
Lan�ado no in�cio de agosto, o novo romance da paulistana Timerman j� vendeu seis mil exemplares. O lan�amento presencial em Belo Horizonte ser� na pr�xima quinta-feira, 14 de setembro, �s 19h, na Livraria da Rua (Rua Ant�nio de Albuquerque, 913). A rodada de aut�grafos vai ser precedida de um bate-papo entre a autora e o escritor, ensa�sta e tradutor Jacques Fux, autor de “Heran�a” (Maralto), entre outras tem�ticas que abordam a ancestralidade.
Leia, a seguir, a entrevista de Natalia Timerman ao Pensar do Estado de Minas.
Como foi transformar o luto em letras? Em que momento surgiu a ideia do livro?
A ideia do livro surgiu enquanto eu tomava banho, que � um momento, pra mim, em que as ideias fluem. E me veio o �mpeto de ligar para o m�dico de cuidados paliativos do meu pai (que morreu em 2019), com quem eu falava com muita frequ�ncia naqueles �ltimos tempos.
Eu pensei: que sentimento estranho, o paciente n�o existe mais. Ent�o percebi que a� havia a semente de uma hist�ria. E justamente o segundo par�grafo do livro j� descreve essa vontade de falar com o m�dico de cuidados paliativos do meu pai. N�o havia mais nada a fazer depois da morte dele, mas o que eu poderia fazer era escrever.
� assim que eu lido com as coisas que acontecem comigo. Eu n�o escrevo para elaborar, n�o h� uma inten��o terap�utica para a minha escrita, escrevi porque precisava escrever. E a partir dessa porta de entrada, esse encontro hipot�tico com o m�dico, eu organizei toda a estrutura de uma hist�ria que na maior parte havia acontecido comigo. Mas como eu ia colocar isso dentro de um livro? Foi a� que entrou a parte ficcional, para sustentar a verdade da hist�ria que eu tinha vivido.
Embora para voc� a escrita n�o tenha esse prop�sito de elabora��o, a literatura ajuda a elaborar a morte?
Durante os �ltimos dias de vida do meu pai e at� depois, escrevendo o livro, eu li muito, e n�o foi teoria, era literatura. No hospital, ent�o, s� conseguia ler “Morreste-me”, do Jos� Lu�s Peixoto.
Depois li alguns livros que falavam de luto, ao mesmo tempo em que era uma pesquisa para o meu livro, estava tamb�m cuidando do meu luto, lendo sobre pessoas que passaram por experi�ncias de dor, de perda. Na verdade, eu me dizia: “� uma pesquisa para o livro”. Mas � tamb�m um jeito de elaborar, era s� o que eu conseguia ler na �poca.
E por mais que a minha inten��o n�o fosse essa, com certeza o livro causou o efeito inadvertido de uma elabora��o, organiza��o, dessa experi�ncia do luto. O luto n�o � linear, n�o segue um roteiro, n�o segue um script, ele vai e volta. Tem momentos e, que acredito que estou melhor, e de repente, a dor vem de novo.
A escrita � parte disso tamb�m, ainda que a pr�pria escrita tenha mexido, tenha revolvido essa dor, pois enquanto escrevia o livro, voltei a sonhar que o meu pai morria.
O seu livro se inicia com a imin�ncia da morte e, perto do final, h� a recria��o de um nascimento, num dos momentos mais fortes da narrativa. A invers�o do ciclo foi proposital?
Sim, a estrutura do livro me veio de fato, eu queria que fosse do luto ao nascimento. S�o tr�s partes. A primeira parte � o luto, principalmente o luto judaico.
A segunda parte � a proximidade da morte, e nessa segunda parte h� um cruzamento narrativo, s�o duas viagens, uma que vai e outra que volta. E a terceira parte do livro � a pr�pria viagem, que vai em dire��o ao nascimento, � vida. Eu j� sabia que o livro iria terminar com essa cena do nascimento.
Eu queria que fosse do luto ao nascimento. Agora n�o sei se � uma invers�o, porque � um ciclo, acho que � s� um seguimento desse ciclo, um jeito de ver.
Como se sente hoje em rela��o � morte do seu pai?
A saudade sempre vem. O luto tanto passa, quanto n�o, ele se transforma. N�o d�i tanto mais, n�o aperta tanto, mas sinto muita saudade. Inclusive, na publica��o do livro, me deu muita vontade de falar com meu pai, de mostrar para ele: “Olha o que eu fiz, pai!” Eu queria muito falar com ele, mas essa vontade n�o era uma dor, era mais uma perplexidade: a falta dele, me fez fazer algo que aumentou a falta dele, mas ao mesmo tempo n�o. Ent�o h� uma ambival�ncia a�.
Qual foi a rea��o de sua fam�lia ao ler o livro?
A maioria das pessoas gostou muito. Algumas pessoas sentiram que era a minha vers�o. Inclusive a Marta, que � personagem importante do livro, adorou, ao mesmo tempo em que disse: “Nossa, Nat, essa � a sua vers�o, eu vejo o que aconteceu de um jeito diferente”. E com certeza � a minha vers�o. Cada um s� pode escrever a sua vers�o. Ela fez essa constata��o e adorou o livro, comprou muitos exemplares para dar de presente.
Ao mesmo tempo em que voc� tem forma��o m�dica � psiquiatra, fez o mestrado em psicologia e o doutorado em literatura. Como se d� essa intera��o entre a pr�tica m�dica e a literatura?
Para mim, tem uma liga��o grande entre as duas atividades. S�o duas atividades hermen�uticas, primordialmente. A escuta cl�nica tem algo de hermen�utica e a literatura tamb�m. S� que n�o posso impor essa liga��o aos pacientes.
� algo que me serve: a literatura e a psiquiatria. Uma ilumina a outra. Se fosse colocar numa grada��o, acho que a literatura iria me ajudar mais com a psiquiatria do que a psiquiatria com a literatura. Agora, o prop�sito das duas pr�ticas � muito diferente. Na psiquiatria, na medicina, o prop�sito � ajudar a pessoa, fazer diagn�stico, estabelecer um tratamento.
E a literatura n�o. A literatura talvez n�o tenha um prop�sito definido, e talvez consiga chegar a lugares em que a psiquiatria n�o chega, porque a vida n�o tem um prop�sito. Ent�o, talvez por conta disso, a literatura consiga ir mais longe, consiga ser mais verdadeira, consigo chegar a lugres que n�o conhe�o, que de outras formas n�o conseguiria chegar.
Mas n�o � para nada, com um prop�sito, porque nesse mundo de utilitarismo nosso, se a gente encara a literatura tamb�m com esse utilitarismo, ela perde o vigor, ela perde a sua pot�ncia de ser in�til, de n�o servir para nada. De enfim, de ser um alento nessa nossa busca incessante de sentido, nessa nossa exist�ncia sem sentido.
Sobre essa quest�o existencial, a sua forma��o � mais materialista ou est� mais vinculada a algum sistema de cren�as de caracter�stica mais religiosa?
No livro at� falo um pouco disso, o quanto a religi�o me amparou, mas que eu me senti religada nesse sentido religioso, n�o a Deus, mas aos meus ancestrais, � minha hist�ria, � hist�ria de minha fam�lia, �s pessoas que vieram antes de mim, � humanidade, digamos assim.
Talvez a minha religi�o, no sentido de religa��o, seja a literatura. � issoo que sei fazer, � talvez o que eu mais goste de fazer, ou seja, escrever, ler, estar na literatura. Agora, se acredito em Deus ou se tenho f�, isso varia, n�o consigo me apegar a uma resposta fixa, �s vezes sim, �s vezes n�o.
O que voc� mais admira em Annie Ernaux (escritora francesa, vencedora do Nobel de Literatura, autora de livros como “Os anos”) e outras escritoras que entrela�am hist�rias pessoais e coletivas? Esse tamb�m � o seu objetivo?
A Annie Ernaux me inspira quando diz que vive o que usa para a experi�ncia, a servi�o da escrita, que ela vive para escrever, e tem a escrita como forma de apreens�o da vida.
E essa coragem de fazer isso de um jeito muito sincero e verdadeiro, e tamb�m muito sofisticado, elaborado literariamente. Eu tamb�m adoro a Rachel Cusk. Sobre luto, gosto da Noemi Jaffe, que escreveu “Lili, novela de um luto”. Usando a pr�pria vida como tem�tica, a Carolina Maria de Jesus.

“As pequenas chances”
• Natalia Timerman
• Editora Todavia
• 208 p�ginas
• R$ 69,90 (livro)
• R$ 44,90 (e-book)
• Lan�amento: 14 de setembro, 19h, na Livraria da Rua Ant�nio de Albuquerque, 313, Savassi