

Os �ltimos anos, campanhas como #MeTo, contra o ass�dio sexual, e #OscarsSoWhite, que questionava a falta de representatividade racial na premia��o, deixaram a Academia de Artes e Ci�ncias Cinematogr�ficas de Hollywood mais atenta e criteriosa em rela��o � sua grande celebra��o, cuja 92ª edi��o ser� realizada neste domingo (9).
Mais do que um desfile de celebridades em looks car�ssimos e a entrega de trof�us criados para retroalimentar uma ind�stria bilion�ria, o Oscar passou a ser tamb�m uma vitrine para a promo��o de pautas identit�rias e causas diversas, com os pr�prios artistas como garotos-propaganda. O Oscar 2020 n�o fugir� a essa nova regras, mas algumas grandes decep��es j� despontam no cen�rio, antes mesmo de a festa come�ar.
Uma das mudan�as recentes tem impacto direto na din�mica da cerim�nia. Pelo segundo ano seguido, n�o haver� uma pessoa respons�vel pela apresenta��o. O motivo � claro: fugir de pol�micas que possam afastar a audi�ncia. Em 2019, o comediante Kevin Hart ocuparia o lugar de mestre de cerim�nias do Oscar. Bastou seu nome ser anunciado para as redes sociais se encheram de protestos. O motivo foram piadas de teor homof�bico feitas por ele no passado e resgatadas pelos internautas.
''�s vezes, precisamos ser mais respons�veis e fazer mudan�as e sacrif�cios nas nossas vidas. N�o precisamos usar jatinhos sempre que formos a Palm Springs''
Joaquin Phoenix, ator
Envolvido pela onda de rejei��o, Hart desistiu de apresentar o Oscar e, com isso, realizar um sonho, como deixou claro. Com dificuldades para encontrar um substituto que fosse imune a acusa��es, a Academia tomou a arriscada decis�o de realizar o Oscar sem um apresentador – v�rios artistas convidados se revezaram na fun��o de apresentar os concorrentes e anunciar os vencedores. Como o resultado n�o foi o desastre que muitos anteciparam e chegou a arrancar elogios de cr�ticos de TV, o formato foi mantido para este ano.
Neste 2020, at� nos bastidores o glamour est� engajado. A exemplo do que ocorreu no jantar oferecido durante o Globo de Ouro, no �ltimo dia 5, o menu do almo�o anual dos indicados e dos petiscos servidos durante a cerim�nia ser� inteiramente vegetariano. No luxuoso Governors Ball, jantar servido ap�s a gala, o card�pio ser� 70% vegano e o restante dividido entre op��es vegetarianas, incluindo queijo e ovo, e pratos com carne. Garrafas de pl�stico tamb�m est�o exclu�das. Muita pompa, mas sem abrir m�o de uma consci�ncia ambiental alinhada ao discurso de v�rios dos artistas indicados, que s�o ativistas em prol do meio ambiente, a exemplo de Leonardo DiCaprio.
CORINGA
Depois de finalmente ter vencido o Oscar em 2016, em sua quinta indica��o, por O regresso, de Alejandro Gonz�lez I��rritu, DiCaprio concorre novamente a melhor ator por seu papel em Era uma vez em… Hollywood, de Quentin Tarantino. Mas o favorito desta vez � Joaquin Phoenix, com seu Coringa. Se Phoenix de fato conquistar sua primeira estatueta – em sua quarta indica��o –, a plateia deve se preparar para um discurso de agradecimento recheado de farpas.
Ao menos foi isso o que ocorreu nas duas premia��es importantes que o int�rprete do Coringa venceu nesta temporada, o Globo de Ouro e o Bafta. No pr�mio da Associa��o de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood, Phoenix, que � vegano, agradeceu a institui��o pelo menu sem carne, com um “obrigado por reconhecer a conex�o entre a pecu�ria e as mudan�as clim�ticas”.
Em seguida, subiu o tom, apontando para a proverbial hipocrisia de Hollywood. Depois de citar os diversos discursos da noite que mencionaram graves problemas, como os inc�ndios que consumiam a Austr�lia, e expressavam desejos de mudan�a, ele disparou: “Espero que possamos agir juntos e fazer mudan�as reais. � �timo votar (Michelle Williams havia feito uma convoca��o pela participa��o na pr�xima elei��o americana), mas, �s vezes, precisamos ser mais respons�veis e fazer mudan�as e sacrif�cios nas nossas vidas. N�o precisamos usar jatinhos sempre que formos a Palm Springs (onde havia ocorrido uma premia��o de cinema no fim de semana anterior)”.
Como um modo de literalmente vestir a sua causa, Phoenix anunciou que usaria o mesmo smoking durante toda a temporada de premia��o. � uma forma de incentivar que as pessoas evitem o consumo desnecess�rio, com seu conseguente esgotamento dos recursos do planeta. O smoking de Phoenix � da grife Stella McCartney, que foi ao Twitter parabenizar o ator pela atitude e se disse “orgulhosa de unir for�as” com ele nas “escolhas pelo futuro do planeta”. O epis�dio n�o passou sem cr�ticas nas redes sociais de quem viu na atitude um ind�cio de que ambos est�o t�o fora da realidade quanto o restante de Hollywood que Phoenix n�o se intimida em criticar.
Por�m, no Bafta, o pr�mio do cinema brit�nico que anunciou seus vencedores no �ltimo domingo (2), Phoenix voltou � carga. Premiado como melhor ator, ele criticou a aus�ncia de concorrentes negros, trazendo para o centro da cerim�nia uma discuss�o que estava em torno dela desde o an�ncio dos indicados.
O ator se disse “honrado” com seu trof�u, mas tamb�m “em conflito”, por entender que � “privilegiado” e que muitos de seus colegas atores “eram igualmente merecedores, mas n�o tinham esse mesmo privil�gio”. Com afirma��es enf�ticas, ele reconheceu a exist�ncia de um “racismo sist�mico” na ind�stria audiovisual e se disse envergonhado por saber que � “parte do problema”. Dessa vez, a manifesta��o de Phoenix recebeu o apre�o dos usu�rios de redes sociais, com muitos apontando aquele como o mais relevante momento da noite.
Se valeu para o Bafta, a bronca de Phoenix cabe perfeitamente no Oscar. O baixo n�mero de artistas negros entre os indicados � um problema que a Academia tem tido dificuldades em contornar. Neste ano, n�o ser� diferente. Nas categorias masculinas e femininas de atua��o individual, todos os atores s�o brancos. Entre as atrizes, a �nica negra � a inglesa de pais nigerianos Cynthia Erivo, que concorre pelo papel principal na cinebiografia Harriet, em que interpreta a escrava Harriet Tubman, que se tornou l�der abolicionista.
CAD� LUPITA?
A lista de 2020 se tornou especialmente inc�moda por excluir, por exemplo, Lupita Nyong'o, muito elogiada pelo papel duplo que desempenha no suspense N�s, de Jordan Peele. Muitos internautas e cr�ticos protestaram, lembrando que a �nica indica��o at� hoje de Lupita foi em 2014, por 12 anos de escravid�o, no qual ela interpreta uma escrava. Na ocasi�o, Lupita venceu como melhor atriz coadjuvante. A categoria de dire��o foi inteiramente dominada por homens brancos, o que causou duplo inc�modo – a aus�ncia de mulheres levanta a quest�o da desigualdade de g�nero.
Apesar de tantos protestos recentes por equipara��o salarial, oportunidades igualit�rias entre os g�neros e maior valoriza��o do trabalho das cineastas, o fato de a lista de indicados n�o incluir nenhuma mulher foi visto como um ultraje e gerou a campanha de protesto #OscarsSoMale (#OscarT�oMasculino). E isso n�o ocorreu por falta filmes not�veis dirigidos por elas. Entre os que aparecem com indica��es nas categorias de roteiro, atua��o e melhor filme, tr�s foram dirigidos por mulheres: Ador�veis mulheres (Greta Gerwig), Harriet (Kasi Lemmons) e Um lindo dia na vizinhan�a (Marielle Heller).
“� preocupante, mas n�o surpreendente, que as diretoras ainda n�o recebam o respeito e as recompensas que recebem os diretores”, diz Melissa Silverstein, fundadora do site Women and Hollywood e diretora do festival de cinema de Athena. “O problema � o sistema e a cultura”, afirma.
CLUBE DE GAROTOS
“N�o h� d�vida de que existe um vi�s sistem�tico ligado ao g�nero na ind�stria cinematogr�fica”, avalia Sasha Stone, fundadora do site Daily Awards, que acompanha os pr�mios cinematogr�ficos h� 20 anos. Ela aponta em particular para o ramo de diretores da Academia – os �nicos que votam em sua categoria no Oscar – “que sempre foi um clube de garotos”. Ela afirma que, “durante d�cadas, seus membros foram os indicados ao Oscar e os que venceram”.
O progresso � lento, mas as coisas mudaram desde que a Academia decidiu, em 2016, expandir o ingresso de seus novos membros para responder �s cr�ticas sobre a baixa representa��o de mulheres e minorias. Ainda hoje s�o 68% homens e 84% brancos, insistem seus cr�ticos, mas, pela primeira vez na hist�ria, as mulheres foram respons�veis por metade dos novos membros integrados em 2019.
E, acima de tudo, apesar da not�vel aus�ncia feminina na disputa por melhor dire��o, as mulheres nunca estiveram mais presentes nas indica��es ao Oscar: s�o 65 dos 209 candidatos. Greta Gerwig est� na competi��o tanto pelo roteiro adaptado de Ador�veis mulheres como na categoria de melhor filme. Nove dos 24 produtores selecionados s�o mulheres. No terreno do document�rio, h� quatro mulheres assinando a dire��o (ou a codire��o) dos cinco filmes concorrentes.
Alguns dos filmes mais esperados de 2020 tamb�m ser�o dirigidos e/ou produzidos por mulheres, como Mulher Maravilha 1984, Mulan e Vi�va Negra. “Demos grandes passos e devemos seguir em frente: continuar escrevendo, continuar produzindo, continuar fazendo", resume Gerwig. (Com AFP)