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Estado de Minas PENSAR

'Bebida amarga' aborda os conflitos entre pai e filho durante a Ditadura

Posi��es pol�ticas antag�nicas movem os personagens do romance de Jos� Almeida J�nior, ambientado no Brasil do in�cio dos anos 1960


09/12/2022 08:15 - atualizado 09/12/2022 08:19

José Almeida Júnior
Jos� Almeida J�nior, potiguar radicado em Bras�lia, autor de 'Bebida amarga': mistura de fic��o e realidade (foto: Reprodu��o)

Diverg�ncias pol�ticas causam tens�es e brigas entre familiares no Brasil. Apesar de a frase anterior parecer um reflexo do que ocorreu nos �ltimos anos, o escritor Jos� Almeida J�nior voltou mais algumas d�cadas no tempo. No romance “Bebida amarga”, ele apresenta a rela��o conflituosa entre os jornalistas Marcos e Fernando, pai e filho respectivamente, durante os primeiros anos da ent�o rec�m-constru�da capital Bras�lia, em 1960, at� o in�cio da ditadura c�vico-militar de 1964.

Alternando personagens reais e fict�cios, o escritor traz as disputas pol�ticas entre a Uni�o Democr�tica Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), � �poca os principais grupos representantes de ideias conservadoras e progressistas do pa�s, e manifesta��es populares como a Marcha da Fam�lia com Deus pela Liberdade, em S�o Paulo, e com�cio na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no ano do golpe, como pano de fundo para o romance.

Os acontecimentos hist�ricos s�o apresentados a partir da �tica de pai e filho, que t�m vis�es pol�ticas antag�nicas e irreconcili�veis. Enquanto Marcos � comunista e trabalha na ‘�ltima Hora’, peri�dico de vi�s progressista de Samuel Wainer; Fernando � um conservador, que escreve na ‘Tribuna da Imprensa’, jornal liberal do pol�tico udenista Carlos Lacerda. O escritor trabalha os conflitos geracionais e as contradi��es entre discursos e pr�ticas adotadas pelos dois.

“Gosto de trabalhar com o anti-her�i. Acho que � uma heran�a machadiana do personagem mau car�ter, do personagem d�bio”, destaca Jos� Almeida, autor tamb�m do romance “O homem que odiava Machado de Assis” (2019), antes de afirmar que “o mais importante � mostrar essas contradi��es de todos os lados”. 
 
 
No romance, Marcos tamb�m � um av� preocupado com o bem-estar da neta, mas pouco atencioso com a esposa e o filho, al�m de manter um relacionamento extraconjugal com uma colega de trabalho. J� Fernando, muito religioso, est� determinado a conservar o casamento com a esposa, mesmo que a rela��o j� esteja desgastada a ponto de ele n�o ter seguran�a de que votos matrimoniais seguem sendo cumpridos por sua c�njuge. A cria��o e aten��o � filha, Moniquinha, apontada como uma crian�a dif�cil, n�o est�o entre as prioridades dele.

Terror noturno, hiperfoco em coisas que n�o s�o muito associadas ao universo adulto at� casos de automutila��o s�o algumas das situa��es que fazem com que a menina seja classificada como “dif�cil” por adultos. Contudo, � �poca, a falta de diagn�stico fazia com que algumas pessoas autistas passassem a vida sem saber do transtorno do espectro autista.

“Antigamente essas crian�as n�o eram tratadas, n�o eram diagnosticadas. Ent�o era sempre uma crian�a problem�tica. Diziam que aquela pessoa era muito introspectiva, principalmente mulheres assim”, aponta Jos� Almeida J�nior, contando que alguns comportamentos foram inspirados no seu filho, que tamb�m est� no espectro.

A rela��o entre os familiares, assim como o cen�rio pol�tico do pa�s, passa por um processo de desgaste que leva a conflitos e a rupturas. No caso dos matrim�nios, as esposas se desquitam dos c�njuges; enquanto na pol�tica, a democracia d� lugar � ditadura. Nos dois casos, o “gosto amargo” continuar� por muito tempo na boca dos envolvidos – sejam reais ou fict�cios.
 

'�ltima Hora'

Os personagens principais de “Bebida amarga” j� apareceram na obra de Jos� Almeida J�nior. Um de seus romances anteriores, “�ltima Hora”, passado no in�cio dos anos 1950 e vencedor do Pr�mio Sesc de Literatura 2017, abordava o cotidiano do peri�dico de mesmo nome no Rio de Janeiro, criado pelo jornalista Samuel Wainer e que foi bancado por Get�lio Vargas.

Ali, Marcos � apresentado como um jornalista, torturado pela ditadura varguista, que passa a integrar a equipe do jornal passando por quest�es ideol�gicas e morais tanto no emprego, quanto em casa.


“Bebida amarga”
• Jos� Almeida J�nior
• Faro Editorial
• 256 p�ginas
• R$ 54,90

Trechos

“Na reda��o da �ltima Hora, pipocavam boatos de conspira��es por v�rias partes do Brasil. Um grupo de oficiais ligado ao almirante S�lvio Heck se articulava com os governadores de S�o Paulo e da Guanabara. Ademar de Barros tentava atrair o general Amaury Kruel para aderir a um levante iniciado pelas brigadas de rua da pol�cia paulista (...). O golpe, entretanto, come�ou em Juiz de Fora. O general Ol�mpio Mour�o Filho deu in�cio ao deslocamento das tropas em dire��o � Guanabara. A ideia era ocupar o Minist�rio da Guerra e atrair os outros oficiais das For�as Armadas a aderirem ao levante.”

“O pr�prio Fernando deve ter se oferecido para cobrir a campanha de J�nio Quadros. Como eu trabalharia para o marechal Lott, ele precisava se colocar do lado oposto. Como sou rep�rter da �ltima Hora, ele � da Tribuna da Imprensa. Como sou ateu, ele � cat�lico. Sou comunista; ele, liberal. Eu, Flamengo; ele, Fluminense.”
 

Entrevista/Jos� Almeida J�nior

“Quis trabalhar com o conflito de gera��es, mas com polos invertidos”

Leia, a seguir, a entrevista do Pensar com o autor Jos� Almeida J�nior, nascido em Mossor� (RN) e que reside h� mais de 15 anos em Bras�lia, onde trabalha como defensor p�blico.

Quando voc� teve a ideia e o porqu� deste livro?
 
Eu tenho um livro anterior, “�ltima Hora”, que eu trabalhei com dois personagens que era o pai e o filho, Marcos e Fernando, nos anos 50. Eu quis trabalhar com conflitos de gera��es, meio com polos invertidos, o filho adolescente conservador e o pai mais progressista.
 
Era muito do momento que eu estava vivendo ali – escrevi esse livro entre 2015 e 2017. Foi um momento que eu observei de jovens do meu conv�vio que eram muito conservadores. Eu quis trazer um pouco disso para a literatura e quis contar uma hist�ria que se passe ali nos anos pr�-golpe.
 
Eu n�o sabia exatamente qual per�odo, ent�o fui come�ar a pesquisar e, como moro em Bras�lia h� 15 anos, pensava em come�ar por volta de 1961. Pensei em trazer um ano antes, que eu queria abrir o livro com a inaugura��o de Bras�lia. A� eu trouxe o livro para 1960.

Ao longo do livro h� refer�ncias de lugares, acontecimentos hist�ricos e personagens. Como foi o processo de pesquisa?
 
Para cada fato, eu procurei meios espec�ficos. Li muitos jornais que registraram a inaugura��o de Bras�lia. A revista ‘Manchete’ fez muitos especiais e, ali no final dos anos 50, in�cio dos anos 60, era uma revista muito bem diagramada, moderna, com fotos muito bonitas, muito produzidas.
 
Leitura de fotos � uma coisa que eu gosto muito. Tem uma cena, logo no primeiro cap�tulo, que o Fernando entra numa lanchonete Bar e Lanches It�lia. Eu encontrei isso numa foto que tinha ao fundo.
 
Fui pesquisar sobre o que tinha virado o lugar. Consegui contato com um amigo dos donos da lanchonete que me deu detalhes de quem eles eram, de onde vieram. Eles vieram de N�poles para o Brasil, trabalhar em S�o Paulo como ma�tre e gar�om.
 
Essa pequena lanchonete depois virou um restaurante que durou at� 1990, que foi o Kazebre 13 (pizzaria na W3 Sul, avenida no Plano Piloto de Bras�lia). Quis iniciar o livro no Bar e Lanches It�lia e finalizar no Kazebre 13 para fechar o ciclo.

Fernando, filho de Marcos, aparece como a imagem do conservador em contraste com a figura paterna mais progressista. Como voc� v� esse movimento de jovens conservadores atualmente e na �poca que o livro passa?
 
Eu acho uma coisa muito esquisita. Os filhos das minhas irm�s foram completando 20, 25 anos e com ideias muito diferentes das da minha gera��o. Acompanho amigos meus, inclusive nas elei��es agora, e os filhos votaram em Bolsonaro.
 
Mas eu vejo isso como sendo muito c�clico tamb�m. Tem uma gera��o que est� come�ando a votar agora na primeira elei��o, muito politizada, engajada, ligada a movimentos negros, mulheres e feministas, que tamb�m entraram na cena pol�tica. Era um momento em que o conservadorismo estava muito em voga.
 
Tinha a figura do Carlos Lacerda – pol�tico carioca que foi governador do extinto estado da Guanabara (1960-65), membro do partido conservador Uni�o Democr�tica Nacional que fazia oposi��o a Get�lio Vargas. Tem um epis�dio da imagem do Pel� com a Nossa Senhora Aparecida, uma charge, uma brincadeira de futebol, gerou uma rea��o e um aproveitamento pol�tico que envolveu governadores e passeatas. Ocorreu em 1970, mas poderia ter sido nos dias de hoje.


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