
“Sou apenas uma mulher. E, como mulher, n�o tenho como ganhar dinheiro, n�o o suficiente para sustentar minha fam�lia. Mesmo se eu tivesse meu pr�prio dinheiro, o que n�o tenho, ele pertenceria ao meu marido no minuto em que nos cas�ssemos. Se tiv�ssemos filhos, pertenceria a ele, n�o a mim. Portanto, n�o me diga que o casamento n�o � um acordo econ�mico, porque �.”
� com uma boa dose de pragmatismo – e tamb�m de amargura – que Amy March (Florence Pugh) discorre sobre sua situa��o e a de outras mulheres como ela. Neste in�cio de 2020, tal discurso pode incomodar muita gente. Mas Amy n�o � um personagem de agora – viveu na segunda metade do s�culo 19. � uma das quatro irm�s March, as protagonistas de Ador�veis mulheres, filme de Greta Gerwig que chega nesta quinta-feira (9) aos cinemas brasileiros.
Dependendo da gera��o a que se perten�a, a hist�ria das March pode ser reconhecida como Mulherzinhas ou pelo t�tulo original em ingl�s, Little women. O romance de fundo biogr�fico de Louisa May Alcott (1832-1888), ambientado durante a Guerra Civil americana (1861-1865), � um cl�ssico da literatura de forma��o. J� foi traduzido para 55 l�nguas e teve in�meras adapta��es para o teatro, televis�o, �pera, anime.
Mas o cinema � o seu principal palco. Desde 1917, teve v�rias vers�es, algumas com estrelas de suas �pocas – George Cukor dirigiu a hist�ria em 1933, com Katharine Hepburn; Elizabeth Taylor viveu Amy em um filme de 1949; Winona Ryder, Kirsten Dunst, Claire Danes, Christian Bale e Susan Sarandon estiveram na vers�o de 1994, um sucesso de p�blico.
Uma das diretoras e atrizes mais celebradas de sua gera��o – � autora de Lady Bird: A hora de voar (2017) – Gerwig, apaixonada pela obra de Alcott, se pautou muito pelo livro. Sua adapta��o, no entanto, abusa das t�cnicas narrativas. E � essa constru��o fora do �bvio, junto a um elenco estelar e impec�vel, que d� for�a ao longa. Ador�veis mulheres vem marcando presen�a nesta temporada de pr�mios – teve duas indica��es ao Globo de Ouro, cinco ao Bafta, foi inclu�do na lista do Sindicato dos Produtores e Sindicato dos Roteiristas e deve estar na do Oscar, cujo an�ncio ser� feito na pr�xima segunda-feira (13).
GUERRA
Para quem est� chegando agora, Ador�veis mulheres conta a hist�ria de quatro jovens irm�s que vivem com a m�e no interior de Massachusetts. Como o pai est� na guerra, elas, com pouco dinheiro, t�m que se virar. Meg (Emma Watson), a mais velha, � tamb�m a mais tradicional – acredita no casamento e na cria��o dos filhos, mas porque assim o deseja, e n�o por causa de conven��es sociais. Jo (Saoirse Ronan), a protagonista, tem uma trajet�ria muito pr�xima da de Louisa May Alcott. Sonha em ser uma grande escritora (e � com seus escritos e aulas que sustenta a fam�lia), � feminista e n�o planeja se casar.
Beth (Eliza Scanlen), a fr�gil e d�cil March, � o elo entre as irm�s, quando os �nimos se acirram. E Amy, a ca�ula, � vaidosa, sonha alto, pois quer ser uma grande pintora, mas se resigna com sua falta de talento. Entre elas circulam a m�e, Marmee (Laura Dern), que vive para ajudar os outros, por vezes em detrimento de suas pr�prias vontades, e a tia March (Meryl Streep), mulher irasc�vel, que vive � sua pr�pria maneira, pois, com muito dinheiro, nunca dependeu de ningu�m.
Os homens, sempre coadjuvantes, s�o fracos. H� o doce Laurie (Timoth�e Chalamet), o estere�tipo do bon vivant com boas inten��es, e o indeciso Friedrich Bhaer, papel do franc�s Louis Garrel, aqui ador�vel com sotaque alem�o. O casamento – ou a falta dele – � o que sela o destino das mulheres daquela �poca. Mas Ador�veis mulheres coloca suas jovens protagonistas como donas de seus destinos – o casamento, aqui, ser� apenas consequ�ncia de uma busca pelo pr�prio lugar no mundo. “Voc� vai se entediar dele em dois anos e n�s seremos interessantes para sempre”, afirma Jo para a irm� Meg, no dia do casamento dela.
� a March escritora quem detona a narrativa. Saoirse Ronan desfila leveza e naturalidade na determina��o de Jo em fazer algo da pr�pria vida. No in�cio da trama, ela vive sozinha em Nova York, sustentando-se com contos para jornais e dando aulas. Repentinamente, a narrativa vai para o passado, sete anos antes dos acontecimentos atuais. Com uma narrativa fragmentada, Greta Gerwig constr�i o filme com duas linhas temporais. Em determinado momento, a diretora utiliza at� mesmo a metalinguagem, colocando seus personagens falando para a c�mera.
Com uma hist�ria bem-amarrada, s� resta ao espectador se deliciar com o desfile de interpreta��es. Os acontecimentos v�o se sucedendo e, a despeito das tristezas – estamos falando de falta de dinheiro, de direitos, de tempos de guerra –, o filme nunca resvala no melodrama. Com uma roupagem atual, Ador�veis mulheres conquista pela engenhosidade, mesmo se tratando de uma hist�ria j� contada tantas vezes.