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Estado de Minas CARTUM

E Mafalda ficou orf�

Pai da eterna garotinha contestadora e um dos maiores e mais argutos talentos do cartum, Quino morreu ontem, aos 88 anos, na Argentina, em consequ�ncia de um derrame cerebral


01/10/2020 04:00 - atualizado 01/10/2020 12:05

Quino posa ao lado da escultura de Mafalda, instalada no bairro portenho de San Telmo, em 2009. Ele criou 1.928 tiras com sua mais famosa personagem, entre 1964 e 1973 (foto: Alejandro Pagni/AFP)
Quino posa ao lado da escultura de Mafalda, instalada no bairro portenho de San Telmo, em 2009. Ele criou 1.928 tiras com sua mais famosa personagem, entre 1964 e 1973� (foto: Alejandro Pagni/AFP)

"Estamos fritos, rapazes! Se a gente n�o se apressar em mudar o mundo, depois � o mundo que muda a gente”, afirmou certa vez Mafalda. O mundo mudou – para pior, em v�rios aspectos, n�o h� como negar – desde que a garota questionadora, indignada e sarc�stica (e que odeia sopa) aportou nele, em 1964. Mafalda n�o mudou, mas certamente est� mais triste desde ontem com a morte de seu criador, o cartunista argentino Joaqu�n Salvador Lavado Tej�n, o Quino, aos 88 anos. 

E n�o s� ela. "Quino morreu. Todas as boas pessoas do pa�s e do mundo ficar�o de luto por ele", anunciou, pelo Twitter, seu editor, Daniel Divinsky. Quino, que sofreu um derrame na �ltima semana, estava em sua cidade natal, Mendoza. Como previu Divinsky, o mundo chorou por ele, com milhares de mensagens nas redes sociais ao longo dessa ter�a-feira (30).

Com um planeta dividido, as reflex�es presentes na obra de Quino se fazem mais urgentes. “A rela��o entre os fracos e os poderosos sempre me as- sombrou. �s vezes, acho que deveria parar de desenhar um pouco para n�o sentir ang�stia nem medo de me repetir. Mas quando penso que vou abrir o jornal e meus desenhos n�o v�o mais estar l�, me d� mais ang�stia e eu continuo desenhando. Sou como aquele chefe de esta��o que se aposenta, mas volta todos os dias para ver se os trens est�o no hor�rio. N�o imagino ficar esperando os trens passarem. Al�m disso, na minha profiss�o n�o h� trens", afirmou em entrevista ao jornal argentino P�gina 12, em 2004.

Seus cartuns viajaram para muito al�m da Argentina. Foram traduzidos para mais de 35 idiomas. Diz-se que, a cada dois argentinos, um tem um livro de Quino. Recebeu in�meros pr�mios, entre eles a Legi�o de Honra da Fran�a e o Pr�ncipe das Ast�rias.
Admiradores de Quino depositaram flores em torno da escultura de Mafalda ontem, após o anúncio da morte do cartunista, ocorrida em Mendoza(foto: Andres Larrovere/AFP)
Admiradores de Quino depositaram flores em torno da escultura de Mafalda ontem, ap�s o an�ncio da morte do cartunista, ocorrida em Mendoza (foto: Andres Larrovere/AFP)

PR�MIO


“A hist�ria em quadrinhos pode ser uma arte menor, mas tamb�m como meio de comunica��o � bastante apropriada para divulgar maci�amente humor ou ideias, que n�o precisam ser humor�sticas. Ainda h� quem nos pergunte: ‘No que voc� trabalha, al�m daqueles cartuns?’. Tem gente que n�o faz isso por trabalho”, afirmou Quino, em 2014, ao se tornar o primeiro cartunista a receber o pr�mio espanhol.

Filho de imigrantes andaluzes, ele nasceu em Mendoza, em 17 de julho de 1932, embora os registros oficiais indiquem a data de 17 de agosto. Desde seu nascimento, foi chamado de Quino para distingui-lo de seu tio Joaqu�n Tej�n, pintor e designer gr�fico.

Aos 6 anos, Quino decidiu que se dedicaria aos quadrinhos. E quando percebeu que para isso precisaria saber ler e escrever, teve que suportar a escola: n�o gostava de aula e era t�mido demais para fazer amigos.

Aos 9, fez um acordo com a m�e: ela concordou em deix�-lo desenhar na mesa de madeira da cozinha se ele a limpasse toda vez que terminasse. Tr�s anos mais tarde, perdeu a m�e, v�tima de c�ncer. Passados outros tr�s anos, seu pai sofreu um ataque card�aco fulminante. 

A casa da fam�lia, organizada em torno do r�dio, em que se ouviam not�cias da Guerra Civil espanhola e da av�, que contava hist�rias comunistas, foi dissolvida. Quino voltou a ficar aos cuidados do tio. Foi quando desenhou os quadrinhos que levou para Buenos Aires na primeira vez em que tentou a sorte na capital argentina, aos 19 anos. 

Nem jornais, revistas ou ag�ncias de publicidade se interessaram. Ele voltou para Mendoza. Mas n�o desistiu. Incentivado por parentes, rumou mais uma vez para Buenos Aires, onde passou a viver em quartos coletivos de pens�es.
Sua carreira come�a a decolar entre o fim dos anos 1950 e o in�cio dos anos 1960. Em 1962, uma ag�ncia de publicidade lhe encomendou um cartum para lan�ar uma linha de eletrodom�sticos da marca Mansfield. 

Havia duas condi��es: o nome da personagem da tira tinha que come�ar com Ma, como a marca, e o contexto deveria ser o de uma fam�lia de classe m�dia. Quino se lembrou de um filme a que havia assistido, Dar la cara (1962, dirigido por Jos� A. Mart�nez Su�rez), que tinha um beb�, Mafalda, como um dos personagens.

A campanha nunca foi lan�ada, mas, em 1964, quando lhe perguntaram se n�o tinha desenhos para publicar no seman�rio Primera Plana, sua mulher, Alicia Colombo (os dois se casaram em 1960, n�o tiveram filhos e ficaram juntos at� a morte dela, em 2017), foi quem tirou Mafalda da gaveta. A garota gordinha de 8 anos, com cabelo espesso, estreou em 29 de setembro de 1964, um ano ap�s Quino ter publicado seu primeiro livro, Mundo Quino. 

Mafalda existiu por quase 10 anos – estrelou 1.928 tiras. Com humor sutil, carregada de cr�tica social, as tirinhas da garota e dos amigos Susanita, Miguelito, Manolito, Felipe e Libertad foram os �nicos personagens permanentes que ele desenhou.

FIM 

Em 25 de junho de 1973, Quino publicou sua �ltima tira com a personagem. Justificou o fim dela com o medo de se repetir. "Mafalda saiu bem porque a �poca em que a criei era boa, embora houvesse conflitos como sempre. O ser humano � barraqueiro por natureza", explicou ele. 

Mas a personagem se eternizou e continuou influenciando novas ge- ra��es. O retrato de Mafalda est� pendurado na Galeria dos �dolos Populares da Casa Rosada, a sede do governo argentino, junto com lendas como o ex-jogador de futebol Diego Maradona, o cantor de rock Charly Garc�a, o bailarino cl�ssico Julio Bocca, o automobilista Juan Manuel Fangio e o cantor de tango Carlos Gardel. 

Embora nunca tenha negado a fama mundial que Mafalda lhe trouxe, Quino sempre a considerou mais um personagem. "Nunca a amei mais do que meus outros desenhos", disse. Ele avaliava que a paix�o que a garota despertava em milh�es de pessoas foi tamb�m a maior raz�o pela qual suas outras obras n�o receberam tanta aten��o.

Em 2009, escreveu a carta “At� mais tarde, amigos”: despediu-se do medo de se repetir, como acontecera com Mafalda. Naquele momento, j� tinha problemas de vis�o e de locomo��o. “Considero essa atitude a mais honesta que posso assumir neste momento”, escreveu. Al�m dos livros de Mafalda, havia publicado quase duas dezenas de obras.

A marca, independentemente da personagem, se manteve. Sempre reivindicou a liberdade, muitas vezes ironizou a explora��o do trabalho e tamb�m fez humor com a psican�lise. Lac�nico, por vezes melanc�lico e em muitas outras brilhante, Quino levava nas paredes de seu est�dio uma reprodu��o de Guernica, que lhe lembrava sempre o Picasso que gostaria de ter sido – n�o fosse o artista que era, claro.
 
Tamb�m na parede, outra imagem que dizia muito sobre ele: "Por motivos de timidez, relatos de qualquer esp�cie n�o s�o aceitos". N�o era brincadeira: "Desenho porque falo mal", confessou certa vez.

O que Quino disse

“Eu queria ser Picasso, mas chegou um momento em que percebi que n�o poderia ser Picasso.”

“Fiquei muito frustrado porque a �nica vez em que pude trocar algumas palavras com (Jorge Luis) Borges ele falava da l�ngua espanhola. Eu disse a ele: 'Desculpe, sou filho de imigrantes andaluzes.' E ele me disse: ‘Ah, voc� sabe que a palavra andaluz vem dos v�ndalos...’”

“N�o era minha inten��o que a Mafalda durasse tanto. Eu esperava que o mundo melhorasse, mas a pol�tica liberal est� tornando os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres."

O que Mafalda disse

Quero dar os parab�ns aos pa�ses que lideram a pol�tica mundial. Espero que sempre haja motivos."

“Gosto das pessoas que pensam o que dizem, mas, acima de tudo, gosto das pessoas que fazem o que dizem.”

“J� que h� mundos mais evolu�dos, por que eu tive que nascer justo neste?”
“Boa-noite, mundo! Boa noite e at� amanh�, mas fique de olho! Tem muita gente irrespons�vel acordada, viu?”

O que falaram sobre Mafalda

“N�o importa o que eu penso da Mafalda. O importante � o que a Mafalda pensa de mim.” 
(Julio Cort�zar)

“Ela n�o ama nem respeita, pelo contr�rio: ridiculariza e repudia, reivindica o direito de continuar a ser uma menina que n�o quer incorporar o universo adulto.” 
(Umberto Eco)

“Mafalda tocou em temas profundos da alma humana.” 
(Ernesto S�bato)

Mauricio de Sousa se despede do 'irm�o' 

O desenhista brasileiro Mauricio de Sousa escreveu sobre a perda do amigo Quino e lembrou que o argentino criou a Mafalda no mesmo ano em que ele criou a M�nica.

"O amigo Quino est� agora desenhando pelo universo com aqueles tra�os lindos e com um humor certeiro como sempre fez. Criou sua Mafalda, hoje de todos n�s, no mesmo ano em que eu criei a M�nica, em 1963. Por isso, nos tornamos irm�os latino-americanos para desbravar o mundo dos quadrinhos. Estive com ele em 2015, em Buenos Aires, no Centro Cultural Brasil-Argentina, onde o presenteei com uma M�nica ao lado da Mafalda na comemora��o dos 50 anos das duas personagens. Uma pessoa d�cil e um dos maiores desenhistas de humor de todos os tempos. Quino vive agora mais forte dentro de n�s."


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