
A lista de inimigos p�blicos no Brasil � extensa. Atualmente, convivemos com o antagonismo de um v�rus mortal, fora de controle h� quase um ano, al�m dos desmandos de todo tipo dos pol�ticos, inclusive na responsabilidade que possuem no enfrentamento da pandemia do novo coronav�rus. Contudo, neste come�o de 2021, pouca gente despertou tanta avers�o no pa�s quanto a cantora Karol Conk�, participante do reality global "Big brother Brasil".
A raz�o de tanta rejei��o pode soar f�til para quem n�o acompanha o programa, embora algumas pol�micas mais s�rias protagonizadas por ela tenham extrapolado o notici�rio de TV. No entanto, ainda que tudo se resumisse a puro entretenimento televisivo, a curitibana de 35 anos j� teria conseguido chegar ao mais alto grau de vilania, na percep��o do p�blico.
Quem deu a entender isso foi o pr�prio Boninho, o “big boss” do reality show.
Na semana passada, enquanto a rapper ocupava a lideran�a da casa, Boninho usou seu perfil no Instagram para compar�-la � terr�vel Odete Roitman, vil� da novela "Vale tudo" (1988/1989) interpretada por Beatriz Segall. "A vida n�o � uma novela, mas o ‘BBB’ pode ser! VALE TUDO", escreveu Boninho, postando uma montagem fotogr�fica em que Roitman e Conk� apareciam lado a lado.
Na trama escrita por Gilberto Braga, a personagem de Segall n�o tinha escr�pulos para defender seus interesses. A matriarca da endinheirada fam�lia Roitman matou desafetos envenenando a comida deles, roubou, manipulou e foi capaz de entrar em rota de colis�o at� com os pr�prios filhos, de cujo estilo de vida ela discordava.
Odete acabou misteriosamente assassinada, em um dos crimes mais cultuados da teledramaturgia brasileira, mergulhando a novela na fase dominada pelo mist�rio “Quem matou Odete Roitman?”, que s� seria solucionado no cap�tulo final.
O fantasma da personagem “perseguiu” a atriz at� o fim de sua vida, em 2018, aos 92 anos. A dificuldade de se desvencilhar da marca de Odete Roitman era tanta que, por um bom tempo, Beatriz Segall se negou a falar a respeito do papel, por julgar que sua permanente associa��o a ele prejudicava o andamento de sua carreira art�stica.
''N�o consigo ver rela��o entre as duas. S�o figuras bem diferentes. Odete era inteligente em suas coloca��es; n�o vejo isso em Conk�. Odete era uma vil� discreta; Conk� � praticamente uma caricatura. Acho que Conk� se assemelha mais a Carminha''
Nilson Xavier, cr�tico de TV, autor do site "Teledramaturgia"
Caricatura
Seria a crueldade de Roitman compar�vel � postura de Karol Conk� no “BBB”? Para o cr�tico de TV Nilson Xavier Filho, criador do site “Teledramaturgia” e autor do "Almanaque da telenovela brasileira" (Panda Books, 2007), a resposta � n�o.“N�o consigo ver rela��o entre as duas. S�o figuras bem diferentes. Odete era inteligente em suas coloca��es; n�o vejo isso em Conk�. Odete era uma vil� discreta; Conk� � praticamente uma caricatura. Acho que Conk� se assemelha mais a Carminha”, diz ele, lembrando da personagem de Adriana Esteves, em “Avenida Brasil”.
A lista de vil�s superpopulares das novelas nacionais � extensa. Cada uma em seu contexto narrativo, elas compartilham alguns pontos em comum na constru��o das personagens. Para Nilson Xavier, � poss�vel ver alguns desses tra�os na trajet�rias de Karol.
“S�o v�rias as vil�s. H� tamb�m a Altiva (‘A indomada’), Branca Let�cia (‘Por amor’), Maria Regina (‘Suave veneno’), Bia Falc�o (‘Bel�ssima’) , Adma Guerreiro (‘Porto dos Milagres’), Flora (‘A favorita’) . Todas s�o muito carism�ticas, pensam e fazem o que o senso comum condena, mas que todos gostariam de pensar ou fazer. Ou seja, elas s�o desprovidas de amarras sociais, sem filtros. Vejo Conk� assim, sem filtro, aliado � mitomania (compuls�o por mentir) e � vaidade exacerbada - o que tamb�m s�o caracter�sticas de vil�s de novelas”, afirma Xavier.

Alvo
O pesquisador de telenovelas observa que “todo vil�o precisa de um alvo, essa � a raz�o de sua exist�ncia”. Segundo Xavier, “geralmente, na dramaturgia, a ambi��o desmedida os faz passar por cima de tudo e de todos para alcan�ar seus objetivos. No caminho do vil�o pode haver um ‘mocinho’ ou uma ‘mocinha’, que tamb�m viram alvos”. No reality show, a situa��o � parecida, na opini�o do cr�tico. “No ‘BBB’, a ambi��o est� relacionada � conquista do pr�mio (de R$ 1,5 milh�o). Por�m, para alcan��-lo � necess�rio tirar os outros concorrentes do caminho. � a� que o p�blico elege os vil�es do ‘BBB’, quando eles tentam derrubar os preferidos pela audi�ncia”, observa.Fazendo uma retrospectiva da atual edi��o do programa, Karol Conk� atendeu aos requisitos para se tornar uma grande vil� logo na primeira semana. Especialmente pela forma como tratou o ator Lucas Penteado, de 24, que acabou desistindo da competi��o no �ltimo dia 7.
A cantora assumiu a estrat�gia de atacar e isolar Lucas, disparando diversos xingamentos contra ele, chamando-o de “um merda”, ''louco'' e ''abusador''. Ela convenceu os colegas do grupo Vip a excluir Lucas das refei��es, obrigando-o a comer sozinho.
Em uma ocasi�o, Karol Conk� expulsou Lucas da mesa, pois queria ''comer na paz do senhor''. Em conversa com outros participantes, a cantora disse: ''Eu humilhei ele. Eu acabei com ele. Falei 'aqui n�o � cl�nica de reabilita��o'. T� confundindo. Aqui � ‘BBB’, n�o � big baixaria. Pe�a pra sair e v� se tratar''. A cena viralizou nas redes sociais e detonou uma campanha pela sua expuls�o, com o argumento de que ela estava praticando abuso psicol�gico contra Lucas no confinamento.
Agress�es
Em outro momento, Karol provocou a ira dos espectadores ao mandar o advers�rio “n�o olhar na dire��o dela” e “virar essa cara de bosta para l�”, durante a edi��o ao vivo do programa. Posteriormente, Conk� se desculpou com Lucas, mas ele acabou desistindo da competi��o diante da press�o que sofria na casa. Depois da sa�da dele, Conk� se desentendeu com a atriz Carla Diaz, de 30, em uma intriga que assumiu ter sido motivada pelos ci�mes que sentiu de Carla com o modelo e educador f�sico Arcrebiano, de 29.Karol Conk� tamb�m foi acusada de xenofobia pelos espectadores, por ter atribu�do a diferen�a do seu comportamento “educado” em rela��o ao da paraibana Juliette em raz�o do lugar onde cada uma nasceu. “Eu sou de Curitiba, que � uma cidade muito reservadinha. Por mais que eu seja artista e rode o mundo, tenho os meus costumes, eu tenho muita educa��o para falar, n�o falo pegando nas pessoas”, disse a cantora na ocasi�o.
Conk� permanece no ‘BBB’, mas com sua popularidade arrasada depois desses acontecimentos e com poucas chances de vencer a disputa, j� que o resultado depende da vota��o popular. Se no jogo ela poder� se dar mal no final, assim como as vil�s das novelas, sua carreira j� sofre alguns efeitos adversos da atua��o no programa. O festival Rec-Beat, para o qual ela deixou um show pr�-gravado antes de entrar no reality, decidiu excluir sua apresenta��o. O canal GNT (do grupo Globo) engavetou um programa apresentado por ela.
Resposta
Depois de um longo tempo em sil�ncio diante das cr�ticas, a equipe de Karol saiu em sua defesa e se pronunciou nas redes sociais, denunciando que ela vinha sofrendo ataques “'de forma indiscriminada'' e classificando como “desproporcional” a rea��o ao seu comportamento no jogo. ''N�s que administramos as redes sociais da Karol Conk� estamos chocados que as coisas est�o indo muito al�m do ‘BBB’. Transformando ela no pior inimigo que tem no pa�s. Essa pol�tica do cancelamento n�o chega nem perto de ser saud�vel, nem � a solu��o para quem a recebe'', diz um trecho de nota publicada no come�o deste m�s. O reality estreou em 25 de janeiro.
Ela, certamente, aprender� muito com seus erros quando sair do programa, mas fica a preocupa��o se os ataques � ela revelam, na verdade, uma faceta do pr�prio �dio que viralizou em nossa sociedade. Fica a� tamb�m essa reflex�o! %uD83D%uDC7D
%u2014 Karol Conk� %uD83D%uDC7D (@Karolconka) February 1, 2021
A equipe da rapper tra�ou um paralelo da rea��o da audi�ncia � sua atua��o na “casa mais vigiada do Brasil” com o fen�meno das telenovelas. “Sabemos que o ‘BBB’ � um dos programas que mais geram como��o nas pessoas e, consequentemente, o sentimento de amor e �dio � tamb�m exponenciado. Ali�s, produtos narrativos que envolvem espectadores possuem um grande poder de gerar debates no mundo real. Como, por exemplo, novelas da Globo que tratam de temas sociais importantes, podemos citar ‘Mulheres apaixonadas’, que tinha uma personagem que apanhava do marido e, em consequ�ncia, aumentaram muito as den�ncias contra a viol�ncia”, dizia o texto.
A publica��o ainda ponderava: “O ‘BBB’ gera tamb�m debates extremamente importantes para nossa sociedade, pois o assunto � discutido com uma enorme visibilidade e audi�ncia. H� de fato uma responsabilidade social ao entrar na casa. Portanto, � normal o p�blico amar e detestar o participante perante as suas atitudes, falas e posicionamentos dentro do jogo. Julgamos os participantes, mudando de opini�o e de favoritos a cada fato novo. O problema come�a quando isso ocorre de forma indiscriminada em nossa sociedade”.
Sobre a fronteira entre atua��o e realidade, Nilson Xavier afirma: “� preciso esclarecer que vil�es de novelas s�o ficcionais, enquanto vil�es de ‘BBB’ s�o reais”. Na opini�o dele, “os brothers e sisters podem at� ser vil�es ficcionais, quando o participante ‘veste um personagem’, mas raramente conseguem manter-se nesse personagem por muito tempo. Ou seja, no ‘BBB’, as pessoas s�o como s�o na realidade. Elas n�o v�o desligar uma chavinha ao final do programa e deixar de ser vil�es. Os participantes que s�o famosos fora do programa v�o ter que administrar e prestar conta de suas atitudes e falas”.
