
Manifesta��es contra a ditadura, viagens, festivais, movimentos musicais nascentes, como a bossa nova e a Tropic�lia, desentendimentos e confus�es entre artistas que acabariam entrando para a hist�ria. Quando algo assim acontecia, Joyce Moreno estava l�.
A cantora e compositora diz n�o saber se h� algum estranho magnetismo que a atrai para esses momentos importantes ou se isso � assim com todos. A diferen�a � que ela gosta de contar o que viu e ouviu, convivendo com outros grandes artistas.
Fotografei voc� na minha Rolleiflex, lan�ado em 1997 pela Multiletras, foi a primeira experi�ncia de Joyce como cronista das pr�prias mem�rias. Um exerc�cio que ela atualizou e ampliou em Aquelas coisas todas (Numa Editora), que chega agora ao mercado.
Joyce diz que o primeiro livro “nasceu, fez algum barulho, teve sua �nica edi��o esgotada e ficou guardado na mem�ria e nos sebos”. Com o passar do tempo, ela come�ou a ouvir sugest�es de uma reedi��o por parte daqueles “que apenas tinham ouvido falar, pelas gera��es mais novas que n�o conheciam ou mesmo por aqueles que tinham gostado e pediam bis”.
Sua ideia inicial era fazer uma edi��o revista do volume. “Seria uma esp�cie de remix do original, o que acabei fazendo. Por�m, tantas outras hist�rias vinham me assombrando, tantos acontecimentos e novas quest�es a debater, que n�o houve como n�o fazer uma segunda parte”.
A segunda parte de Aquelas coisas todas se baseia na ideia de Joyce de que a MPB tem resposta para tudo. Uma ideia talvez relacionada ao contexto cultural efervescente de sua juventude. “� um privil�gio fazer parte dessa gera��o de Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Elis Regina, Jo�o Gilberto, Torquato Neto, Gonzaguinha, Macal�, Gal, MPB4, Edu Lobo, Marcos Valle, Francis Hime, Novelli, Jo�o Donato, Bituca e Toninho Horta, entre tantos outros”, ela diz.

LONGO CAMINHO
Intitulada Tudo � uma can��o, a segunda parte traz saborosas hist�rias e mem�rias carinhosas do conv�vio com esses personagens. “Assim, as duas partes se completam num s� livro. Aquelas coisas todas, tantos anos passados e um longo caminho ainda a percorrer.”
Para isso, ela confia em sua capacidade de lembrar. “Mem�ria � fogo. A minha � bem boa, mod�stia � parte. Meu HD mental funciona direitinho, movido a �gua e exerc�cios constantes, sem precisar de ajuda externa. Seminovo, praticamente. �nica dona. Pe�as originais de f�brica.”
Quanto ao texto, ela opta por uma escrita leve e divertida, de acordo com sua convic��o de que se pode contar hist�rias s�rias sem a necessidade de pesar a m�o.
“Penso isso com rela��o � m�sica tamb�m. Ali�s, fa�o isso na m�sica e na escrita, nas duas formas. Na verdade, � uma maneira de se passar uma coisa, sem precisar oprimir quem est� lendo ou ouvindo.”
No in�cio da carreira, quando tinha 19 anos – “Na �poca, era assim mesmo com todos. Era natural come�ar a trabalhar cedo”, observa –, ela se dividiu entre a m�sica e o jornalismo. Trabalhava como estagi�ria no Caderno B do Jornal do Brasil, no mesmo ano em que participou do 2º Festival Internacional da Can��o com a m�sica Me disseram. Era 1967.
Antes disso, aos 15, Joyce j� havia gravado para um projeto do m�sico e produtor mineiro Pac�fico Mascarenhas. Sambacana foi produzido por Roberto Menescal e lan�ado em 1964. “Na verdade, ao contr�rio do que muitos pensam, o grupo Sambacana n�o existia naquela �poca. Se n�o me engano, foi criado posteriormente por Pac�fico. Menescal me convidou para participar desse �lbum, que foi uma produ��o independente, pioneira. Quem bancou a produ��o toda foi o pr�prio Pac�fico”, conta.
Para ela foi uma experi�ncia interessante. “A primeira vez dentro de um est�dio. E ficar sabendo como tudo funcionava era tudo que eu queria. Mas n�o cheguei a ter uma passagem por Minas. O LP foi todo gravado no Rio de Janeiro. Fui apenas cantar o repert�rio desse �lbum autoral do Pac�fico nessa grava��o. Mas confesso que tenho um carinho muito grande pelos mineiros. Fiz grandes amigos, como Bituca e Toninho Horta, entre tantos outros, que conheci, mas tudo no Rio de Janeiro.”
Joyce foi casada com o m�sico mineiro Nelson �ngelo, um dos mentores do Clube da Esquina, com quem teve as filhas Ana e Clara, hoje cantoras. O fato de ser m�e lhe inspirou a can��o Clareana, que ela escreveu em homenagem �s filhas e foi classificada no Festival de M�sica Popular Brasileira da TV Globo, em 1980.
“Minha liga��o com os mineiros ainda continua forte. Recentemente, minha filha Ana Martins gravou um disco que saiu no Jap�o pela gravadora Rip Curi, no qual canta Amor certinho, que � do compositor Roberto Guimar�es”, conta. Essa can��o tamb�m foi gravada por Jo�o Gilberto no disco O amor, o sorriso e a flor (Odeon), lan�ado em 1960.
Joyce n�o tem certeza se continuar� escrevendo suas hist�rias. “Escrever � algo que demanda tempo e concentra��o, ent�o, daqui para a frente, n�o sei realmente. Tinha pouco tempo para isso (escrever), pois estava ocupada com as turn�s o tempo todo, muitas viagens dentro e fora do Brasil. Mas se essa situa��o que a gente est� vivendo agora se prolongar, � prov�vel que eu escreva outros livros.”

PARCERIAS
Por enquanto, ela tem aproveitado o recolhimento imposto pela pandemia do novo coronav�rus para compor. “Basicamente, estou compondo muito por press�o dos parceiros. Normalmente, componho muito mais sozinha do que com eles. As parcerias s�o meio espor�dicas, mas est� todo mundo nesse frenesi de composi��o. Ent�o, nesta quarentena j� surgiram muitas m�sicas novas com parceiros que come�aram a mandar coisas para mim. Tenho novas parcerias com Jards Macal�, Moacyr Luz e Z� Renato, entre outros.”
Ela conta que tamb�m fez uma m�sica a seis m�os com Marcos Valle e Ivan Lins, que fizeram a melodia para uma letra dela. “Enfim, tem um monte de coisas novas agora, surgindo nessa �rea mais da composi��o. Penso em, mais para a frente, reunir essas parcerias em um disco. Estou, na verdade, com um problema de excesso de m�sicas. Isso porque, antes de come�ar a quarentena, j� tinha muito material in�dito.”
Entre suas parcerias, h� “uma novidade total, com o Emicida”, diz. “Essas parcerias v�o aparecendo e aumentando a pilha das can��es recentes. E a�, em algum momento, isso ter� que sair, com certeza. Tenho outra com Moraes Moreira, que acho que foi uma das �ltimas coisas que ele fez antes de morrer (em abril passado, aos 72 anos, de infarto).”
Ela conta ainda que j� gravou a can��o feita com Moraes ao lado de seu filho, Davi Moraes, que prepara um EP. “Essa nossa grava��o faz parte desse disco, mas acho que ainda n�o saiu, estou aguardando. Enfim, projetos n�o faltam e agora � esperar que a coisa se acalme, porque este momento da pandemia, fatalmente, passar� e quero estar pronta para isso quando acontecer. Pode ser que demore, mas vamos aguardando com calma.”
Quanto ao jornalismo, Joyce afirma ser uma paix�o mal resolvida em sua vida. “Uma paix�o que foi abandonada quando eu tinha 19 anos. Foi quando sa� do meu est�gio no Jornal do Brasil e fui contratada por uma gravadora. Mas depois, quando o primeiro livro saiu, tive uma passagem pelo jornal O Dia, quando me deram uma coluna para escrever e fiquei l� por dois anos. Foi uma experi�ncia muito legal.”

Aquelas coisas todas
Joyce Moreno
Numa Editora (346 p�gs.)
R$ 59
CHEIA DE GRA�A
Confira momentos hil�rios que Joyce Moreno rememora em seu novo livro:
» Tom Jobim apresentando a Carlinhos Lyra o letrista americano Norman Gimbell:
“Carlinhos, este aqui � o Norman Bengell”.
» Paulinho Jobim, no Jap�o:
“T� com uma pregui�a de ter vindo…”.
» Toninho Horta, em Nova York, enfrentando seu primeiro inverno:
“Isso aqui t� mais frio do que Barbacena!”
» Novelli, nos anos 1970, invocado com certo cr�tico musical:
“Esse cara n�o sabe a diferen�a entre uma semicolcheia e uma lacraia!”
» Carlos Lyra, em momento de mau humor:
“A diferen�a entre uma cantora e um terrorista � que com o terrorista tem negocia��o…”.
» Elis Regina, para a plateia, ao demitir a banda em cena aberta, sem aviso pr�vio ou negocia��o poss�vel:
“Vamos aplaudir esses m�sicos maravilhosos, porque hoje � a �ltima vez que eles tocam comigo”.
