
Stefania Chiarelli
Especial para o EM
O dia 20 de setembro de 2019 foi a data da morte do pai de Emmanuelle Lambert. Em “O garoto do meu pai” (Aut�ntica Contempor�nea), a escritora francesa narra, em primeira pessoa, os �ltimos cinco dias de vida na companhia paterna. Acompanhamos a rotina hospitalar, visitas m�dicas, uso de rem�dios paliativos, decis�es sobre os rumos do tratamento do c�ncer. Em paralelo, o retrato de um homem intenso, amoroso, por vezes, brutal.
O tema n�o � novo; a experi�ncia, vivenciada por muitos de n�s. A narrativa evita a l�grima f�cil, mas emociona ao visitar de modo �nico as mem�rias familiares. Nesse quesito, vale destacar a tradu��o de Adriana Lisboa, que no ensaio autobiogr�fico “Todo o tempo que existe” (2022) tamb�m trata da morte dos pais, e constr�i com Lambert quase uma partitura a quatro m�os, lembrando a forma��o musical de ambas, para sorte dos leitores brasileiros. O resultado � um texto de rara beleza, que conquista aos poucos, sem alarde.
Na trama, presente e passado se entrela�am. A cronometria do tempo de dentro � outra, e nesse jogo a narradora expande sequ�ncias, como na recorda��o das in�meras cenas de leitura paternas, para quem a atividade era vital.

O estrato autobiogr�fico interessa � autora, cuja fotografia infantil est� estampada no livro e se desloca para a capa, transformada em desenho e sinalizando que sim, partimos da esfera do vivido, mas ela s� tem relev�ncia quando transfigurada pela linguagem. Apesar de compor um relato memorialista, os verbos no passado aparecem com pouca frequ�ncia no texto. Dizer “ele era” � imobilizar algo que permanece vivo e pulsante no presente.
Em “O garoto do meu pai” est� ausente o desejo de construir uma hist�ria reparadora, mirando a reden��o. Lambert escolhe olhar incertezas, heran�as confusas, “filia��es cheias de buracos”: um luto tamb�m deve ser gestado e parido, sugere. Para dizer, ao fim dessa jornada tr�pega, que vai ficar tudo bem.
Stefania Chiarelli � professora e pesquisadora de literatura brasileira na UFF. Publicou, entre outros, “Partilhar a l�ngua – leituras do contempor�neo” (7Letras, 2022)