Diverg�ncia sobre a vacina dissolve o Boca Livre

O violonista e vocalista Z� Renato e o multi-instrumentista Louren�o Baeta optaram por deixar a banda, que seguir� as atividades com os membros-fundadores Maur�cio Maestro e David Tygel. 

Nos �ltimos anos, como se sabe, as tens�es da pol�tica nacional v�m se refletindo nas rela��es interpessoais. Desde pequenas indisposi��es at� rompimentos definitivos viraram rotina entre grupos de amigos, familiares e colegas de trabalho devido a posicionamentos ideol�gicos cada vez mais demarcados em quest�es cotidianas. 

Diante da grave crise ocasionada pela pandemia do novo coronav�rus, a chamada "polariza��o" ganhou novos contornos e afetou tamb�m o ambiente art�stico, como foi o caso do grupo vocal e instrumental Boca Livre, um dos mais longevos em atividade no pa�s dentro do estilo.

A separa��o foi comunicada na noite de s�bado passado (16/1), nas redes sociais, pela at� ent�o empres�ria da banda, Memeca Moschkovich, que tamb�m se desligou. Na nota divulgada, as raz�es n�o eram esclarecidas. O texto informava apenas a sa�da dela, de Z� Renato e de Louren�o Baeta, agradecendo aos f�s pelo carinho “nesses 40 anos de carreira”. Mas o motivo da cis�o foram as diverg�ncias pol�ticas que tiveram a vacina como estopim. 

“Eu e o Z� Renato fomos criados com as mesmas ideias, temos as mesmas filosofias e objetivos de vida. Est�vamos aceitando toda essa situa��o e vivendo democraticamente desde 2018. Mas agora n�o � mais quest�o de lidar com democracia, � uma quest�o humanit�ria”, diz Memeca. 

“Como o Maur�cio (Maestro) � contra a vacina, � p�blico nas redes sociais dele, isso vai completamente contra as nossas ideias. E a� n�o d� para conviver. Quando falta oxig�nio no pa�s, � muito dif�cil estar ao lado de uma pessoa que pensa assim. A �ltima lei da cultura se chama justamente Aldir Blanc, que morreu de COVID-19. Ent�o tomamos essa decis�o, que n�o foi nada impetuosa”, comenta a empres�ria. 

Segundo ela, o grupo tinha outras diverg�ncias ideol�gicas, mas vinha tentando separ�-las do trabalho. “Est�vamos tentando achar uma forma de conviver pela m�sica, pela hist�ria do grupo, que � linda, mas todo mundo tem direito a mudar de opini�o. Maur�cio reformulou as cren�as dele de um tempo para c� e ele tem todo o direito de pensar o que quiser, mas se tornou uma situa��o insustent�vel, at� pela pr�pria sa�de do grupo, que n�o teria mais como se encontrar, j� que ele n�o vai tomar vacina”, afirma.

Z� Renato conta que o fim de sua hist�ria na banda se deu com uma troca de mensagens com Maur�cio Maestro, h� cerca de duas semanas. “Fomos convidados para gravar um disco, e eu falei que toparia depois da vacina. O Maur�cio falou que n�o ia se vacinar, e a� a coisa degringolou. Senti que era a hora de fechar meu ciclo no Boca Livre, pois n�o dava mais para levar adiante.” O violonista integrava o grupo desde sua forma��o, em 1978, embora tenha se afastado entre o fim dos anos 1990 e 2006. 

Apesar da quest�o pontual sobre a vacina contra a COVID-19, ele confirma que havia outros desgastes relacionados �s diferen�as pol�ticas com Maestro. “No Boca Livre, nunca tivemos nenhum problema em rela��o �s escolhas pol�ticas, partid�rias dos integrantes. Nunca teve nada disso em 40 anos”, diz.

 Mas esse cen�rio mudou. “Agora � outra situa��o, que ultrapassa a pol�tica. Claro que � pol�tica tamb�m, mas � uma quest�o muito mais profunda, mais s�ria, que � uma amea�a aos direitos, � democracia, com apologia � ditadura militar, � tortura, ao desmatamento acontecendo numa velocidade assustadora. Eu jamais poderia imaginar que um integrante do nosso grupo pudesse se alinhar a esse tipo de pensamento”, afirma Z� Renato. O cantor e instrumentista diz ter tentado conciliar a diferen�a com o colega.

“Quando isso aconteceu, h� dois anos, eu engoli seco, tomei um susto, propus reuni�es. Tivemos v�rias conversas, porque isso me incomodou bastante, me tirou do clima. At� ent�o,  eu conhecia uma pessoa, que se revelou outra. Eu tentei, nesses dois anos, me adaptar, n�o dar import�ncia, me concentrar na hist�ria musical da gente”, relata.

“At� gravamos um disco nesse clima (Viola de bem querer, lan�ado em 2019), que quase n�o gravei, Louren�o e David me convenceram. Pois bem, agora entramos na pandemia e estamos vendo essa trag�dia acontecendo no mundo todo, e essa foi a gota d’�gua.” Em suas redes sociais, Z� Renato se posiciona claramente contra o presidente Jair Bolsonaro e seu governo, alvos de cr�ticas em v�rias de suas postagens. 

No futuro pr�ximo, Z� Renato planeja lan�ar dois �lbuns. Um show gravado em 2004, no Centro Cultural Carioca, com repert�rio dedicado a Orlando Silva, e um projeto infantil chamado �gua para as crian�as, que traz diversas parcerias, incluindo Lenine, Pedro Lu�s, Geraldo Azevedo e Marina Iris. 

Louren�o Baeta tamb�m comunicou seu desligamento do Boca Livre. Em nota, ele disse: “Como n�o tenho perfil nas redes sociais, passo aqui para me despedir nesta hora em que tamb�m resolvi me desligar do Boca Livre por motivos pessoais. Desses mais de 40 anos em que estive no grupo guardo boas lembran�as. Do tempo e da m�sica. Foi um ciclo que se fechou. Numa boa, agora vou me dedicar a outros projetos e desejo boa sorte a quem segue”. 

Em conversa com o Estado de Minas, ele tamb�m alega um desgaste na conviv�ncia, que chegou ao limite na discord�ncia sobre a vacina. “Um grupo n�o � uma coisa f�cil de conviver, voc� tem que ceder. Um desgaste, mesmo do tempo, fez com que, para mim, fechasse o ciclo.”

Ele afirma que “com esse problema da vacina, houve um desentendimento que chegou num ponto que n�o deu mais. S�o 40 anos. N�o � uma quarentena, � muito tempo. Vai muito al�m do que � direita e esquerda. Acho que d� para conviver com quem pensa diferente, n�o � problema nenhum, � poss�vel trabalhar e sempre respeitamos, mas chegou num ponto em que o tempo, a fadiga come�aram a pesar, e � isso”. Louren�o diz preferir se lembrar dos bons momentos com o grupo, desejando sucesso para Maur�cio Maestro e David Tygel na continuidade do Boca Livre. 

Procurado pela reportagem, Maur�cio Maestro diz que respeita a decis�o dos agora ex-integrantes, mas prefere n�o coment�-la. “Como foi uma decis�o deles, eles t�m a raz�o deles, j� deram a raz�o deles e n�o quero discutir isso. T�m o direito de fazer o que quiserem. Cada um cuida de si. Sempre quis fazer m�sica, nunca interferi no pensamento de ningu�m. Se eles tinham algum problema comigo, pergunte a eles, s�o decis�es pessoais, que n�o tenho que comentar.” Legalmente, ele � dono da marca Boca Livre e planeja seguir com a banda. 

“Vamos passar por um per�odo de reorganiza��o. Teremos o tempo necess�rio para seguir com a banda. Antes disso, um amigo nosso, compositor, tinha uma m�sica, aprovada em edital, que queria gravar com a participa��o do Boca Livre. Como era algo j� planejado, gostaria que pelo menos fiz�ssemos esse trabalho”, aponta. 

“Mas, sem problemas. Grupo vocal � sempre dif�cil de substituir qualquer integrante, mas teremos nosso tempo. O Louren�o n�o era da forma��o original e o Z� Renato j� tinha sa�do uma vez. Toda substitui��o tem um tempo, � um trabalho complicado. Mas eu, como arranjador do grupo, j� passei por isso”, comenta Maestro.

Em maio de 2020, Maur�cio Maestro compartilhou no Facebook conte�dos em apoio a Bolsonaro. Al�m do v�deo de um pronunciamento do presidente com a legenda “FechadoComBolsonaro”, o artista tamb�m publicou v�deos de Olavo de Carvalho e Allan dos Santos, apoiadores do presidente. Em julho passado, Allan dos Santos deixou o pa�s ao ser investigado pelo Supremo Tribunal Federal por dissemina��o de not�cias falsas.

Maestro seguir� tendo a companhia do instrumentista e compositor David Tygel no Boca Livre. Em nota, ele se pronunciou sobre a sa�da dos colegas: “Ol� pessoal, queria dizer alguma coisa depois da sa�da dos meus amigos do Boca. O Boca Livre � um dos meus projetos mais queridos. Essa joia que come�amos em 1978 e que desde ent�o encanta tanta gente. Por minha vez, sinto que n�o � hora de sair, por maiores que sejam as dificuldades nesses tempos t�o sombrios. Me vem � tona uma vontade de brigar pelo grupo e ainda acho que h� espa�o para a viola me acompanhar.” O Estado de Minas procurou Tygel, mas n�o conseguiu contato com ele.