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Estado de Minas PENSAR

'N�o fossem as s�labas do s�bado': fic��o de afetos marcada pela trag�dia

Em entrevista ao Pensar, a paulistana Mariana Salom�o Carrara fala sobre seu novo livro, publicado pela Editora Todavia


09/12/2022 08:20 - atualizado 09/12/2022 08:21

Por Giovana Proen�a - Especial para o EM

 Mariana Carrara
Mariana Carrara, autora de 'N�o fossem as s�labas do s�bado', sobre a sua escrita: 'Preciso alcan�ar o estado de dor do meu personagem' (foto: Renato Parada)

Quando um homem desconhecido se atira na vida de Ana, a protagonista de “N�o fossem as s�labas do s�bado” v� todos os seus planos se esfacelarem. No centro do quarto romance da paulistana Mariana Salom�o Carrara, temos uma personagem em luto. O fio condutor da narrativa � uma trag�dia inusitada. Ao se jogar da janela do apartamento, o vizinho Miguel n�o poderia imaginar que se arremessaria contra Andr�, o marido de Ana, tamb�m morto com o salto. A partir disso, ela � capturada em uma espiral de dor. 

Mas, nem tudo est� perdido. Esta tamb�m � uma hist�ria sobre a possibilidade de seguir em frente. Se o processo parece desolador � primeira vista, aos poucos, a infelicidade solit�ria d� tr�gua. Ana encontra em Madalena, a esposa de Miguel, uma nova rede de apoio.
 
Ainda que presa em sua pr�pria melancolia, ela chega para Ana como um s�mbolo de for�a. Nem sempre positiva, pois Madalena � uma lembran�a da trag�dia. O v�nculo espinhoso, contudo, floresce como uma s�lida amizade, ainda que Ana nunca esque�a a sua origem ou o que Madalena lhe parece: “uma menina que na solid�o das f�rias acolhe um p�ssaro doente”. 

Ana n�o esconde: preferia que Madalena n�o existisse. Nas suas idealiza��es, o outro casal nunca cruzaria o caminho de seus planos familiares. Isso vale muito para uma personagem arquiteta, acostumada com projetos. Entretanto, a vida ideal restou no subjuntivo. Na concretude dos fatos, � Madalena – professora de portugu�s – que ensina a protagonista a ver o mundo em termos sil�bicos. Mais do que isso, � para ela que vem o riso f�cil de Catarina, a filha de Ana, para quem o pai � apenas um amontoado de lembran�as da m�e. 

Sendo a morte um dos grandes temas da literatura, � natural que o luto tamb�m esteja presente. A dor de Ana ressoa outras obras como “A rid�cula ideia de nunca mais te ver”, de Rosa Montero e “O ano do pensamento m�gico”, de Joan Didion, por exemplo. 

O grande trunfo de Mariana Salom�o Carrara, nascida em 1986 em S�o Paulo, � a dosagem po�tica, que comanda o tom da narrativa. Nisso, podemos ver na forma do romance o entrela�amento entre as personagens, irremediavelmente unidas pela trag�dia. A voz de Ana se influencia pela vis�o sem�ntica da literata Madalena.
 
 
Na experi�ncia da maternidade, fica evidente o desalento da protagonista. Solit�ria no trabalho que acredita ser de duas pessoas, Ana se desespera. Ela imagina que esp�cie de pai seria o marido. As idealiza��es, entretanto, s�o mais uma vez in�teis. A inadequa��o � sentida pela personagem at� mesmo na escolha do nome de Catarina, afinal “que s�rdida m�e quase monossil�bica escolhe para a filha um nome t�o cheio”. 

Em “N�o fossem as s�labas do s�bado”, temos uma fic��o acerca da resist�ncia feminina. De fato, os homens parecem n�o durar na narrativa. Al�m dos maridos mortos, h� uma sequ�ncia de abandonos, que v�o do pai ausente de Ana at� seu melhor amigo, que muda de pa�s logo ap�s a trag�dia.

Uni�o das mulheres 

Em meio aos distanciamentos masculinos, resta a uni�o das mulheres.  Al�m de Madalena, nos primeiros tempos, Ana conta com Francisca, a bab�. A partir da presen�a desta figura, a protagonista reflete sobre os seus privil�gios de classe m�dia e sobre a resili�ncia daquelas que n�o tem a op��o de sucumbir, uma vez que at� mesmo o luto � quest�o de luxo. Com estas observa��es, “N�o fossem as s�labas do s�bado” se abre, para al�m de um romance psicol�gico – sempre flertando com tons po�ticos – para uma potente pondera��o acerca do lugar social que permanece feminino.

O principal arco do livro, entretanto, continua com o tri�ngulo entre Ana, Madalena e Catarina, o maior acerto em termos de profundidade narrativa e a �nica rela��o que perdura todo o decorrer do luto. Em uma manh� de s�bado, Andr� sai apressado para ajudar Ana a carregar um quadro, o p�ster de um filme simb�lico para a rela��o dos dois.
 
 
� neste momento banal que a vida da protagonista despenca, embora ela ainda n�o saiba. Tempos depois, � Madalena que, entre passos vacilantes, auxilia a travessia do quadro. Essa passagem, uma das mais expressivas do livro, resume bem a t�nica do romance. 

Ana passa a acreditar que as trag�dias devem ser descobertas imediatamente “porque cada segundo que elas passam ocultas vira um ano a mais de luto, isso � um capricho que as desgra�as t�m”. � nesta melancolia arrastada, capturada no instante suspenso, que reside o cerne de “N�o fossem as s�labas do s�bado”.
 
Da morte das plantas que apenas Andr� sabia cuidar at� a afirma��o de que ele deixou de existir, Ana processa sua dor em doses homeop�ticas. Para a arquiteta, o apartamento que dividia com o marido se torna uma esp�cie de meton�mia da perda, o espa�o no qual ela aprende a ver a aus�ncia.

Em substitui��o a este mundo concreto e espacial, Ana encontra ref�gio na sem�ntica das s�labas, uma alternativa figurada. Nessas toadas po�ticas, ela elabora o pr�prio luto. Mariana Salom�o Carrara nos apresenta uma fic��o sobre o luto e a inevitabilidade dos afetos, a partir de um evento tr�gico, em suas facetas de perdas e ganhos. Acima de tudo, um lembrete sobre as possibilidades de novas s�labas. 

Giovana Proen�a � pesquisadora na �rea de Teoria Liter�ria na Universidade de S�o Paulo (USP)

“N�o fossem as s�labas do s�bado”
• Mariana Salom�o Carrara
• Todavia
• 168 p�ginas
• R$ 62,90
 

Entrevista/Mariana Salom�o Carrara


“Investiga��o �ntima sobre a morte e amizade entre mulheres est�o sempre entre os meus temas”


Como surge “N�o fossem as s�labas do s�bado”?
 
N�o tenho a no��o exata de como a hist�ria se materializou. Estou sempre em alguma esp�cie de investiga��o �ntima sobre a morte, a perda, a interrup��o s�bita dos planos. Outro tema que em estou sempre mergulhada, desde os meus primeiros textos, � o da amizade entre mulheres – essa amizade como rela��o familiar, nosso v�nculo fundamental e, em certas circunst�ncias, principal. Ent�o, certo dia, estas duas batalhas mentais se encontraram – ou quem sabe desabaram sobre mim –, fazendo surgir esta trag�dia, que continha em si uma nova hist�ria.
 
Quais as principais diferen�as do livro para seus romances anteriores?
 
N�o sei se consigo ver tantas diferen�as estruturais. Talvez a �nica mais substanciosa seja o per�odo de narra��o. Em “Se deus me chamar n�o vou”, Maria Carmem passa um ano escrevendo e narrando o livro. Em “� sempre a hora da nossa morte am�m”, embora Aurora lembre ou tente lembrar seus setenta e poucos anos, passa pouco tempo no asilo. Ela est� com o leitor apenas entre o ano novo e o carnaval.
 
J� Ana passa cerca de tr�s anos contando ao leitor o seu luto, e nesses anos o leitor � praticamente o seu processo de cura. Mesmo isso, por�m, eu n�o colocaria como diferen�a entre os livros, vejo-os de certa forma alinhados nos temas da solid�o, medo da morte, maternidade e amizade entre mulheres. Este �ltimo, talvez, venha num registro um pouco mais po�tico, e partindo de uma narradora mais pr�xima da minha pr�pria idade. Uma arquiteta que tem seu projeto de vida t�o brutalmente tolhido que fica obcecada pela “arquitetura dos planos interrompidos”. 

Como o luto pode levar � literatura?
 
Tive not�cias de um jovem que acabara de perder a companheira e gravou em podcast suas impress�es sobre o “N�o fossem as s�labas do s�bado”. Senti pavor de imaginar que eu sujeitei aos detalhes da minha fic��o uma pessoa com sua dor t�o real e palp�vel.
 
Mas o que ele contou foi como o livro o ajudou a sentir, a organizar o luto, nome�-lo. O luto pode levar � leitura em busca de outros lutos que apoiem o seu, e pode levar tamb�m � escrita. Jamais esgotaremos o tema do luto, nunca teremos morrido o bastante.    

Em entrevista ao site “Como eu escrevo”, voc� afirmou que precisa estar em “melancolia produtiva” para escrever fic��o. Poderia explicar o que � esse estado e como atingi-lo?
 
A escrita liter�ria me exige um esfor�o de fuga do pragmatismo cotidiano. Sinto necessidade de estar um pouco � parte, no que eu chamo de melancolia produtiva. N�o posso estar t�o infeliz que s� consiga pensar na minha pr�pria mis�ria, nem t�o feliz que s� queira celebrar. Tamb�m n�o posso estar absorta nos problemas do trabalho ou vicissitudes dom�sticas. Preciso alcan�ar o estado de dor do meu personagem, mas n�o posso sofrer a ponto de j� n�o poder fazer nada por ele.  

Os t�tulos de seus livros s�o especialmente marcantes. Eles v�m antes da cria��o da narrativa ou depois da conclus�o da escrita?
 
Apenas o “� sempre a hora da nossa morte am�m” j� tinha um t�tulo antes de existir, o t�tulo resume a pr�pria ideia inteira do livro. Os outros t�tulos apareceram de repente, no meio do livro ou at� na sua releitura, a partir de uma cena que se destacou e ao mesmo tempo sintetizou a hist�ria.
 
Ana vive mais de uma d�cada presa em cada detalhe fatal daquela manh�, cada s�laba que poderia ter atrasado um segundo ou dois, alterando todo o seu futuro. As s�labas da professora de portugu�s que ela tanto desacolhe em sua vida, as mulheres dos nomes longos. Esse t�tulo surgiu logo nos primeiros cap�tulos, quando ficou claro pra mim que Ana nunca tinha se deixado sair daquele s�bado. 


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