
"Estar aberto e acolher o que a vida nos oferece, sabendo que h� frutos a serem colhidos em qualquer caminhada, resguarda a alegria. Os profissionais da sa�de, por exemplo, foram her�is nessa pandemia porque agiram com envolvimento e resposta � vida. Isso � alegria"
Nilton Bonder, rabino e escritor
Essa n�o � uma ideia corrente, sobretudo num contexto como o da pandemia do novo coronav�rus. Mas � poss�vel obter e manter a alegria, independentemente dos acontecimentos externos, segundo o rabino Nilton Bonder, l�der espiritual da Congrega��o Judaica do Brasil e doutor em Literatura Hebraica pelo Jewish Theological Seminary.
Com diversos outros livros publicados, Nilton Bonder j� foi premiado com o Jabuti na categoria religi�o e tem volumes lan�ados na Holanda, It�lia, Alemanha, China, R�ssia, Coreia do Sul, Espanha, Rep�blica Tcheca e nos Estados Unidos. A adapta��o teatral de seu livro A alma imoral em formato de mon�logo de Clarice Niskier ficou em cartaz por 14 anos, at� o come�o da pandemia, no ano passado, quando j� tinha sido assistida por mais de 1 milh�o de pessoas.
A seguir, Bonder fala sobre seu novo livro.
Durante a pandemia do novo coronav�rus, o senhor lan�ou um livro sobre a alegria. De onde veio a inspira��o?
Serotonina e bom cortisol. A primeira vem do sono com qualidade e da atividade f�sica e a segunda, do "estresse do bem", que � o envolvimento com pessoas e coisas evitando a toxicidade. Esse � o lugar f�sico. J� o ps�quico vem de sonhos e dos imagin�rios. Por incr�vel que pare�a, a pandemia n�o afeta nenhum desses elementos, talvez at� os revigore. O ganho de tempo com menos deslocamentos e mais internaliza��o favoreceu a produ��o dessas "serotoninas". Um mundo mais carente e sens�vel faz o mesmo na produ��o de adrenalinas que temos que administrar para produzir o "bom cortisol", que � a empatia e o compromisso com a vida. Um mundo em processo de se superar e se repensar tem o potencial de aperfei�oar e expandir olhares. Digo isso n�o com indiferen�a a todas as atribula��es, mas porque nosso mundo viveu 10 anos em um �nico. Falta bra�o, mas daria para escrever 10 livros.
Como manter vivo esse sentimento depois de um ano t�o dif�cil e assustador e com as atuais proje��es para o ano que se inicia?
Existe uma diferen�a entre felicidade e alegria. A alegria � uma disposi��o aos sentimentos, ela n�o � relativa ao que nos acontece do lado de fora. Se coisas que julgamos boas acontecem, ficamos felizes e, �s vezes, alegres. Se coisas penosas nos acontecem, ficamos infelizes, mas podemos permanecer alegres. Nesse caso, a alegria n�o vir� pelos sentimentos da felicidade, mas pelos sentimentos da infelicidade. Estar aberto e acolher o que a vida nos oferece, sabendo que h� frutos a serem colhidos em qualquer caminhada, resguarda a alegria. Os profissionais da sa�de, por exemplo, foram her�is nessa pandemia porque agiram com envolvimento e resposta � vida. Isso � alegria. 2020 foi um ano de muitas infelicidades e h� potencial para outras neste 2021. Mas 2020 n�o foi um ano desprovido de alegria, muito pelo contr�rio. Diferencie sempre as duas experi�ncias, porque entender a alegria como independente dos acontecimentos modifica por completo a percep��o da vida.
Em Cabala e a arte da manuten��o da carro�a, o senhor fala sobre lidar com a lama, o buraco, os reveses e a escassez, sensa��es que v�rios de n�s tivemos nesse momento de pandemia. Pode falar sobre essa sua vis�o e o que o livro traz?
Esse livro � sobre riscos. O principal em rela��o ao risco � saber qualific�-lo. Quem sabe faz�-lo n�o entra num jogo, mas investe. Por isso o risco � inevit�vel e a muta��o sabe disso. A natureza n�o fica satisfeita com o conceito de "time que est� ganhando", e faz o que todo investidor realiza: "apostas esclarecidas", instru�das por informa��o e discernimento. No livro, reflito sobre quatro tipos distintos de riscos. Num momento pand�mico, n�o s� temos os riscos simb�licos da lama, que � a gest�o rotineira da volatilidade; a dos buracos, que � o gerenciamento das incertezas; a dos reveses, que lida com ambiguidades; mas tamb�m do risco sist�mico que � sobre escassez.
Gerir escassez n�o � f�cil e depende de uma qualidade que � contradit�ria - uma atitude positiva de abund�ncia. Na escassez o que mais falta n�o � mat�ria-prima, mas "recipientes". Isso porque todos se retraem em modo prote��o e desaparecem n�o os meios, os capitais, mas os fins, os investimentos que s�o "recept�culos". Baixar a vela em tempestade pode ser uma a��o correta se voc� n�o tem nenhuma estrat�gia (vasilhame). Se tiver, talvez o risco de uma vela aberta fa�a a diferen�a entre se salvar ou n�o. Com certeza o que n�o se pode fazer com a escassez � trat�-la como se fosse um problema di�rio de lama, ou flutua��es da normalidade dos buracos, ou as turbul�ncias esperadas dos reveses. H� complexidade na escassez, mas se voc� se equipar para este desafio, o impedimento pode turbinar seu movimento. � o princ�pio de qualquer voo: resist�ncia.
No mesmo livro, o senhor diz: "Por mais vigilantes que sejamos e por mais preparados que estejamos, haver� momentos em que a lama prevalecer�. Nesses momentos, n�o h� outra sa�da a n�o ser descer da carro�a e entrar na lama junto com o cavalo e empurrar. Importante registrar, por�m, que a experi�ncia desses momentos n�o ser� mais na condi��o de shit, de um incidente, mas sim de aceita��o da ess�ncia daquilo que � uma estrada. A mesma terra que d� sustenta��o tamb�m produz a lama". Em um mundo em que aceitar a derrota e o fracasso, mesmo que momentaneamente, parece um s�mbolo de fraqueza e � visto como uma pecha eterna, qual mudan�a de pensamento nos faria aceitar entrar na lama?
As pessoas entendem "shit happens" (merdas acontecem) como um azar, um "volte tr�s casas", como se fosse uma armadilha, uma "roubada" na qual entraram. Assim como os cientistas aprenderam que os milhares de insucessos fazem parte da descoberta, n�s tamb�m n�o devemos desanimar por um rev�s que se apresente. Com a atitude certa, o rev�s � uma etapa importante do potencial "dar certo". Esse � o comportamento necess�rio para qualquer conquista. Isso diferencia diametralmente entre quem diante do insucesso fica mais animado e quem desanima. A riqueza da lama � que ela � parte do ch�o e do caminho. Quem entra na lama ganha maestria e recursos que emanam das in�rcias. Quem s� souber navegar com a mar� dever� esperar a sorte, um evento, sem d�vida, raro. A outra atitude � estar pensando na "limonada" ou na pot�ncia de ser um expert no que deu errado. O mesmo j� acontecia na escola e voc� nem percebia. Voc� achava que o bom aluno era o sujeito que tudo sabia, quando era o que focava em suas d�vidas e quest�es. O sucesso n�o estava na prospec��o de respostas, mas de melhores perguntas, dessas que n�o temem entrar na lama e na escurid�o de sua ignor�ncia. � deste lugar evitado e terr�vel que emana o melhor fertilizante para o empreendimento e a autonomia.
No �ltimo dia 20 de dezembro, o mundo parou para ver o c�u. Astr�nomos do mundo todo chamaram nossa aten��o para o encontro dos dois maiores planetas do sistema solar: J�piter e Saturno. Segundo a astrologia, este � um momento extraordin�rio. Em sua opini�o, existe uma mensagem real? Qual � ela?
Parodiando Carly Simon para Mick Jagger, "voc� � t�o vaidoso, provavelmente pensa que essa m�sica � sobre voc�!". Adoro astronomia e sei apreciar os acasos e ocasos. Mas, assim como um p�r do sol m�gico n�o � uma mensagem ao sujeito, mas t�o somente um convite a que este sujeito entre e aprecie a vida, acho que devemos evitar as armadilhas da egolatria. Mas, para tamb�m n�o deixar de fora o mist�rio, percebendo melhor, sim, a m�sica era sobre ele mesmo! Alerto apenas que as pessoas preferem fazer de um momento um "feliz momento" - uma coincid�ncia ou um agrado dos c�us - do que simplesmente aceitar o convite para dan�ar com sua alegria.
BIBLIOGRAFIA
Veja outros livros publicados por Nilton Bonder
>> A alma imoral
>> A arte de salvar
>> A cabala da inveja
>> A cabala da comida
>> A cabala do dinheiro
>> Alma e pol�tica
>> Fronteiras da intelig�ncia
>> O crime descompensa
>> O sagrado
>> O segredo judaico da resolu��o de problemas
>> Segundas inten��es
>> Sobre Deus e o sempre
>> Tirando os sapatos

Cabala e a arte de preserva��o da alegria
Nilton Bonder
Rocco (96 p�gs.)
R$ 24,90