Exposi��o em BH apresentar� trabalhos do poeta-arquiteto Jo�o Diniz
O artista mineiro expor� pinturas com spray sobre papel�o, tela e madeira
postado em 31/01/2020 06:00 / atualizado em 31/01/2020 08:12
Museu do Autom�vel Fiat, Betim (foto: Circuito atelier/reprodu��o)
Luis Turiba*
Especial para o Estado de Minas
1- Quando Chico Buarque troca o curso de arquitetura na USP pelo samba carioca de Noel Rosa, em meados dos anos 60, acaba sendo jogado, j� na idade madura, no colo de Luiz de Cam�es como um dos maiores escritores da l�ngua portuguesa deste s�culo 21.
2- Niemeyer, por sua vez, escreveu versos sobre as curvas sinuosas da mulher brasileira, os rios e as montanhas de Minas, e concluiu: “A vida � mais importante que a arquitetura”. Mas sua arquitetura de �ngulos retos se eternizou foi nas curvas.
3- Jo�o Cabral foi diplomata e amava a arquitetura at� como suporte para construir seus poemas. Escreveu este verso, um dos mais lindos de sua obra: “A arquitetura como construir portas,/de abrir; ou como construir o aberto;/ construir, n�o como ilhar e prender,/ nem construir como fechar secretos;/ construir portas abertas, em portas;/ casas exclusivamente portas e tecto./ O arquiteto: o que abre para o homem/(tudo se sanearia desde casas abertas)/ portas por-onde, jamais portas-contra;/ por onde, livres: ar luz raz�o certa.”
Fui buscar essas tr�s refer�ncias em que poesia e arquitetura se trespassam por um nobre motivo: conheci recentemente o poeta-arquiteto Jo�o Diniz, mineiro de Juiz de Fora, que veio para Beag� ainda beb�, na 33ª edi��o do Psiu Po�tico, que todo ano resiste em acontecer na cidade de Montes Claros, pertinho do Vale do Jequitinhonha. Os convidados do poeta-l�der Aroldo Pereira eram seis (eu estava l� para lan�ar o meu livro Desacontecimentos e coordenar uma mesa de debates), todos com mensagens para este momento do pa�s. Encontro prof�cuo.
Na noite de apresenta��o dos poetas, Jo�o Diniz me chamou a aten��o pelo conte�do (versos curtos, r�pidos, musicais e carregados de significados), al�m da maneira como apresentou os seus poemas, usando suporte tecnol�gico, quase musical. Afora isso, dentro da programa��o, ele ainda mostrou dois filmes sobre cidades com olhares experimentais e cortes arquitet�nicos para Salvador e seu mar afrobaiano, e Paris e sua monumental Torre Eiffel.
No livro Aforismos experimentais, editado pela Asa de Papel e apresentado no Psiu, Jo�o avisa que “o texto � a coragem do autor”, portanto “escreva-se”. “Passar a p�gina � um voto de confian�a”, avisa. E voc�, leitor, segue em frente, folheando aquelas frases soltas que v�o formando poemas mentais. Afinal, “a inven��o desenferruja o presente.”
Nosso poeta-arquiteto traz para suas apresenta��es um laptop onde o texto recitado chega ao p�blico compartilhado com efeitos sonoros, imagens e luzes. Ele se apresenta manobrando uma s�rie de “poemobjetos” de formatos geom�tricos. Uma parafern�lia, ali�s, que vai no rastro dos recitais po�ticos de Arnaldo Antunes e Ricardo Aleixo, que, por sua vez, dialoga com o Poesia � risco, espet�culo inaugural no qual o poeta concreto Augusto de Campos se apresentou com o filho guitarrista Cid Campos e o videomaker Walter Silveira, tanto no Brasil como no exterior.
�bvio que a breve apresenta��o do Jo�o no palco do Psiu foi bem mais simples e limitada em fun��o do espa�o, do tempo e da pr�pria infraestrutura. Os suportes, no entanto, sustentavam uma poesia de alto valor r�tmico, como Ma��: “Desatar a m�goa na sanidade t�ctil/ Demarcar a tr�gua, eternidade vol�til?/ Ad�o, na transgress�o primeva, inventou um gosto com Eva./ A serpente � o passado, ao desfazer o pecado/ O para�so � inventar, o seu pr�prio ju�zo/ no canto preciso, na luz, e no espanto do anjo./ Santo torpor livre no ar, o gesto, a amizade s�,/ Massa suave, o gosto af�, provar efetiva ma��”.
Outro poema apresentado como um hit musical foi Tanto, que fez a plateia sacudir os ombros e as pernas: “De tanto queimar, gelou/ de tanto pensar, travou/ de tanto falar, mentiu/ de tanto riscar, apagou/ De tanto brilhar, cegou/ de tanto clamar, negou/ de tanto atar, cortou/ de tanto chamar, afastou/”
Um refr�o discreto sustenta a musicalidade do poema:
“Cada vez mais precisamos de pouco
O ser mais simples � o ser mais solto.”
E, no embalo, surge uma nova chamada na voz do poeta que permite uma imediata identifica��o do p�blico com um cl�ssico dos �ltimos esc�ndalos da pol�tica brasileira.
“Seria ideal manter-se assim/
Mineral vegetal animal.”
POEMAS FUNCIONAIS OU ARQUITETURA DOS POEMAS
Para Aroldo Pereira, coordenador e organizador do Psiu Po�tico, ter Jo�o Diniz como homenageado do festival de 2019 foi um luxo, um ato de resist�ncia: “Ele � um multiartista com total dom�nio dos instrumentos de trabalho. Com sua compet�ncia criadora, tem contribu�do de forma permanente com a contempor�nea po�tica de Minas e do Brasil. Como performancer, m�sico, artista pl�stico, poeta, humanista e arquiteto. Um dos grandes artistas do Brasil no s�culo 21”, brada Aroldo.
Abramos agora mais este leque para este poeta cheio de salamaleques, tirando mais coelhos da sua cartola. Afinal, h� sempre um rabisco arquitet�nico nos poemas sonoros de Jo�o, mas como profissional da vis�o, do olhar, do est�tico, do concreto e do c�lculo; ele segue, entre tantos caminhos, um ensinamento do poeta-mestre M�rio Quintana, baseado no poema Arquitetura funcional.
Aqui, um par�nteses: li recentemente num texto do poeta Ricardo Silvestrin intitulado Da poesia da arquitetura � arquitetura da poesia, no qual ele aponta, via Quintana, a funcionalidade da arquitetura na poesia e vice-versa. De t�o pr�ximo do que estamos falando, vale citar o poema do velho mestre ga�cho:
“N�o gosto da arquitetura nova/ Porque a arquitetura nova n�o faz casas velhas/ N�o gosto das casas novas/ Porque as casas novas n�o t�m fantasmas/ E, quando digo fantasmas, n�o quero dizer essas assombra��es vulgares/ Que andam por a�.../ � n�o-sei-qu� de mais sutil/ Nessas velhas, velhas casas,/ Como, em n�s, a presen�a invis�vel da alma.../ (...) A pena que me d�o as crian�as de hoje!/ Vivem desencantadas como uns �rf�os:/ As suas casas n�o t�m por�es nem s�t�os,/ S�o umas pobres casas sem mist�rio./ Como pode nelas vir morar o sonho/ O sonho � sempre um h�spede clandestino e � preciso/ (...) � preciso ocult�-lo dos confessores,/ Dos professores,/ At� dos Profetas/ (Os Profetas est�o sempre profetizando outras coisas...)/ E as casas novas n�o t�m ao menos aqueles longos, intermin�veis corredores/ Que a Lua vinha �s vezes assombrar!”
Depois deste aux�lio luxuoso, voltemos ao poeta belo-horizontino, pois esses objetos fantasmag�ricos que Quintana clama nas casas antigas Jo�o Diniz os cria novos aos borbot�es em casas velhas ou novas, em pra�as, em espa�os p�blicos, em galerias, em exposi��es, como, por exemplo, na Casa Cor de Beag�, onde instalou recentemente a Cuboesia, uma pe�a de 4 por 4 metros onde no seu interior podem ser recebidas at� 10 pessoas ao mesmo tempo. Cada um dos seis lados do cubo tem uma poesia concreta de quatro palavras, cada uma com 4 letras, todas diferentes umas das outras. Exemplo: Esse povo quer voar. Portanto, sinta-se em casa com seus novos fantasmas.
Ali�s, s�o muitas outras as experi�ncias po�ticas praticadas por Jo�o Diniz com base na funcionalidade da arquitetura. Seus poemas-funcionais est�o tamb�m nos pr�dios constru�dos por ele e sua equipe, como o Capri e o Scala. O cruzamento dessas duas vertentes – arquitetura e linguagem po�tica inventiva – est� nas refer�ncias que carrega desde os tempos que era estudante at� hoje. Sintam neste depoimento-manifesto feito especialmente para o Pensar as bases te�ricas do seu poetar, assim como seus mestres nessa caminhada.
Casa Eug�nia (foto: Circuito atelier/reprodu��o)
POESIARQUITETADA
“A poesia � a arquitetura das palavras e a arquitetura � a poesia da constru��o e dos espa�os. Na busca da s�ntese m�xima as duas disciplinas seguem paralelas na cultura humana construindo sentimentos, escrevendo com edif�cios e cidades os ritmos do tempo e da hist�ria. Alguns personagens, dentre tantos, confirmam essa quebra de fronteiras entre espa�os e palavras: Leonardo da Vinci provou que n�o existem barreiras entre a��es art�sticas e uniu escrita, projetos e diversos outros interesses em sua obra. Richard Wagner comp�s suas �peras hist�ricas e projetou espa�os teatrais adequados a elas. Buckminster Fuller repensou as possibilidades de uma constru��o que aprendesse com a natureza e escreveu seu pensamento em premiado livro de poesia. Num prov�vel debate entre arquitetos fundamentais do s�culo 20, Fuller discutiria o conceito seminal do ‘menos � mais’ contrapondo sua vis�o org�nica com a vis�o art�stica e industrial de Mies van der Rohe. Joaquim Cardoso, o engenheiro que calculou as formas de Niemeyer, construiu tamb�m reconhecida obra po�tica com uma dic��o que dialoga com as tradi��es nordestinas e o modernismo brasileiro. S�rgio Bernardes uniu conhecimentos de constru��o e projeto a uma forma vision�ria e l�rica de antecipar o futuro num legado que ainda carece ser entendido. Am�lcar de Castro com suas esculturas definiu espa�os e fendas atrav�s de precisos cortes e dobras, e paralelamente registrou seu pensamento com poesias. Peter Zumthor explica seu pensamento arquitet�nico com a orat�ria sens�vel nas Atmosferas, sua not�vel confer�ncia publicada. Lina Bo Bardi chega ao Brasil e se encanta com a polifonia de suas vozes. Sua heran�a ficou em suas obras, desenhos e textos onde poeticamente nos mostra com sua vigorosa vis�o feminina uma nova forma de entender nosso pa�s. Onde houver inova��o e liberdade a poesia e a arquitetura seguir�o sempre de m�os dadas.” Jo�o Diniz, outubro de 2019
NOVOS PROJETOS
O poeta-arquiteto est� cheio de projetos novos pr�-elaborados. O Livro das linhas, com poemas textuais, est� no prelo e deve sair este ano. Mais ousada � a proposta de uma exposi��o/livro/cat�logo em 2020. T�tulo: Poemateria, unindo num mesmo ambiente todos esses suportes im-previstos para texto, tais Os len�os livres, Aforismos gr�ficos, a instala��o Trama, com esculturas; cubos em ingl�s produzidos na Hungria e Inglaterra; os cubos domesticados, os Poemobjetos; os Poetramas; os Textenhos (textos mais desenhos), o ...escrever � sopa, al�m da Poesia p�s digital, poemas gr�ficos montados com restos de teclados. Isso sem falar de pe�as soltas e h�bridas unindo aforismos design e escultura mobili�ria. Ou seja: haja tempo, haja espa�o, haja tra�o, haja ar-quitetura para tanta poesia.
SERVI�O
• Exposi��o Typos Extra�os
• De Jo�o Diniz
• Data: 5 de fevereiro a 2 de mar�o de 2020
• Local: Asa de Papel Caf� & Arte
• Endere�o: Rua Piau�, 631, Bairro Santa Efig�nia, BH
• Obras: pinturas realizadas com spray sobre papel�o, tela e madeira. Nessas pinturas, as letras que remetem aos poemas do artista saltam em diversos tamanhos e configura��es, nas cores preto, cinza, branco, amarelo e vermelho.
* Luis Turiba
poeta, ex-editor da revista Bric-a-Brac, publicou recentemente pela 7 Letras, do RJ, o livro Desacontecimentos