
Em 2015, quando fundou no Rio de Janeiro a editora Bazar do Tempo, Ana Cecilia Impellizieri Martins, hoje com 45 anos, vinha de uma experi�ncia como jornalista, pesquisadora e editora. Queria, neste voo solo, lan�ar bons livros sem um foco espec�fico. Publicou, na fase inicial, t�tulos de fotografia, poesia e ensaio, editando autores com quem tinha trabalhado em experi�ncias anteriores, como Ferreira Gullar, Cleonice Berardinelli e Eduardo Jardim.
Mal sabia ela que oito anos mais tarde a Bazar do Tempo se dividiria entre o Brasil e a Fran�a e que enfatizaria a produ��o liter�ria feita por mulheres, que hoje dominam o elenco da editora.
"Se a gente n�o nasceu com isto, acabou criando uma rede (de escritoras). Realmente uma autora vai puxando a outra e hoje publicamos muitos livros feministas. Mas h� uma diferen�a entre ter livros feministas e ser uma editora feminista. A Bazar � uma editora feminista, mas nem todos os livros de mulheres s�o feministas stricto sensu."
A Bazar atinge seu oitavo ano com cerca de 130 t�tulos publicados - a previs�o � de que sejam 16 em 2023. J� venceu tr�s Jabutis, o mais recente deles, vencedor na categoria de melhor livro de ci�ncia de 2022, "Um tempo para n�o esquecer", da pneumologista Margareth Dalcolmo, uma das maiores refer�ncias brasileira no combate � COVID.
O casamento com um franc�s levou Ana Cecilia a se mudar para Paris. "No come�o acharam estranho eu tocar uma empresa a 10 mil quil�metros de dist�ncia. A� veio a pandemia e todo o mundo come�ou a trabalhar como eu j� trabalhava. Hoje em dia ningu�m acha mais estranho", comenta ela, que vem ao Brasil anualmente pelo menos umas tr�s vezes.
Est� inclusive no Rio neste m�s. Veio para a posse de Heloisa Buarque de Hollanda na Academia Brasileira de Letras (em 30 de julho), ocupando o lugar de N�lida Pi�on. Buarque n�o, Teixeira. A escritora de 84 anos anunciou recentemente que vai abandonar o sobrenome do primeiro marido (o advogado Luiz Buarque de Hollanda) e adotar o Teixeira, de origem materna.
O pr�ximo t�tulo dela, que a Bazar vai lan�ar em setembro, ser� o primeiro com a assinatura Heloisa Teixeira. Foi a pensadora, por sinal, uma das respons�veis pela virada editorial. J� com quatro t�tulos, e com o quinto previsto para 2024, a cole��o "Pensamentos feministas", inaugurada em 2019, foi uma aposta grande.
Com Heloisa coordenando a cole��o, os livros reuniram artigos de autoras brasileiras e estrangeiras. Os t�tulos inaugurais foram "Pensamento feminista: Conceitos fundamentais" e "Pensamento feminista brasileiro: Forma��o e contexto". "Foi uma aposta, de investimento e de tempo, que deu muito certo. Encontramos um p�blico leitor �vido pelos conceitos e refer�ncias e entendi ali que tinha um vazio editorial nessa �rea."
A cole��o � hoje o bestseller da editora - os quatro t�tulos somam 40 mil exemplares vendidos. "Os primeiros livros traziam textos seminais em termos das lutas no Brasil pela representatividade. Fiquei muito tomada pela tem�tica", continua Ana Cecilia. A editora passou a publicar livros de autoras que haviam participado da cole��o, como "A inven��o das mulheres" (outro dos mais vendidos da Bazar), da soci�loga nigeriana Oy�r�nk� Oyew�m�.
Clube de assinaturas
O processo acabou gerando outra iniciativa. No in�cio de 2021 a Bazar lan�ou o Clube F., um clube de assinaturas com livros escritos por mulheres. Mensalmente, e antes mesmos das livrarias, os assinantes recebem um t�tulo em uma caixa (acompanhada de brindes). J� foram lan�ados livros de Virginia Woolf, Alice Walker, Hannah Arendt, entre v�rias outras.
O que veio como uma alternativa para as dificuldades impostas pela pandemia acabou se tornando um dos carros-chefe da editora. "Ele � importante porque garante a sa�da de um n�mero de vendas. Isto d� seguran�a para a gente apostar em outros nomes."
Para al�m disto, o clube de assinaturas vem contribuindo para a cria��o de um cat�logo "onde as mulheres tenham representa��o forte nas mais diferentes �reas: hist�ria, ci�ncia, ci�ncias sociais. Todo o mundo sabe quem s�o os grandes historiadores, cientistas (homens). Queremos criar uma bibliografia para a produ��o das mulheres. Mas tentamos fazer um equil�brio entre fic��o e n�o fic��o para que as pessoas tenham um panorama das mulheres atrav�s do tempo. Muitas estrangeiras chegam ao Brasil com muito atraso", comenta Ana Cecilia, lembrando o emblem�tico caso de Angela Davis, cujos livros s� come�aram a ser publicados no pa�s mais de tr�s d�cadas depois de sua publica��o original.
Ainda que as mulheres sejam maioria - n�o s� entre os livros publicados, mas tamb�m entre os profissionais que atuam na Bazar - os homens ainda t�m um lugar na editora. "N�o os abandonamos, mesmo que tenham uma presen�a menor, porque temos fidelidade com alguns autores h� muito tempo. Eles ainda est�o nas nossas linhas de preocupa��o, como o Bruno Latour (fil�sofo franc�s que trata de ci�ncia e sociedade), o (portugu�s) M�rio Cesariny na poesia, o Newton Bignotto (fil�sofo mineiro), de quem j� lan�amos dois livros (e h� outro t�tulo em breve", acrescenta Ana Cecilia.
Entrevista/ Ana Cecilia Impellizieri Martins (Bazar do Tempo)
“Sontag faria sentido em nosso cat�logo”
Quais os maiores desafios de ser uma editora no Brasil?
O sistema de consigna��o e altos descontos s�o desafios permanentes para as editoras do pa�s, sobretudo as menores e independentes que t�m lastro limitado para investir em grandes tiragens, lidar com inadimpl�ncia etc. Acredito tamb�m que o passo mais importante que precisamos dar � aprovar a lei do pre�o �nico (ou fixo) que � uma maneira de proteger as livrarias e garantir, assim, a sa�de da cadeia do livro.
Quais os pr�ximos cap�tulos de sua editora?
O nosso foco � consolidar o perfil da editora nos campos que atuamos, ampliando essa biblioteca de autoria feminina, do Clube F., somando nomes representativos nas �reas da fic��o e da n�o fic��o; e continuar sendo casa das autoras e autores que est�o no nosso cat�logo. Tamb�m estamos abrindo espa�o para autoras brasileiras que t�m feito pesquisa importantes, como a historiadora Luciana Brito, a antrop�loga Jana�na Damasceno. E estamos recriando a linha infantil, que tem papel importante na perenidade do neg�cio, considerando vendas de governo e ado��o em escolas. Est�o saindo livros da Veronica Stigger, Eduardo Viveiros de Castro e Fernando Vilela; Adriana Calcanhotto e Duda Machado e Luiz Ant�nio Simas. Estamos, sobretudo, trabalhando para seguir crescendo de maneira sustent�vel.
Que livro ou autor, brasileiro ou estrangeiro, gostaria de ter sido a primeira a editar?
Somos muito felizes em editar tantas autoras e autores que formam o nosso cat�logo hoje, Heloisa Teixeira, Alexandra Lucas Coelho, Helena Cixous, Audre Lorde, Maryse Cond�, Heloisa Starling, Eduardo Jardim, Luiz Ant�nio Simas, Newton Bignotto, Hannah Arendt, Marguerite Duras, Anne Carson (ah, como come�o a citar, a gente acaba deixando tanta gente de fora…). Mas pensando na pergunta, acho que Susan Sontag faria muito sentido no nosso cat�logo. E recuperar obras de escritoras brasileiras como Dinah Silveira de Queiroz, que a editora Instante tem feito t�o bem. Mas h� trabalhos que ainda podem ser feitos nesse sentido.