'Fa�o m�sica para confrontar', avisa Djonga, ao lan�ar o seu 4� disco
Em 'Hist�rias da minha �rea', rapper denuncia o racismo e a viol�ncia enfrentadas pelas periferias do Brasil. E tamb�m celebra vit�rias de jovens negros como ele e o craque Bruno Henrique, do Flamengo
Lan�ado sexta-feira, 13, �s 18h, Hist�rias da minha �rea, quarto �lbum do rapper Djonga, desbancou o novo coronav�rus e se tornou o assunto mais comentado do Brasil no Twitter naquele momento. Outra prova da grande fase do artista belo-horizontino, que figurou entre os primeiros em v�rias listas de melhores de 2019 com disco anterior, o premiado Ladr�o. Com toda a agenda de shows cancelada por tempo indeterminado devido ao Covid-19, ele diz que n�o ser� “mais prejudicado que ningu�m” pela pandemia. E celebra a viraliza��o positiva das novas m�sicas, em que suas ra�zes surgem marcadas com ainda mais for�a. At� as 18h de ontem, as 10 faixas somavam 11 milh�es de views no YouTube.
“Precisamos ver como ser� o avan�o, se vai mesmo acontecer uma epidemia cabulosa, ou se vai ser uma coisa mais passageira. A decis�o de n�o ter shows me parece bem prudente. Quando tudo estiver normal, volto no ritmo. Por enquanto, o pessoal continua ouvindo o disco”, diz o rapper. Se as autoridades recomendam � popula��o que fique em casa, Djonga se volta musicalmente para os arredores de seu pr�prio lar. Ao falar de sua pr�pria �rea, ele quer contar sobre a realidade de tantas outras “quebradas” do Brasil.
“Hist�rias da minha �rea vem do processo de querer simplesmente lembrar os amigos e a viv�ncia que tive para chegar onde cheguei. Em Ladr�o, falei da coisa mais fam�lia, mais da raiz, no sentido de ancestralidade. Neste disco, � a lembran�a de como os amigos, a rua, as coisas negativas e positivas me fizeram chegar at� aqui. O tema central � debater a minha �rea de forma que as pessoas se identifiquem, pois � a hist�ria de muitas outras �reas do Brasil tamb�m”, explica Djonga, que cresceu entre os bairros Santa Efig�nia e Novo S�o Lucas, na Regi�o Leste de BH, onde mora. Foi l� que ele comemorou o lan�amento do disco, na sexta-feira � noitinha, com a vizinhan�a e festa na rua.
''N�o fa�o m�sica para agradar, fa�o para confrontar''
Djonga, rapper
FUNK
De acordo com o rapper, as 10 faixas do �lbum, dispon�veis exclusivamente nas plataformas digitais, “s�o mais diretas”, em compara��o a outros trabalhos. O dono do refr�o “fogo nos racista” (sic), do hit Olho de tigre (2017), comenta que desta vez as hist�rias de sua �rea “n�o est�o dilu�das em outros temas, inclusive na quest�o est�tica, com musicalidade mais voltada para o funk, a grande m�sica que a galera ouve nas periferias”.
Na abertura do �lbum, O cara de �culos, com participa��o da cantora e atriz Bia Nogueira, ele fala sobre a passagem da inf�ncia para a adolesc�ncia. Os versos escancaram a desigualdade social e a viol�ncia enfrentadas por ele e os amigos ao perseguir sonhos comuns aos jovens da periferia. “Fa�o o som que te tira a venda, deixa os boy fazer o som que vende”, avisa a letra.
Djonga faz jus a esse recado nas faixas a seguir. Em algumas, lembra momentos duros, como em N�o sei rezar, dedicada “aos amigos que partiram”, v�timas da viol�ncia. Por�m, fica claro que as adversidades n�o impediram a realiza��o pessoal de jovens como ele. � o caso de Gelo, gravada com o mineiro Fabr�cio FBC e o carioca NGC Borges. Em Hoje n�o, as rimas lembram as violentas contradi��es impostas pelo racismo estrutural no Brasil, mas tamb�m falam de conquistas, como o carro importado e o fato de o rapper ser admirado por muita gente.
BRUNO HENRIQUE
O pai de Jorge, de 3 anos, e Iolanda, de 4 meses, tamb�m fala de fam�lia e do amor, no contexto das hist�rias de sua �rea. Em Oto patam�, o rapper homenageia o jogador Bruno Henrique, do Flamengo, tanto no t�tulo quanto na letra: “Seja protagonista da sua hist�ria/ Pega a folha e muda o roteiro/ Minha gente cruzou o mar � for�a com m�o branca/ Cruzei voando com a for�a da minha palavra/ N�s s� � bom no campo igual Bruno Henrique/ Porque lembra dos tempos na v�rzea”.
“N�o conhe�o o Bruno pessoalmente, conhe�o pessoas que o conhecem, mas ele � um s�mbolo. � um cara que, assim como eu, � de BH e faz sucesso no Brasil e no mundo, mas n�o se esquece de onde veio. Essa � a homenagem por ser uma refer�ncia, uma grande mensagem sobre um cara preto de BH, vitorioso, que t� sempre no lugar de onde veio”, explica o atleticano Djonga sobre o craque, de 29 anos, que despontou no futebol amador no Bairro Conc�rdia, na Regi�o Nordeste da capital, e hoje est� na Sele��o Brasileira. Em 2019, uma entrevista do atacante ficou famosa pela forma como ele disse que o Flamengo estava em “outro patamar” em rela��o aos demais times brasileiros.
De acordo com Djonga, suas letras v�m “dar voz a quem precisa ser ouvido” neste Brasil de tens�es sociais t�o acirradas. “Vejo o discurso quase sempre feito por intelectuais, o pessoal debatendo um tema que n�o viveu. Entendem porque estudam sobre, mas n�o viveram isso diretamente, como eu vivi de alguma forma. Esse disco vem para dar voz, colocar essa galera no debate, para mostrar que n�s tamb�m podemos falar. Cad� a nossa perspectiva? S�o as hist�rias da nossa �rea que importam, as que realmente importam para acabar com esses problemas”, afirma.
Com popularidade que transcende f�s de rap ou apenas um espectro socioecon�mico, as fortes mensagens de Djonga chegam tamb�m aos ouvidos de classes mais favorecidas, que jamais sofreram o racismo na pele, por exemplo. “O importante � eles saberem. N�o fa�o m�sica para agradar, fa�o para confrontar. Se est�o ouvindo e entendendo, que bom. Que assim seja, que entendam de forma que parem de prejudicar a gente. �s vezes, n�o fazendo nada j� ajuda muito”, argumenta o rapper. “Durante uma �poca, eu pensava sobre essa playboyzada ouvindo, e p�... Mas vejo que � interessante, porque se estou criticando os caras, eles t�m que ouvir. Tomara que mudem.”
A forte conex�o com v�rios p�blicos transformou Djonga em presen�a constante em grandes festivais de programa��o mais ecl�tica, como o Planeta Brasil, em Belo Horizonte, e o Universo Paralello, na praia paradis�aca de Pratigi, Norte da Bahia, nos quais dividiu o line-up com Caetano Veloso, por exemplo. Os pre�os dos ingressos desses eventos costumam ter tr�s d�gitos, mas o mineiro diz que n�o diferencia plateias. “A mensagem � a mesma para 10 mil ou 1 mil. A energia � a mesma”, garante. Em 21 de abril do ano passado, ele fez show com ingressos a R$ 10, no KM de Vantagens Hall, para lan�ar Ladr�o em BH.
Outra coisa que Djonga diz n�o mudar � rela��o com a vizinhan�a, agora tema de seu disco. “A �nica diferen�a � que vejo que o pessoal sente orgulho de saber o que aconteceu comigo na m�sica. Fora isso, � a mesma coisa... Cada um d� o mesmo tanto para a cerveja. Quem n�o d�, a gente xinga, e � isso a�. �s vezes, dou uma for�a. Quando posso, tento levar a galera para trabalhar, trocar uma ideia, ver um show. � a mesma coisa de sempre: somos amigos e nunca vou esquecer os cara”, diz o morador “da Leste”.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine