shields e Shane Salerno
• �ntrinseca
• 702 p�ginas
• At� R$ 50 (sebos)