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Estado de Minas DISCOTECA

Os cem discos que voc� precisa ouvir para entender a m�sica brasileira

Livro do pesquisador Bento Araujo lista 100 �lbuns lan�ados de 1986 a 2000 que romperam paradigmas, apresentando ousadias est�ticas que reverberam at� hoje


29/03/2021 04:00 - atualizado 29/03/2021 07:22

Bandas Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A representaram novo ciclo na música brasileira(foto: Fred Jordão/divulgação)
Bandas Chico Science & Na��o Zumbi e Mundo Livre S/A representaram novo ciclo na m�sica brasileira (foto: Fred Jord�o/divulga��o)
A cataloga��o de �lbuns heroicos gravados em geral na obscuridade das cenas invis�veis do Brasil feita pelo jornalista, m�sico e pesquisador Bento Araujo rendeu mais um livro da s�rie “Lindo sonho delirante”.

S�o mais 100 �lbuns registrados entre 1986 e 2000, que merecem o subt�tulo na capa de “discos corajosos” por subverter o mundo por algumas vezes de forma revolucion�ria e, em outras, sem a necessidade de apontar para lugar algum. Era simplesmente a sonoridade na qual seus criadores acreditavam. E ponto.

Alguns transbordaram territ�rios de origem e voaram mais alto, como a psicodelia atualizada do primeiro �lbum da banda Violeta de Outono, o explosivo dos manguezais “Da lama ao caos”, de Chico Science & Na��o Zumbi, o assombroso encontro entre Aldir Blanc e Guinga em “Del�rio carioca” e o primeiro e desestabilizador �lbum do Mulheres Negras, “M�sica e ci�ncia”, antecipando o que a internet faria existir com o nome de “m�sica do mundo”.

VISION�RIO

Outros seguem a ser descobertos, reouvidos e reavaliados, fazendo valer em dobro o projeto de Bento Araujo. Obras nordestinas p�s-armoriais como “Estrada”, da dupla Zeto e Bia Marinho, “Centauros e Canudos”, do cearense Pingo, e, por que n�o, “Fome d� dor de cabe�a”, do Cascabulho. Mas tamb�m “Corredor polon�s”, do Patife Band, o cl�ssico do rock livre de S�o Paulo, e a bela reuni�o revisionista e ao mesmo tempo vision�ria feita em “Nina Maika”, de Edson Natale.

Existe um “efeito cat�logo” no livro de Bento, uma for�a baseada no contexto dos “�lbuns escolhidos” que, mesmo sendo apenas a escolha do autor, faz inferir sutilmente sobre cada um, ainda aos que n�o disseram tanto nos anos de seu lan�amento, uma avalia��o legitimada pelo tempo.
 
Nem todos criaram revolu��es ou as refor�aram, e muitos seguir�o sendo do tamanho que eram, mas a cole��o curatorial pede, no m�nimo, a audi��o mais cuidadosa de cada um deles. H� textos curtos ao lado de cada �lbum que trazem suas respectivas tradu��es em ingl�s com um pouco de ficha t�cnica e hist�rias de bastidores.

Uma introdu��o mais aprofundada permite a Bento amarrar conceitos e propor leitura interessante sobre tantos estilha�os surgidos aparentemente ao acaso. Muitos dos que viveram na segunda metade dos anos 1980 podem n�o saber, mas conseguiram comprar discos de rock nacional gra�as �s benesses ef�meras do Plano Cruzado de 1986.

Muitos que ouviram a banda Sexo Expl�cito, do guitarrista mineiro John Ulh�a, podem n�o saber, mas estavam ouvindo um dos grupos que n�o viam o Clube da Esquina como refer�ncia sacralizada, mas um f�ssil a ser suprimido. E quem ouviu Chico Science, Mundo Livre S/A e Na��o Zumbi certamente n�o supunha que eles n�o pediam b�n��o alguma a Alceu Valen�a e Z� Ramalho.

“O guitarrista Paulo Rafael disse, em uma de nossas entrevistas, que os caras no Nordeste queriam chegar mesmo com tudo, se afirmando, como os punks fizeram”, conta Bento. De alguma forma, os clubes das esquinas de Minas, Pernambuco, Bahia ou de qualquer lugar saturavam a gera��o que passou a v�-los n�o com orgulho, mas como “parte do sistema”. 

Autor de 'Lindo sonho delirante', Bento Araujo destaca álbuns que merecem ser redescobertos(foto: Poeirazine/reprodução)
Autor de 'Lindo sonho delirante', Bento Araujo destaca �lbuns que merecem ser redescobertos (foto: Poeirazine/reprodu��o)


Contrarrevolu��o no underground

As reflex�es de Bento Araujo a respeito de sua organiza��o de discos lan�ados corajosamente nos por�es de um mercado estabelecido pelo rock brasileiro no in�cio dos anos 1980 mostram como o underground n�o foi apenas um lugar de rea��es verbais, mas tamb�m de contrarrevolu��es est�ticas.

A for�a do rock que chegava dos ingleses The Police, The Jam, The Smiths, The Who e Joy Division entrou nas veias de bandas como Legi�o Urbana, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Ira! e, um pouco mais tarde, do RPM.

O resultado social dessa segunda onda de apropria��o cultural em massa – a primeira havia sido com a Jovem Guarda nos tr�s anos seguintes a 1965 – foi a nova polariza��o entre o rock e tudo o que lembrasse uma brasilidade a ser descartada pelos jovens. Ou seja, e lembrando o dia da passeata contra a guitarra el�trica, em 1967, liderada por Elis Regina de bra�os dados com Gilberto Gil e Edu Lobo, havia rock nacional de um lado e, do outro, samba, choro, maracatu e bai�o. Gostar de um dos dois grupos eliminava qualquer chance de ser aceito pelo outro.

No entanto, os por�es responderam de outra forma. O grupo Akira S & As Garotas que Erraram fez � Revista Bizz uma bomb�stica declara��o de paz. “Quem repudia o samba est� atrasado... O samba � um neg�cio forte, qual o problema em dar uma incorporada?”, disse Akira S, definido por Bento como “especialista nas programa��es eletr�nicas”.

A colet�nea “N�o S�o Paulo”, produzida pelo selo Baratos Afins, de Luiz Calanca, hist�rico guerreiro do rock underground da Galeria do Rock de S�o Paulo, reagiu na mesma dire��o. Uma das oito faixas do LP era da banda Chance e havia sido batizada sob o herege t�tulo de “Samba do morro”, aproxima��o muito equilibrada entre rock, eletr�nica, bossa-nova e samba, algo que ningu�m do rock mainstream ousaria fazer. “N�o tenho d�vidas de que fomos os primeiros”, diz o l�der do grupo, Jos� Augusto Lemos, em outra entrevista ao autor. 


O laborat�rio est�tico de Pernambuco 

O rock e as brasilidades do “Terceiro Mundo profundo”, o mesmo que ajudou a criar a MPB a partir dos festivais da can��o iniciados em 1964, v�o viver uma reaproxima��o vibrante na d�cada seguinte. Antes separados por muros – at� os pernambucanos subiram o deles nos anos 1970 para manter suas tropas regidas por Ariano Suassuna, mentor das ideias puristas do incontamin�vel Movimento Armorial –, os tambores do maracatu se uniram �s guitarras para chegar ao mangue beat. N�o era a descoberta da roda. Alceu Valen�a com Z� Ramalho e Paulo Rafael j� faziam isso de forma menos coletiva e organizada havia duas d�cadas, discurso musical que Chico Science radicalizou e espalhou pelo pa�s.

O livro de Bento Araujo traz exemplares curiosos de duas fases nordestinas. Artistas como Pingo, que tem seu testemunho imortalizado no LP “Centauros e Canudos”, e o Trio Roman�al, que lan�a seu �lbum em 1987, s�o esp�cimes raras do segundo instante do Movimento Armorial.

J� o primeiro disco do Mestre Ambr�sio, de 1996, e o primeiro do Cascabulho, de 1998, pertencem � segunda gera��o do mangue beat. “Acho mesmo que Siba e Silv�rio Pessoa (respectivos integrantes de cada grupo) se firmaram como expoentes desse mangue beat mais ligado �s ra�zes e menos urbanizado”, diz Bento.

Ao misturar todo o caldo, com os filhos do mangue eletrificados unidos aos ac�sticos e aos radicalmente presos �s tradi��es mouras e africanas, o que se assistiu naqueles anos atravessados entre a segunda metade dos tempos de 1980 e a primeira dos anos de 1990 foi um fervor de afirma��o cultural geogr�fica que o Brasil jamais viu, contrariando mesmo o filho da terra Alceu Valen�a, que chegou a duvidar da heran�a de seu Pernambuco. Desde ent�o, o �nico povo que usa camisetas brancas com a bandeira de seu estado desenhada no peito, ainda hoje, � o povo pernambucano.

Talvez o pr�prio Bento seja resultado da “Tropic�lia que ningu�m viu”, a declara��o de liberdade dada pelos roqueiros invis�veis ressurgidos em sua obra. Se n�o fosse por eles, esse jornalista e pesquisador amante das bandas obscuras de rock que teve seu pr�prio grupo poderia estar preso � polariza��o que a m�sica brasileira, e s� a m�sica brasileira, n�o aceitou abrigar. A presen�a no livro de �lbuns como “A Terra e o espa�o aberto”, de Benjamin Taubkin, “Olho de peixe”, de Lenine e Marcos Suzano, e “Um trovador eletr�nico”, de Jorge Mello, prova a vit�ria dessa liberdade. (Ag�ncia Estado)

“LINDO SONHO DELIRANTE: VOLUME 3”
• De Bento Araujo
• Editora Poeira Press (232 p�ginas)
• R$ 120

Tesouros de Bento

“CORREDOR POLON�S”
. De Patife Band. 1986

“N�O S�O PAULO”
. Colet�nea organizada por 
Luiz Calanca. 1986

“NINA MAIKA”
. De Edson Natale. 1990

“OLHO DE PEIXE”
. De Lenine e Marcos Suzano. 1993

“A TERRA E O ESPA�O ABERTO”
. De Benjamin Taubkin. 1996


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