
Quatro d�cadas depois, o cantor e compositor volta a esse formato, no �lbum “Sem pensar no amanh�”, parte de um projeto desenvolvido no per�odo da quarentena imposta pela pandemia do novo coronav�rus, disponibilizado neste m�s nas plataformas digitais. Outros dois est�o prontos, mas ainda sem datas definidas para chegar ao p�blico.
Nas 11 faixas desse trabalho, Alceu recria can��es que se tornaram cl�ssicos, como “Ciranda da rosa vermelha”, “Esta��o da Luz”, “La belle du jour” e “T�xi lunar”, e faz releitura de m�sicas menos conhecidas de sua obra, entre as quais “Beija-flor apaixonado”, "�ris”, “Marim dos Caet�s”, “Mensageira dos anjos”.
Algumas delas entraram no repert�rio por solicita��o de f�s do artista pernambucano. N�o por acaso, o lan�amento ocorreu na data de anivers�rio de Recife e Olinda, duas das matrizes sonoras do compositor.
''Nunca mais apertei a m�o de ningu�m. Ent�o, passei a ocupar o tempo tocando viol�o. Desde que me entendo como m�sico, cantor e compositor, nunca toquei tanto viol�o como durante esta quarentena''
Alceu Valen�a, cantor e compositor pernambucano
Conhecido como um artista estradeiro, Alceu, em virtude da pandemia, se mant�m em casa, no Rio de Janeiro, desde mar�o do ano passado, o que o impediu de cumprir uma agenda repleta de compromissos no Brasil e na Europa.
O per�odo de incertezas o levou a tocar viol�o como nunca fizera. Aproveitou para apurar a t�cnica e buscou novas maneiras para interpretar suas m�sicas, inclusive algumas escondidas de seu repert�rio, e at� compor — tudo teve como estu�rio o “Sem pensar no amanh�” e os outros dois discos que vir�o. Segundo ele, nem mesmo o barulho provocado por uma intermin�vel reforma num apartamento vizinho chegou a ser empecilho.
O cantor diz que o novo �lbum segue uma esp�cie de roteiro cinematogr�fico. Alceu conta que gosta de inventar, em seus discos e apresenta��es ao vivo, uma sequ�ncia que pode ser vista como uma viagem ou um filme.
Poeticamente, com a vis�o de cineasta, ele idealizou e dirigiu: “A c�mera vem da praia de Boa Viagem, em ‘La belle du jour’, sobrevoa as igrejas de Olinda, em ‘Mensageira dos anjos’. Viajamos no ‘T�xi lunar’, no trem da ‘Esta��o da Luz’ e vamos at� a Ilha de Itamarac� e � Praia de Maria Farinha com ‘Ciranda da rosa vermelha’”. Para ele, a m�sica leva a lugares onde a quarentena nos impede de chegar.
O que a princ�pio seria um �lbum simples, acabou por tornar-se uma s�rie de lan�amentos digitais. Durante a quarentena, Alceu Valen�a, com a conhecida inquietude, se ateve � sua obra e de l� selecionou algo em torno de 30 composi��es, entre sambas, xotes, maracatus, cirandas e frevos de bloco, para o set list dos tr�s discos, produzidos por Rafael Ramos. As grava��es foram feitas entre novembro e janeiro �ltimos, no est�dio da Deck Disc, selo respons�vel pelo lan�amento.
Voc� sempre teve o acompanhamento de banda para gravar disco. O que o levou a gravar um �lbum de viol�o e voz?
Com o advento da pandemia, estou isolado em casa, aqui no Rio, com minha mulher, Yan�, desde mar�o (de 2020). Nunca mais apertei a m�o de ningu�m. Ent�o, passei a ocupar o tempo tocando viol�o. Desde que me entendo como m�sico, cantor e compositor, nunca toquei tanto viol�o como durante esta quarentena.
Mas s� posso fazer isso � noite, pois a intermin�vel reforma de um apartamento vizinho n�o me permite me concentrar durante o dia. Foi a� que passei em revista minha obra, criando outra vers�o, outra sonoridade para as m�sicas que compus ao longo da carreira.
Mas s� posso fazer isso � noite, pois a intermin�vel reforma de um apartamento vizinho n�o me permite me concentrar durante o dia. Foi a� que passei em revista minha obra, criando outra vers�o, outra sonoridade para as m�sicas que compus ao longo da carreira.
A� surgiu a ideia do disco?
Inicialmente, eu pensava em gravar um disco. Mas foram tantas m�sicas revisitadas que acabei decidindo por uma s�rie de tr�s. Ao primeiro dei o t�tulo de “Sem pensar no amanh�'', um samba in�dito composto neste per�odo de recolhimento. Os outros dois, j� gravados, sair�o depois.
J� havia gravado disco nesse formato?
Gravei apenas um, em 1979, quando passei temporada de um ano em Paris, mais precisamente no Quartier Latin. L�, como tenho feito agora, vivia com viol�o nas m�os. Tocava diariamente. Longe da minha terra, mas mantendo-a na mente, gravei o LP “Saudade de Pernambuco'', s� de voz e viol�o. O Paulinho Raphael, guitarrista da minha banda, apareceu por l� e participou do trabalho.
Qual foi o crit�rio para a escolha das m�sicas?
Como fa�o sempre em meus discos e nos shows, criei um roteiro para este �lbum, como se fosse para um filme, com uma m�sica conectada com a outra. Cada um dos tr�s discos gravados para este projeto, tem sua hist�ria. No “Sem pensar no amanh�”, me imaginei voltando ao Marco Zero de Recife e �s ladeiras de Olinda durante o carnaval, cantando xote, frevo, maracatu e ciranda no bloco Pitombeira, que tem sede atr�s da minha casa.
A m�sica que d� t�tulo ao �lbum � um samba. Voc� j� havia feito composi��es com esse ritmo?
Fiz poucas. A primeira que gravei, por�m, n�o era de minha autoria, um samba-choro chamado “Candango sofredor''. Foi composto por Rinaldo Valen�a, um tio que vivia em Bras�lia. Mas gravei num disco dele.
Como artista andarilho, est� com saudade da estrada?
Durante muitos anos, o lugar onde menos fiquei foi na minha casa, no Rio, pois estava sempre na estrada. Ali�s, depois dos tr�s discos do projeto, tenho um outro para lan�ar intitulado “Senhora estrada'', em que falo de minhas andan�as pelo pa�s e o mundo. Por causa da pandemia, deixei de fazer duas turn�s em 2020: uma, de 45 apresenta��es pelo Brasil, do come�o de mar�o a junho; e outra, em seguida, de 16 apresenta��es, pela Europa. Adiei as duas turn�s para este ano, mas tive que adiar novamente, para 2022. � claro que estou angustiado e ansioso para voltar a fazer shows, mas � necess�rio se aquietar e esperar que as coisas voltem ao normal, tanto aqui quanto no mundo.
Pelo visto, tem muita gente que n�o est� preocupada com a COVID-19.
Moro no Leblon e, daqui do meu apartamento, d� para ver a Pra�a Cazuza, pr�xima � Rua Dias Ferreira, cheia de b�bados irrespons�veis, muitos sem m�scara, que, pelo visto, acreditam estar imunes ao cont�gio.
Que leitura faz do posicionamento do presidente da Rep�blica em rela��o
� pandemia?
Sou contr�rio a tudo o que ele diz e faz. Como pode a maior autoridade do pa�s ter demorado tanto a perceber o perigo que esta pandemia representa? E, o que � pior, ser um negacionista. J� perdi muitas pessoas amigas por conta deste maldito v�rus. Eu mesmo e outros familiares fomos contaminados, mas felizmente nos safamos.
Artistas de diferentes �reas padecem sem recursos at� para sobreviver, por falta de incentivo � cultura vinda de �rg�os governamentais. Voc� tem sido solid�rio aos seus companheiros de of�cio?
Vejo claramente como esta situa��o tem afetado os artistas, principalmente as pessoas que atuam fora do palco. Os m�sicos e o pessoal da t�cnica que trabalham comigo n�o t�m v�nculo empregat�cio, mas busco ajud�-los neste per�odo em que estamos sem atividade. Fiz uma live com renda revertida para a Uni�o Brasileira de Compositores (UBC). Acredito que outros colegas estejam fazendo algo semelhante. Ou�o pessoas ligadas ao governo falarem mal de artistas que faziam uso da Lei Rouanet. Nunca me utilizei dessa possibilidade, mas a lei foi criada para ser utilizada por quem necessita.
“Sem pensar no amanh�”
Alceu Valen�a
Deck Disc (11 faixas)
Dispon�vel nas plataformas digitais