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Estado de Minas PENSAR

Poeta mineiro Ricardo Aleixo recria mem�rias em dois novos livros

Um dos convidados da pr�xima edi��o da Flip, o artista lan�a 'Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite - Vidapoesia' e 'Campo Alegre'


18/11/2022 04:00 - atualizado 18/11/2022 01:25

Ricardo Aleixo com a mão no chapéu
Ricardo Aleixo sobre a escrita simult�nea de "Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite" e "Campo Alegre": "Dois livros maninhos" (foto: divulga��o)

O artista interm�dia e pesquisador de literaturas, outras artes e m�dias Ricardo Aleixo se apresenta ao mundo a partir da poesia. A dedica��o �s dimens�es verbal, vocal e visual das palavras mostra como elas s�o constituintes da obra do artista. No entanto, no que ele chama de “invers�o de prioridades”, Aleixo assumiu, em 2022, a tarefa de dedicar-se � prosa, lan�ando-se na escrita simult�nea de dois livros que chegam �s livrarias nas pr�ximas semanas: “Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite – Vidapoesia” (Todavia) e “Campo Alegre” (Editora Conceito), o 37º da cole��o “BH: A cidade de cada um”, que ser� lan�ado em 10 de dezembro, �s 11h, na Outlet do Livro. Tamb�m haver� lan�amento das duas obras na Festa Liter�ria Internacional de Paraty (Flip), da qual Ricardo Aleixo � convidado para o painel “O corpo de imagens”, no dia 24, �s 19h, na cidade fluminense.
 
Em uma temporada vivendo na cidade do Rio de Janeiro, Ricardo Aleixo recuperou a rotina de escrita que se d� a partir das mem�rias. A prosa demonstra que a poesia n�o s� constitui a base da obra do escritor, como � fundamental para a forma��o dele pr�prio como sujeito. O neologismo ‘vidapoesia’ d� conta da palavra como a conflu�ncia da linguagem e da exist�ncia do artista.

As obras s�o carinhosamente chamadas por Aleixo de “livros maninhos”, e nasceram mesmo de forma fraternal. “Por vezes, eu acordava de madrugada ou muito cedo, escrevia tr�s, quatro, cinco laudas, �s vezes oito, e ficava sem saber para qual livro era. Entrei em momentos de bastante d�vida: isso fica melhor no ‘Campo Alegre’ ou melhor no ‘Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite’. Era curioso porque eu dizia para as pessoas que eu estava escrevendo um livro de mem�rias e um livro sobre o Campo Alegre, at� que me dei conta de que estava escrevendo dois livros de mem�rias”, disse ao Pensar acerca da tarefa de escrever dois livros ao mesmo tempo. 

Campo Alegre, bairro da Zona Norte de Belo Horizonte, � o lugar do qual Aleixo olha para o mundo, em movimentos de sa�da e retorno �quele territ�rio, de modo que as hist�rias do lugar e as lembran�as do poeta se fundem. “S�o mem�rias do bairro, as minhas  mem�rias e as minhas mem�rias no bairro”, define.

Apesar de terem como substrato comum a trajet�ria de Ricardo Aleixo, os dois livros se diferem na forma, embora preservem ambos o estilo experimental da linguagem. Em “So- nhei com o anjo da guarda”, os textos assu- mem um car�ter mais ensa�stico, em que o autor revela os caminhos art�sticos que tri- lhou, com passagens que permitem saber de onde nasce o interesse pela poesia, e prop�e reflex�es sobre o fazer art�stico. 

Uma das passagens saborosas � quando conta que a paix�o pela poesia foi despertada por um professor n�o de literatura, como se poderia supor, mas de matem�tica. A narrativa n�o se prende � linearidade, embora o autor recupere momentos vividos na inf�ncia, na juventude e na vida adulta. Aleixo respeita o fluxo da mem�ria, apesar de n�o deixar de lado a rela��o de causalidade dos encontros, leituras e experi�ncias vividas. J� em “Campo Alegre”, os textos v�m na forma de pequenas cr�nicas, entremeadas com entrevistas e com documentos que contam a hist�ria do bairro.    
 
“O texto tem a marca dele. � um texto as- sim, digamos, at� experimental. Ele mistura mem�ria, entrevista, memorando da compra da casa pelo pai, documentos, tem um pouco de poesia. Faz uma mistura que se encaixa no esp�rito da cole��o de falar com afeto de um lugar”, avalia o editor e escritor Jos� Eduardo Gon�alves, idealizador da cole��o “BH. A cida- de de cada um”.

O t�tulo 37 da cole��o n�o foge ao ponto em comum entre todos eles: o afeto ao lugar como linha condutora da escrita. Com isso, Ricardo Aleixo conta a pr�pria hist�ria e da fam�lia, com destaque nobre para a m�e, �ris, o pai, Am�rico, e a irm�, F�tima. Tamb�m reserva boas hist�rias de pessoas ilustres do bairro, como os artistas Paulo Nazareth e Santone Lobato, que ganham cap�tulos pr�prios. 

“Eu inventei o Campo Alegre como Manuel Bandeira inventou Pas�rgada, Jorge Amado cartografa Salvador (...), Luiz Gonzaga redese- nhou o sert�o, Nicolas Behr afirma ter inventado Bras�lia, Manoel de Barros desaprendeu o Pantanal, Wander Piroli recontou a Lagoinha (...)”, escreve o autor em “Campo Alegre”.

Nos �ltimos tempos, Ricardo fica parte do tempo no Rio de Janeiro, e tem realizado viagens pelo Brasil e para o exterior. No entanto, ele sempre retorna ao Campo Alegre, onde est� seu acervo: livros, entrevistas que concedeu, trabalhos que desenvolveu, recortes de jornais e um n�mero de coisas que pesquisou ao longo da vida. “Voc� deve se lembrar do filme ‘Central do Brasil’, em que a personagem da Fernanda Montenegro disse ‘eu guardo muito tudo’”, contou ao Pensar. 

No vasto material, ele guarda com cuidado uma entrevista de p�gina inteira de Rubem Valentim ao jornal O Globo, material que ele retoma para citar trechos em “Sonhei com o anjo da guarda”. “Fiz de palavras como essas a base para o programa criativo que eu ainda n�o tinha condi��es de saber que desenvolveria um dia. Para os meus 21 anos, j� era muita coisa ter com quem — uma p�gina de jornal — conversar sobre arte e vida.”

“Pessoas-muitas”

Em ambos os livros, � poss�vel identificar as “conversas” que Ricardo manteve ao longo da vida com pensadores, artistas, pessoas comuns, e que foram fundamentais para que ele se transformasse na “pessoas-muitas” como costuma se autodefinir. 

Nos dois livros, o escritor tamb�m traz o momento em que perdeu a vis�o de um dos olhos, aos 18 anos. Ele redesenha a pr�pria hist�ria a partir do epis�dio que recria do momento em que um colega de time de futebol acertou uma bolada no olho de Aleixo, danificando para sempre a vista do autor.

“Eu tive o contato, como que em uma vis�o, com esse menino que eu fui. E quando o livro ‘Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite’ j� estava pronto, entendi esse menino virando personagem da literatura brasileira. Era como se eu me descolasse daquilo que eu fui. Eu pude, ao l�-lo como personagem, entender o tamanho do sofrimento dele”.

Ricardo Aleixo revela que caiu numa crise de choro e se despediu daquele menino. No entanto, � percept�vel a escolha pol�tica que o artista faz nos dois livros, de trazer aspectos da realidade mesmo que fossem duros ou tristes, no entanto adotando a perspectiva de quem “venceu”. Os dois livros, portanto, t�m como pano de fundo a obstina��o de um jovem apaixonado pela palavra que se tornou um dos grandes poetas da literatura brasileira.

TRECHOS DO LIVRO

“Campo Alegre”

“O Campo Alegre evocado neste livro � um espafro (um “espa�o afro”), para usar o neologismo criado pelo m�sico Nan� Vasconcelos que citei no roteiro do �udio-ensaio “Milton Nascimento e o Clube da Encruza”, no primeiro epis�dio da s�rie ‘M�sica Negra do Brasil’, produzido por mim e por Nat�lia Alves, a convite da R�dio Batuta, do Instituto Moreira Salles, em maio �ltimo. Se lan�o m�o, ainda uma vez, do voc�bulo criado por Nan� para tentar pensar o bairro onde vivo desde a inf�ncia como um lugar em que a popula��o n�o s� � majoritariamente negra, como, tamb�m, organiza-se com base em modos de viver que atualizam certas concep��es afro-brasileiras acerca da partilha do  espa�o comum, � com o objetivo de falar de uma (inimagin�vel) parte das Geraes – t�o pr�xima de Venda Nova, parada obrigat�ria dos tropeiros a caminho do sert�o, no s�culo 18 – que resiste, na lentid�o dos tempos que se superp�em em sua hist�ria e que, de certo modo, definem o seu “jeito” de ser bairro, � expans�o desmedida do mercado imobili�rio, em sua sanha gentrificadora e vertica- lizante, � a��o do crime organizado e � sua contraparte, a viol�ncia policial, bem como � tend�ncia contempor�nea, mundializada, a ver o outro como amea�a, problema, empecilho, obst�culo a ser  transposto sem mais demora e conversa nenhuma.” 

*

“Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite”

“Engra�ado isso do modo como a gente se refere �s pessoas. Eu sempre chamei �ris de m�e, mas converso com minha irm� e nos referimos � mam�e. Nunca dizemos nossa m�e, jamais minha m�e. N�o consegui, na verdade, nem mesmo tentei cham�-la de voc�. E olhe que n�s �ramos muito camaradas. Ela, folgaz�, me ajudou a me tornar menos virginiano, com tend�ncia a ser, como Am�rico, do tipo reflexivo, quase fechado.

Dan��vamos e cant�vamos muito, mais at� do que convers�vamos. R�amos — como r�amos, ela e eu. De tudo e de nada. At� perto dela morrer, em 2009, eu me sentava em seu colo.

E a beija��o sem fim? E os (auto)elogios? Voc� me puxou nisso, meu filho.
H� tempos, comecei um trabalho novo, inspirado pelo pequeno e singelo acervo que juntei para recordar minha m�e: sua voz gravada, fotos de diversas �pocas, o v�deo de uma conversa dela com Am�rico e com o meu saudoso amigo Jos� Maria Can�ado, escritor e jornalista, e o caderno em que ela conta sua hist�ria desde os av�s maternos e paternos at� o meu nascimento.” 

Capa do livro 'Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite'

“Sonhei com o anjo da guarda o resto da noite”
• Ricardo Aleixo
• Todavia
• 160 p�ginas 
• R$ 59

“Campo Alegre”
• Ricardo Aleixo
• Cole��o “BH. A cidade de cada um”
• Editora Conceito
• R$ 40
• Lan�amento em 10/12, �s 11h, na Outlet do Livro (Savassi)


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