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Estado de Minas PENSAR

Romance de Silvana Tavano traz a hist�ria sobre a gesta��o de um luto

Neste romance breve, autora exp�e a pot�ncia da linguagem como forma de recriar a experi�ncia da perda


09/12/2022 08:10 - atualizado 09/12/2022 08:17

Por Giovana Proen�a - Especial para o EM
 
Silvana Tavano
Silvana Tavano, autora de "O �ltimo s�bado de julho amanhece quieto": dois encontros marcantes com Lygia Fagundes Telles (foto: Paulo Vitale)

Em “O �ltimo s�bado de julho amanhece quieto”, romance de estreia de Silvana Tavano, trag�dia � apenas uma palavra. Assim anuncia Beatriz, a protagonista do livro. Na narrativa, acompanhamos a evolu��o da gravidez da personagem, o que remete a um mote recorrente na literatura contempor�nea: a maternidade. Contudo, Beatriz experimenta um paradoxo entre a vida e a morte, uma vez que esta � tamb�m uma hist�ria sobre a gesta��o de um luto.

Antes que Beatriz tenha a oportunidade de revelar a gravidez ao marido, Cristiano, ele morre subitamente, colocando-a numa espiral de questionamentos. N�o apenas a palavra trag�dia ganha relev�ncia nesta trajet�ria. Tradutora, Beatriz precisa recorrer a todos os voc�bulos para buscar um modo de relatar a experi�ncia d�bia. “[as palavras morreram com voc�?]”, pergunta ela, �vida pela resposta que nunca poder� obter de Cristiano.

Dentro da proposta do romance, com a t�nica centrada na elabora��o do luto, um grande acerto � a escolha do narrador onisciente. Beatriz n�o relata os fatos em primeira pessoa, incapaz de colocar em palavras a dor. Mas, em intrus�es bruscas, ela torna-se um eu l�rico e expressa, com fragmentos po�ticos, o sentimentalismo da viv�ncia, a medida em que o torna palat�vel para si mesma. O amor tornou-se uma ferida; e � por meio da poesia, g�nero por excel�ncia das elegias, que ela pode manifestar esta subjetividade estilha�ada.

A escolha da profiss�o de Beatriz traz novos contornos para a constru��o da personagem. Em experi�ncia semelhante a que vivencia na profiss�o, ela precisa recriar o cotidiano sem Cristiano. Grande parte deste processo, transfigurado nos fragmentos po�ticos que escreve, se d� tamb�m por meio da linguagem. Para o escritor Jorge Luis Borges, n�o h� uma rela��o de hierarquia entre um original e sua tradu��o: os dois n�o passam de rascunhos.
 
Assim, Beatriz passa pelo processo de aceitar que a experi�ncia de maternidade, com Cristiano como seu companheiro, resta em suas idealiza��es, de modo que precisa se adaptar � realidade da perda. Movida por essas reflex�es, ela � captada por uma nova configura��o de seus afetos. Primeiro, Beatriz se reaproxima da m�e, cujo novo casamento nunca aceitou bem, em prova de lealdade ao pai.
 
 
A maternidade, contudo, leva a protagonista a confrontar sua pr�pria figura materna, em um jogo de espelhamentos e invers�es. Ela tamb�m repensa sua passividade na rela��o com uma amizade de longa data, disposta a recolocar a rotina de volta aos trilhos.

Na literatura contempor�nea, seja ela brasileira ou estrangeira, a maternidade tem se destacado como um tema de grande interesse; em especial, na produ��o de autoras mulheres. O maior di�logo do livro aparece com rela��o a outra narrativa lan�ada em 2022: “N�o fossem as s�labas do s�bado”, de Mariana Salom�o Carrara. Al�m do dia da semana no t�tulo, os dois livros compartilham a elabora��o do luto em meio a viv�ncia da maternidade. O espa�o reverbera o estado interior de Beatriz. A cama torna-se grande demais sem Cristiano e o pequeno ber�o, constru�do pelo pai da personagem, a torna consciente da iminente chegada do beb�. Nesse equil�brio entre presen�as e aus�ncias, ela reconstr�i uma nova normalidade para o cotidiano, irremediavelmente alterado.

Silvana Tavano come�ou a escrever o romance em 2015. Temos, na narrativa, ind�cios de que ela � temporalmente ambientada nos anos que cercam a �ltima elei��o presidencial. H� cita��es � polariza��o pol�tica, que se infiltra nas rela��es afetivas das personagens. Beatriz experiencia os conflitos pr�prios das mulheres de sua condi��o. Bem amparada financeiramente e tendo um bom emprego, ela � confrontada pelo isolamento sentimental.

O relacionamento com Cristiano tira Beatriz da interioridade de seu pr�prio mundo, voltado para as letras. M�dico, o marido � acostumado com o universo met�dico e objetivo da ci�ncia, faltando-lhe a subjetividade espec�fica da mulher, dedicada aos livros. � a partir desta oposi��o que forjam uma l�ngua comum, da qual surge uma nova Beatriz, agora inundada no que chama de “saudade amarga”.

Os epis�dios de “O �ltimo s�bado de julho amanhece quieto”, definidos pelas semanas da gravidez de Beatriz, marcam tamb�m a cronologia do romance. Embora linear, a narrativa � invadida pelos ocasionais flashbacks, em que a protagonista rememora desde a vida conjugal at� os conflitos com a m�e. Em um dos momentos mais marcantes da hist�ria, Beatriz lembra a semana da morte do marido, at� chegar ao s�bado fatal – marcado pelo sil�ncio.
 

Neste romance breve, Silvana Tavano exp�e a pot�ncia da linguagem como forma de recriar a experi�ncia da perda. Com a media��o do narrador, Beatriz elabora o seu luto, ainda que o processo seja muitas vezes marcado pela fragmenta��o e pela experimenta��o de registros, com recorr�ncias � l�rica. A tradu��o deste sentimentalismo se reconfigura tamb�m na viv�ncia da gesta��o. Esta trajet�ria come�a com o sol rec�m-nascido, em uma bela met�fora logo nas primeiras linhas do livro, e acaba na sala de parto, com o nascimento do filho. Finalmente, o sil�ncio do luto ser� rompido.


“O �ltimo s�bado de julho amanhece quieto”
• Silvana Tavano
• Aut�ntica Contempor�nea
• 128 p�ginas
• R$ 54,90

Entrevista/Silvana Tavano


“Tentei colocar em cena a for�a da vida como chamado para um novo in�cio”


Como nasce “O �ltimo s�bado de julho amanhece quieto”?
 
A ideia come�ou a se esbo�ar no final de 2017, quando eu ainda era aluna do curso de Forma��o de Escritores do Instituto Vera Cruz, em S�o Paulo. A viuvez de mais de uma amiga pr�xima me levou a pensar (mais ainda) na morte, sempre certa, mas tantas vezes inesperada. Beatriz tem muito dessas mulheres que acompanhei de perto em processo de luto.
 
Mas, diferentemente delas, a personagem est� gr�vida, e foi a partir disso que tentei colocar em cena a for�a da vida como chamado para um novo in�cio – o que acontece n�o s� quando perdemos algu�m. Tamb�m experimentamos o luto com o fim de um casamento, de uma carreira, de um sonho.

Voc� escreveu mais de 20 livros dedicados �s crian�as. Como essa experi�ncia a levou ao primeiro romance para adultos e qual a diferen�a do “Zum-zum-zum das Letras” para os dois p�blicos?
 
Creio que a diferen�a est� no tom do “zum-zum-zum” que as palavras precisam fazer, criando narrativas que preenchem de significado o mundo dos leitores – o dos pequenos n�o � um “mundinho”, � um universo que se alarga a cada idade, e por isso h� que se escrever do ponto de vista da crian�a a cada momento, sem deixar de ser uma adulta na constru��o da narrativa, e isso inclui precis�o, clareza, ritmo, coer�ncia, tudo o que se exige (ou se espera) de um bom texto.
 
Este primeiro romance � uma estreia “p�blica”, escrevo textos dedicados �s n�o-crian�as h� muitos anos. Mas um dos meus infantis acabou se enredando na trama: fiz com que o “Pssssssssssssiu!”, que foi publicado no M�xico, ca�sse nas m�os da protagonista, brincando com a ideia de traduzir o para o portugu�s o que, na verdade, foi uma tradu��o do livro para o espanhol.

Como o luto e a maternidade aparecem em seu romance?
 
Como sil�ncios. No livro, o luto divide o espa�o com uma gravidez muito desejada, mas que acontece num momento tr�gico; a personagem n�o consegue abrir espa�o para essa nova vida que se anuncia, h� um sil�ncio imenso dentro dela, e a constru��o dos cap�tulos a partir das semanas de gravidez busca mostrar como esse sil�ncio vai sendo rompido pouco a pouco. A morte, o luto e a maternidade aparecem como passagens que provocam reflex�es sobre a vida.
 
 
Voc� entrevistou Lygia Fagundes Telles em dois momentos diferentes de sua trajet�ria como jornalista. O que mais guardou dessas conversas e o que mais admira na obra de Lygia?
 
Lembro da generosidade dessa escritora gigante. Na primeira entrevista, eu tinha 23 anos e estava diante da autora que me acompanhava desde a adolesc�ncia; ela n�o s� me ajudou com as perguntas como fez quest�o de ler e comentar um conto que tive a coragem de mostrar. Guardo esse texto anotado como um tesouro. Nos dois encontros, um c�lice de vinho do Porto e a alegria de ouvir Lygia contando do mundo, da entrega ao of�cio, da paix�o pela palavra. 

O que � poss�vel e imposs�vel ensinar e aprender em uma oficina liter�ria?
 
Manejar as ferramentas, fazer escolhas conscientes, exercitar o dom�nio da linguagem, ampliar o repert�rio de leituras, partilhar os pr�prios textos com seus pares: tudo isso pode ser ensinado, aprendido e aprimorado, sempre. Uma oficina liter�ria � justamente um dos espa�os onde isso pode acontecer, revezando-nos no papel de leitores e escritores, deixando nosso texto ecoar, cada vez mais claro e potente, no mundo. Sem essa disposi��o de troca, a� sim a tarefa se torna imposs�vel.


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