
Era uma vez, outra vez, outras vezes. O que somos n�s sen�o a reuni�o de hist�rias, a conjun��o de mem�ria e inventividade? Carregamos nossos ouvidos atentos por saber o final glorioso, e em obras de sempre como A bonequinha preta, de Ala�de Lisboa (a autora que queria ser eterna) e As reina��es de Narizinho, de Monteiro Lobato, iniciamos a jornada pela literatura.
As hist�rias passam pelo livro de papel, chegam ao meio digital, apontando para o mesmo final feliz: o colo do leitor. Colo que come�a no ouvido ou no olhar e termina na interioriza��o, onde est� o crescimento, a percep��o da beleza, a descoberta do outro, a constata��o de suas m�ltiplas possibilidades de estrada. N�o h� crian�a feliz sem um livro por perto.
E quando come�ar? O quanto antes, pois o homem, para Ant�nio C�ndido, precisa fantasiar para viver. Ele n�o existe sem a literatura, entendendo a� desde o folclore at� as lendas transmitidas na oralidade. E se � para nos atentarmos para a literatura produzida para crian�as, n�o a chamemos de literatura infantil, o que soa infantilizada.
A literatura revela para os pequenos leitores o mundo dos significados. Textos liter�rios despertam nas meninas e nos meninos o gosto pela descoberta dos sentidos, amplia a capacidade cognitiva e de cria��o e gest�o do pr�prio universo. Quanto mais cedo come�a essa aventura – Yolanda Reys defende que as leituras se principiem para os beb�s na barriga da m�e – mais natural e consolidada se dar� a identidade de leitor. Assim h� autores e autoras trabalhando essa leitura afetiva no germe da exist�ncia, confiantes na sonoridade das hist�rias como �m� para a prazerosa leitura futura.
"As hist�rias passam pelo livro de papel, chegam ao meio digital, apontando para o mesmo final feliz: o colo do leitor. Colo que come�a no ouvido ou no olhar e termina na interioriza��o, onde est� o crescimento, a percep��o da beleza, a descoberta do outro, a constata��o de suas m�ltiplas possibilidades de estrada."
Leida Reis, autora de livros infantis
Se Monteiro Lobato praticamente criou a literatura infantojuvenil brasileira, s�o in�meros os seus seguidores, entre escritores e ilustradores, a tecer o mundo para os pequenos leitores. E quando artistas de fama, a exemplo do ator L�zaro Ramos, optam por tamb�m escrever livros para crian�as, contribuem para essa populariza��o. Caderno sem rimas da Maria, Caderno sem rimas do Jo�o, s�o ambos ilustrados por Maur�cio Negro.
Vem de longe, dos irm�os Grimm (Jacob e Wilhelm), a tradu��o de hist�rias adultas contidas em manuscritos medievais a que os dois bibliotec�rios tiveram acesso, ou tradi��es orais folcl�ricas, cantigas de ninar, cantigas de roda, a origem da literatura para crian�as e jovens. Ao abstra�rem e camuflar elementos er�ticos dos contos, ofereceram tramas de suspense e amor, eternizando hist�rias que ora caem na discuss�o do politicamente correto, ora s�o revisitadas por autores e ilustradores como contribui��o ao entretenimento. Antes deles, La Fontaine e Charles Perrault focavam nos contos de fadas, e Hans Christian Andersen ganhava prest�gio evocando todos os superpoderes da fantasia.
Uma literatura que briga para n�o ser considerada “menor” oferece textos primorosos, como O menino maluquinho, de Ziraldo, ou A bolsa amarela, de Lygia Bojunga. De A arca de No�, de Vin�cius de Morais, a Bisa Bia Bisa Bel, de Ana Maria Machado, passando pelas dezenas de t�tulos de Ruth Rocha, a exemplo de Marcelo, marmelo, martelo, e Pedro Bandeira, com A droga da obedi�ncia. Ou, como n�o lembrar Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado?
E de onde saem os textos para o p�blico infantil? Desde a imagina��o fantasmag�rica dos contos de fadas at� as viv�ncias dos autores. N�o h� limites para a cria��o.
Em 2008, o ano em que o fabuloso O filho eterno, de Crist�v�o Tezza, ganhava todos os pr�mios liter�rios no Brasil, o “livro do ano” do Pr�mio Jabuti era uma obra infantojuvenil: O menino que vendia palavras, de Ign�cio Loyola de Brand�o. E por qu�? Porque o autor colocou o menino que ele foi e que permaneceu nele, o menino que ia descobrindo palavras “dif�ceis”, novas ao vocabul�rio da sua turma de escola, e as vendia ou trocava por objetos do desejo, como a figurinha rara do �lbum ou bolinhas de gude.
Da mesma forma, a experi�ncia de Marina Colassanti com o pombo na sua janela resultou em Breve hist�ria de um pequeno amor, vencedor do Jabuti, tamb�m em “livro do ano”, em 2014. A menina Stella Maris, em A mocinha do Mercado Central, Jabuti de livro infantil, � outro relato pessoal transformado em livro premiado e altamente indicado.
Ent�o, se o autor � capaz de resgatar a crian�a que foi e traz�-la � tona na arte dedicada aos leitores do hoje, eis uma f�rmula que lembra a melodia: “H� um menino, h� um moleque/orando sempre no meu cora��o/toda vez que o adulto balan�a/ele vem para me dar a m�o”, de Fernando Brant e Milton Nascimento.
Cabe, ent�o, a pergunta, de como a crian�a recebe esse livro. Seja em casa, endere�o ideal para o primeiro contato com a literatura, seja na escola, ampliando seus projetos de leitura e escrita, ela est� aberta � experi�ncia liter�ria. Que ningu�m duvide disso: a crian�a quer o livro.
Ilan Brenman relata uma experi�ncia em escola, quando narrava hist�rias e depois deixava os livros com as crian�as, saindo da sala. Ao olhar para tr�s, o que ele via era os estudantes abrindo os livros, buscando os relatos e as imagens do que tinham acabado de receber do contador de hist�rias. O mergulho na literatura sem assombro, mas com certezas de prazer e descoberta.
Valoriza��o dos ilustradores
E, sim, a hist�ria est� tamb�m na imagem. H� tempos as premia��es v�m valorizando o livro no qual o ilustrador exerce a coautoria. Nomes como Marilda Castanha, Nelson Cruz, Odilon Morais, Roger Melo, �ngela Lago e tantos outros colocam a imagem como po�tica e tamb�m narrativa fundamental. A genialidade dos ilustradores, ao ponto de um livro para crian�as n�o conter palavras, mostra que o que interessa � oferecer uma narrativa, contar uma hist�ria, seja em que linguagem for.
Desde o tempo da cole��o Vaga-Lume estamos todos, crian�as que somos, atr�s dessa sensa��o que a literatura n�o nos nega, a de que h� mundos outros em que cabem nossos sonhos. Se existe o teatro, se existe a m�sica, se existe o cinema tamb�m a nos embalar, mora no livro, somente no livro, a maior abertura para a imagina��o. Nele, os cen�rios, o ritmo, os efeitos especiais s�o somente do leitor. Ali ele exerce sua maior liberdade, e as crian�as s�o livres.
Herve Tullet, com seus mais de 80 livros sonoros, cumpre seu papel nesse ber�o da literatura, e obras cl�ssicas, recontadas em forma de cordel, de versos e de quadrinhos, complementam o campo riqu�ssimo oferecido �s crian�as e aos adolescentes.
E o mercado, como anda? Clubes de livros voltaram com for�a, oferecendo a curadoria de t�tulos aos pais com pouco tempo ou mesmo desinteresse por escolher o que os filhos v�o ler. O Clube do Livro Infantil Solid�rio (clis.com.br) � uma tentativa de impedir a baixa frequ�ncia da literatura em abrigos e creches.
As compras governamentais j� n�o s�o t�o volumosas, mas os eventos liter�rios, a exemplo do que foi o Sal�o do Livro Infantil e Juvenil de Minas, promovido pela C�mara Mineira do Livro, em setembro deste ano, e da iniciante Feira Curupira, al�m do espa�o infantil previsto na Bienal Mineira do Livro 2020, refor�am a for�a dessa produ��o.
Que editoras com Abacatte, L�, Aletria, Miguilin, Eis, Uni-Duni, Crivinho, MRN, P�ginas, Impress�es de Minas – para ficar nas mineiras – e tantas outras persistam no caminho do livro para esse p�blico, �vido pela vida que s� se encontra nos livros.