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Estado de Minas PENSAR

'Um defeito de cor' ganha edi��o com reprodu��es da obra de Rosana Paulino

Reedi��o luxuosa da obra de Ana Maria Gon�alves captou o frut�fero di�logo do romance com o campo das artes de artistas negros de todas as gera��es


09/12/2022 08:22 - atualizado 09/12/2022 10:03

 obra de Rosana Paulino
A nova edi��o conta com novo projeto gr�fico e obras de Rosana Paulino (foto: Reprodu��o)

A nova edi��o de um dos cl�ssicos da literatura brasileira do s�culo 21 celebra o encontro da escrita de Ana Maria Gon�alves com a obra da artista visual Rosana Paulino, refor�ando a experi�ncia negra diasp�rica na centralidade da hist�ria brasileira.
 
A reedi��o luxuosa da obra de 2006 captou o frut�fero di�logo do romance com o campo das artes, de artistas negros de todas as gera��es que “conversaram” com o cl�ssico. “Um defeito de cor” inspirou uma exposi��o hom�nima, inaugurada no dia 10 de setembro, no Museu de Arte do Rio (MAR), com obras de mais de 100 artistas, em cartaz at� maio do ano que vem.

As quase mil p�ginas, escritas a partir de pesquisa documental, dimensionam o lugar can�nico da obra na literatura e na historiografia. A edi��o de luxo ainda traz um conto in�dito e afrofuturista de Ana Maria, primeiro texto liter�rio que ela escreveu depois de “Um defeito de cor”.

Com exposi��o na Bienal de Veneza e nos principais museus do mundo, como o Metropolitan, de Nova York, e a Funda��o Calouste Gulbenkian, de Lisboa, Rosana Paulino abriu toda a obra para que Ana Maria estabelecesse o di�logo com a edi��o de 16 anos de seu principal livro. "A exposi��o ajuda a transpor do livro (para outras linguagens art�sticas) e tamb�m � uma edi��o especial que ajuda a imaginar a obra de uma forma mais visual", afirma L�via Vianna, a editora-executiva do Grupo Editorial Record, respons�vel por essa edi��o especial. 

Em um primeiro momento, a proposta era que as obras de Paulino iniciassem os cap�tulos, mas o di�logo se ampliou e guiou o projeto gr�fico. A pr�pria Ana, a partir do portf�lio de Paulino, elaborou o roteiro visual, que segue da sobrecapa, guarda do livro, contracapa, passando pela abertura de cada cap�tulo. “Casou muito bem. Conseguimos ter o livro junto da exposi��o. A ideia da Ana � que os leitores tivessem acesso a uma a uma recep��o mais visual da obra”, avalia L�via. 
 

O di�logo sens�vel com as artes � evidenciado no projeto gr�fico. A partir de obras de Rosana Paulino, Let�cia Quintilhano fez uma concep��o bel�ssima. O t�tulo em letra cursiva de um l�pis preto sobre tecido de algod�o mostra a beleza da obra constru�da a partir da crueza da narrativa. Recurso que faz refer�ncia ao menino G�rson, que desenhava a l�pis nos manuscritos que deram origem � narrativa.

A capa recebe sobrecapa em papel vegetal com colagem de imagens de mulheres negras costuradas com linha de algod�o vermelha. Ao final da edi��o, a reprodu��o da instala��o “Parede de mem�ria”, com centenas de fotos de homens e mulheres negras em pequenos patu�s costurados com linha de algod�o.

Na orelha, a escrita por Cidinha da Silva destaca que Ana Maria recebeu “sopros no ouvido” para escrever a hist�ria, certamente um presente dos orix�s para mostrar a resist�ncia dos negros a quase 300 anos de escravid�o no Brasil. “A sua leitura me faz pensar que ele oferece um tipo de ancoragem �s for�as que nos permitiram sobreviver ao mortic�nio f�sico e espiritual impostos pelo tr�fico atl�ntico, pela escravid�o e seus ardis, pelo racismo.”

Ao apresentar a obra, Ana Maria ressalta que o romance “� fruto da serendipidade”, “aquela situa��o em que descobrimos ou encontramos alguma coisa enquanto est�vamos procurando outra”. E Ana Maria encontrou Kehinde, uma menina que nasceu em Savalu, reino de Daom� – atual Benin –, na �frica, em 1810, e depois foi sequestrada para o Brasil no processo violento do sistema escravista colonial.
 

A narrativa come�a em uma passagem tr�gica na inf�ncia de Kehinde, numa cena dilacerante de estupro e viol�ncia quando a menina perde a m�e e o irm�o. Desde um primeiro momento, o relato revela outras dimens�es da exist�ncia, uma perspectiva de povos africanos.  “Um livro conjurado com o invis�vel que nos habita e nos envolve de maneira espiralar”, escreve Cidinha.

A hist�ria de Kehinde remete � Lu�sa Mahin, m�e do poeta, jornalista e advogado Lu�s Gama, sendo ela uma das hero�nas da Revolta dos Mal�s, movimento liderado por escravizados mul�umaos a favor da aboli��o. A narrativa se baseia em manuscritos que Ana teve acesso, quando viveu na Ilha de Itaparica, na Bahia, 

Quando o livro completou uma d�cada, a editora Record cogitou uma edi��o especial, mas Ana Maria Gon�alves avaliou que n�o era o momento. Essa reedi��o, aos 16 anos, deve-se � import�ncia do numeral para a autora. A decis�o corrobora a exposi��o no MAR dedicada ao livro. “Ana come�ou a olhar para a obra de uma forma um pouco mais visual a partir da curadoria da exposi��o”, afirma L�via.

“Um defeito de cor”
•  Ana Maria Gon�alves
• Edi��o especial, com novo projeto gr�fico, um conto da autora e reprodu��o de obras de Rosana Paulino
• Editora Record
• 968 p�ginas
• R$ 189
 

Entrevista/Ana Maria Gon�alves


“A narrativa j� n�o � mais t�o hegem�nica
branca, mas ainda h� muito a avan�ar”


Voc� conta que o que a motivou ao projeto de escrita foi a constata��o de que era preciso dar mais visibilidade � hist�ria dos mal�s... Encontrou muito material, mas nos revelou uma narrativa hist�rica da escravid�o do s�culo 19. Podemos falar da escravid�o de uma outra �tica. Como voc� avalia a forma como a escravid�o � mostrada nos dias atuais no Brasil? Tivemos avan�os ou retrocessos na maneira p�blica de tratar dessa chaga?
 
O que me motivou, na verdade, foi a minha ignor�ncia sobre a hist�ria do Brasil a partir do ponto de vista dos escravizados. Eu, por exemplo, nunca tinha ouvido falar da rebeli�o mal�. Sim, acredito que tivemos avan�os, que a narrativa j� n�o � mais t�o hegem�nica branca, mas ainda h� muito a avan�ar.

“Um defeito de cor” � um cl�ssico da literatura brasileira. Quase duas d�cadas depois da escrita, qual � o seu sentimento diante do sucesso da obra? 
 
Fico feliz com a recep��o e a proje��o do livro, colaborando com o processo de ajudar a entender a hist�ria do Brasil atrav�s de uma outra perspectiva que n�o a oficializada por um pa�s que tentou esconder os males e as consequ�ncias da escravid�o.

Voc� j� imaginou uma conversa que teria com Jorge Amado sobre o livro? Do que voc�s falariam?
 
Nunca imaginei. Em uma conversa com Jorge Amado, a minha curiosidade seria sobre os livros dele.

Vozes para um cl�ssico

Outros escritores comentam “Um defeito de cor”

“Ana Maria Gon�alves � a escritora contempor�nea que fala mais fundo ao meu cora��o de escritora. Ela segura um espelho grande no qual se admira de corpo inteiro e gosta do que v�. Depois ela segura o mesmo espelho em nossa dire��o, para que nos miremos em nossa beleza e inteireza, para que n�s percebamos refletidas no espelho e nela que o segura. Nossas imagens conversam e se alimentam mutuamente. Ana desempenha esse papel de refletor e de esteio com muita alegria, generosidade e responsabilidade. Assim a vejo.” 

• 
Cidinha da Silva, escritora
 
“Um defeito de cor” � um desses casos raros na historiografia da literatura brasileira. Falo de uma for�a narrativa que certamente ir� perdurar por muitas gera��es. A hist�ria da personagem Kehinde � a hist�ria do Brasil. Do tr�fico negreiro pelo Atl�ntico ao acesso subjetivo das mulheres negras, Ana Maria Gon�alves ergue uma narra��o pungente sobre a funda��o de um pa�s cujas estruturas escravagistas s�o mantidas at� hoje. A inf�ncia, a adolesc�ncia, a vida adulta e a velhice de Kehinde nos revela uma experi�ncia negra nunca antes vista do ponto de vista ficcional. Uma narrativa que se mant�m atual justamente por sua qualidade est�tica e hist�rica. N�o h� d�vidas de que Ana Maria Gon�alves escreveu uma das grandes obras liter�rias do s�culo 21.”

• 
Jeferson Ten�rio, escritor e professor

“Um defeito de cor” � uma obra ic�nica e a nova edi��o � digna da sua relev�ncia na cultura nacional. Tudo � muito delicado e sens�vel. O n�mero elevado de p�ginas torna-se leve, as ilustra��es s�o um ganho extraordin�rio e o texto da Cidinha da Silva ilumina e d� a exata medida do pertencimento. Tudo pura arte, ancestralidade e amor.

• 
Eliana Alves Cruz, escritora e roteirista

“� meu livro definitivo, meu livro preferido, o livro que mais dou de presente, o que eu mais indico. � o melhor livro que li na minha vida. Me abriu uma vis�o n�o s� pol�tica mas emocional da condi��o da exist�ncia negra no nosso pa�s, da chegada e do come�o de uma trajet�ria.” 

• 
L�zaro Ramos, ator, diretor e escritor

“Nesse livro, Ana Maria Gon�alves produz um corte plurissignificativo nos protocolos de representa��o do negro e da negrura na sociedade e na literatura brasileiras.”

• Leda Maria Martins, pesquisadora, ensa�sta e professora aposentada da UFMG


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