Trilhas sonoras roubam a cena em s�ries de TV

S�o muitas as coisas que fazem de Boca a boca, da Netflix, uma s�rie bastante interessante. Al�m da dire��o certeira de Esmir Filho, da escolha minuciosa de elenco e do tratamento est�tico das imagens – sem contar o senso de atualidade da hist�ria, basicamente sobre um v�rus desconhecido e letal –, outra caracter�stica que salta aos olhos (ou, nesse caso, aos ouvidos) � a trilha sonora.

Isso fica bastante claro logo de cara. Na sequ�ncia que d� in�cio ao primeiro epis�dio, o personagem Chico (Michel Joelsas) acorda atrasado para a escola. Depois de dispensar o despertador algumas vezes, o rapaz levanta afobado e � obrigado a ir para a aula de bicicleta, pois perdeu a carona do pai. Enquanto pedala pelas ruas da fict�cia Progresso, uma can��o toca. Ela s� para quando o garoto tira o headphone do ouvido – o que vai se repetir ao longo dos outros cinco epis�dios da primeira temporada.

A m�sica em quest�o � Vamos ter um causo, composta e gravada especialmente para a s�rie pela cantora Letrux, que deve chegar �s plataformas de streaming nas pr�ximas semanas junto da playlist oficial da produ��o.

O contraponto � interessante. Sobre os versos tipicamente provocativos de Letrux h� um instrumental eletr�nico e pop. A paisagem da cena � rural, j� que a s�rie � ambientada numa cidade do interior de Goi�s, imaginada como zona pecuarista.

“Para o Esmir, a m�sica � parte muito importante da hist�ria. Quando fui convidado para produzir a trilha original, ele me passou uma s�rie de m�sicas que funcionam como a playlist do Chico. A partir delas, compus os temas que ajudam a criar a atmosfera da trama”, conta o cantor e compositor paulista Gui Amabis.

Na lista, integrada por can��es cujos direitos foram comprados para Boca a boca, est�o artistas brasileiros, como a Trupe Ch� de Boldo e o rapper Baco Exu do Blues e, em peso, m�sicos estrangeiros – The Knife, SOPHIE, Mary Komasa e Chromatics.

Todas as can��es remetem � est�tica oitentista e, ao mesmo tempo, moderna. O desafio de Gui Amabis foi traduzir essa sonoridade em outras m�sicas, capazes de conversar com essa est�tica e passar para o p�blico uma atmosfera de mist�rio e psicodelia.

“Tentei manter a unidade”, explica ele. “Ouvi as m�sicas escolhidas e decidimos que seria um techno rural. Foi a� que entraram elementos como a viola e o berrante, colocados ao lado de sintetizadores, criando um contraponto muito interessante e bem-vindo para a hist�ria. Ela trata justamente desse lugar interiorano, onde os jovens buscam uma certa liberdade, mas isso tem custos.”

� nesse contexto que surge, por exemplo, o remix da can��o Boi da cara preta, no final do primeiro epis�dio.

“Elementos assim ajudam a construir o que a s�rie se tornou. N�o acho que a trilha sonora seja indispens�vel, porque existe cinema sem trilha que � maravilhoso. Mas, em Boca a boca, a trilha tamb�m conta a hist�ria. � um recurso importante, narrativamente falando”, analisa.

Al�m de compositor de trilhas sonoras, Gui Amabis acumula a carreira de m�sico iniciada em 2011 com o disco Mem�rias luso/africanas. De l� para c�, ele lan�ou Trabalhos carn�voros (2012), Ruivo em sangue (2015) e Miopia (2018), al�m do projeto Sambas do absurdo (2017), com Ju�ara Mar�al e Rodrigo Campos.

Em todos eles, seu modo de compor j� revelava um teor cinematogr�fico. Gui, inclusive, cursou cinema por dois anos, j� pensando em trabalhar com trilhas sonoras.

“Comecei a trabalhar com trilha como estagi�rio no est�dio do compositor Antonio Pinto, em 2002. Tinha acabado de sair da escola de m�sica e fui levado para o audiovisual. L� aprendi o que era produ��o musical, fazendo trilha sonora”, conta.

Entre seus trabalhos est�o o filme Bruna Surfistinha (2011), de Marcus Baldini, e o seriado Cidade dos homens (2002-2005), da Rede Globo.

Para ele, fazer trilhas sonoras � trabalho menos solit�rio do que a produ��o autoral. “O of�cio da trilha, como envolve mais gente, � muito colaborativo, porque n�o se trata do fruto da criatividade de uma pessoa, mas de v�rias. Essa � a maior diferen�a. Sem contar que � um jeito interessant�ssimo de contar uma hist�ria”, conclui.

O tema instrumental de abertura de Stranger things dialoga totalmente com a pegada da s�rie. Composta pelo grupo norte-americano Survive (foto), capricha nos sintetizadores, que sugerem o mist�rio e o futurismo t�picos da trama. Ambientada nos anos 1980, traz bandas daquela �poca – The Police, The Clash, Scorpions e Joy Division, entre outras. Destaque para o cover de Hero, de David Bowie, interpretado por Peter Gabriel, tocado em momento importante da primeira temporada.

A trilha de Game of thrones foi um marco, indicada ao Pr�mio Grammy. Compostas por Ramin Djawadi (foto), as faixas em tom �pico s�o inspiradas na sonoridade medieval. Cada cen�rio, fam�lia e batalha tem uma composi��o diferente. A melodia de abertura se tornou hit. O DJ holand�s Armin Van Buuren chegou a criar o remix eletr�nico dessa faixa. Vers�es dela em funk, forr� e samba tamb�m est�o dispon�veis no YouTube.

Poucas s�ries ousaram como Big little lies no quesito trilha sonora. O repert�rio dialoga diretamente com a trama, come�ando pela abertura. Cold little heat, de Michael Kiwanuka (foto), traduz a aura da glamourizada cidade de Monterey, na Calif�rnia (EUA). Os versos discutem a rela��o de amor, mentiras e arrependimentos. Lan�ada em 2016, a m�sica se tornou hit, batendo 100 milh�es de plays no Spotify.

Valorizando o rap e dirigida por Donald Glover (que tamb�m � o respeitado m�sico Childish Gambino), a s�rie retrata os negros na cidade norte-americana de Atlanta, na Georgia. Destacam-se os artistas de hip-hop Migos (foto), OutKast, Future, Young Thug e 21 Savage, mas o repert�rio tamb�m inclui blues, soul e jazz.

Exibida de 1988 a 1993, Anos incr�veis retrata a juventude de Kevin Arnold (Fred Savage) na marcante d�cada de 1960. A trilha re�ne astros de destaque naquele per�odo, como Bob Dylan, Jimi Hendrix (foto), The Who, Rolling Stones e Steppenwolf. A abertura fica a cargo de Joe Cocker e seu c�lebre cover de With a little help from my friends, can��o dos Beatles.

. Trupe Ch� de Boldo e Gustavo Ruiz

. Boy Harsher

. Kindest Cuts

. The Knife

. SOPHIE

. Chromatics

. Baco Exu do Blues

. Art Fact

. Fletcher