Longa 'Macabro' aborda racismo em hist�ria de assassinos seriais
Filme de Marcos Prado estreia nesta ter�a (29/12) e levanta a hip�tese da condena��o injusta de um dos 'irm�os necr�filos' de Nova Friburgo
Epis�dio real ocorrido em Nova Friburgo, nos anos 1990, � a inspira��o para o longa (foto: Pandora Filmes/Divulga��o )
No come�o dos anos 1990, uma onda de crimes b�rbaros na regi�o de Nova Friburgo, na Serra Fluminense, chocou o Brasil. Foram pelo menos nove assassinatos brutais, seguidos de necrofilia, atribu�dos a dois irm�os, que passaram anos foragidos na zona rural, mobilizando uma numerosa equipe do Batalh�o de Opera��es Especiais (Bope) para encontr�-los e alimentando o imagin�rio popular e o notici�rio, que atribu�a at� certo misticismo aos fatos.
Uma hist�ria suficientemente intrigante para virar filme de suspense. Macabro, de Marcos Prado, que chega nesta ter�a-feira (29/12) �s plataformas de streaming, amplia a trama policial com uma hist�ria que envolve tamb�m aspectos da injusti�a social e do racismo estrutural presentes na hist�ria do Brasil.
A ideia de um longa-metragem inspirado no caso dos chamados “irm�os necr�filos” surgiu em 2009, quando Prado, s�cio do diretor Jos� Padilha na produtora Zazen Filmes, conversou com o ex-capit�o do Bope Rodrigo Pimentel sobre o caso.
Pimentel � autor do livro A elite da tropa e foi sua experi�ncia no Bope que originou o filme Tropa de elite, dirigido por Padilha e produzido por Prado. A ideia original de Macabro tomou novo rumo quando o advogado de Henrique de Oliveira, um dos irm�os, entrou em contato com o diretor, assim que soube da produ��o.
"Henrique pegou quase 50 anos de pris�o sem prova nenhuma. Havia factuais, havia testemunhas, o outro irm�o (Ibraim de Oliveira) foi morto por um oficial do Bope, mas ningu�m viu o Henrique nas cenas dos crimes”, diz Prado.
Trama envolve aspectos de misticismo explorados pelo notici�rio da �poca (foto: Pandora Filmes/Divulga��o )
O diretor conta que o advogado de Henrique, que est� cumprindo sua pena na pris�o, argumenta que o cliente foi condenado injustamente. “Ent�o pesquisamos os autos do processo e, dos nove assassinatos, tr�s est�o na conta dele. Mas dois sem nenhuma prova, e o terceiro baseado na mudan�a de depoimento de uma v�tima que sobreviveu a um ataque."
Segundo Prado, a hip�tese de que tenha havido uma condena��o injusta � um de v�rios elementos que se juntam em torno de uma hist�ria por si s� j� bastante complexa.
"H� o feminic�dio, a quest�o da viol�ncia policial e essa hist�ria paralela na cidade, retratada no filme como uma cidade de brancos. Claro que h� uma dramaturgia, mas, se pegarmos um paralelo da nossa sociedade e o colocarmos nesse microcosmos, est� tudo acontecendo ali: crimes b�rbaros, racismo, Justi�a e suas contradi��es", diz Prado.
O diretor salienta que a trama do filme � apenas inspirada no caso, e n�o totalmente baseada nele. Nesse processo de constru��o dramat�rgica, o protagonista foi inspirado em v�rios oficiais do Bope, inclusive em um que foi, de fato, designado para a miss�o, por ser de Nova Friburgo.
No filme, ele se chama Theo, um sargento que seria julgado pelo assassinato de um morador de favela em um erro de opera��o e por isso � enviado para a miss�o. N�o s� por conhecer a regi�o, onde nasceu, mas para "limpar a pr�pria barra".
Esse tipo de contradi��o na atividade policial � outra pincelada que o longa d� sobre nosso caos social. Theo � interpretado por Renato G�es, que assume um personagem atordoado pelos reencontros ocasionados pelas circunst�ncias da investiga��o e por seus erros no passado, mas dedicado a compreender a complexidade do caso. Tanto � assim que ele passa boa parte do filme fazendo perguntas aos moradores locais.
"� um filme de g�nero assumido, um thriller psicol�gico de suspense, com liberdade para extrapolar a situa��o e assumir essa linguagem, lembrando de um homem preso que pode ser inocente ou n�o, a partir da hist�ria desse anti-her�i"
Marcos Prado, diretor
PRECONCEITO
Protagonista � um policial do Bope designado para a investiga��o como forma de limpar seu curr�culo (foto: Pandora Filmes/Divulga��o )
Acompanhado pelo cabo Everson (Guilherme Ferraz), que observa ser o �nico negro no povoado onde os crimes se passam, al�m dos dois irm�os procurados, ele encontra uma popula��o apavorada, mas extremamente preconceituosa.
� medida em que tenta encontrar os assassinos, que continuam fazendo suas v�timas de maneira cruel, Theo passa a entender como os jovens, de origem pobre, eram tratados pelos habitantes, antes de come�arem a cometer os crimes.
Com inspira��o direta em relatos jornal�sticos reais da �poca, os jovens eram apontados como "mancomunados com o diabo", e a fam�lia deles tratada como "macumbeiros" e outros adjetivos tipicamente racistas.
Marcos Prado afirma que, embora os fatos que inspiraram o filme tenham ocorrido h� quase 30 anos, eles se conectam com o contexto atual. "L� atr�s, n�o est�vamos t�o atentos ao racismo estrutural. Mas somos estruturalmente racistas desde sempre. Por isso resolvemos pontuar que eram dois jovens negros, descendentes de escravos, numa regi�o que recebeu muitos imigrantes e onde havia o maior traficante de escravos do Brasil. Por l� havia um dos maiores quilombos do pa�s, que, segundo uma pesquisa que consultamos, desapareceu em sete anos. Claro que o racismo est� no Brasil inteiro, mas � uma regi�o que tinha esses ingredientes."
Ainda que a hist�ria apresente aspectos sobre o que levava os dois jovens a praticar crimes t�o cru�is, a narrativa se d� a partir da perspectiva do protagonista, que � um policial. Os dois irm�os, que no filme se chamam Matias e In�cio e s�o interpretados por Diego Francisco e Eduardo Tomaz, pouco aparecem.
"Pegamos todos esses elementos e fomos construindo. � a hist�ria de um anti-her�i, que tem uma segunda chance e nos permite pensar que ele � p�ssimo, porque matou um homem inocente na favela. Por�m, sai com uma quest�o moral, � medida em que vai reencontrando os pr�prios fantasmas do passado. � perigoso tratar de tantos assuntos, mas, como g�nero cinematogr�fico, podemos dar uma exagerada", diz o diretor.
Diretor do filme estudou o processo que levou � condena��o de um dos acusados a quase 50 anos de pris�o (foto: Pandora Filmes/Divulga��o )
Para o cineasta, que anteriormente dirigiu o premiado document�rio Estamira (2004), al�m de Para�sos artificiais (2012), seria muito simplista o entendimento de que os dois irm�os agiam assim apenas por serem maltratados. "Giramos o prisma, fomos juntando elementos, alguns que nem seriam da hist�ria real deles, e dividimos a responsabilidade. Botamos uma lente de aumento nesse microcosmos para ver o que acontece aqui fora. � um filme de g�nero assumido, um thriller psicol�gico de suspense, com liberdade para extrapolar a situa��o e assumir essa linguagem, lembrando de um homem preso que pode ser inocente ou n�o, a partir da hist�ria desse anti-her�i", define.
Macabro ser� lan�ado nesta ter�a-feira (29/12) nas plataformas Net Now, VivoPlay, Looke, Itunes, Microsoft e GooglePlay. O filme foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de S�o Paulo, no Festival Internacional de Cinema do Rio e recebeu pr�mios em dois festivais internacionais. No de Austin, no Texas, foi eleito melhor filme na categoria Dark Matters, dedicada a temas densos. Do Brooklyn Film Festival, levou o pr�mio do j�ri popular. O longa chegou a ser exibido em algumas capitais brasileiras durante a pandemia do novo coronav�rus, no formato drive-in, antes de finalmente chegar ao circuito comercialamplo, via streaming.
MACABRO
De Marcos Prado. Com Renato G�es, Diego Francisco e Eduardo Tomaz. Nas plataformas Net Now, VivoPlay, Looke, Itunes, Microsoft e GooglePlay, a partir de hoje.