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Estado de Minas LIVRO

'A compreens�o do racismo foi tirada da gente', diz a escritora Ijeoma Oluo

Autora americana afirma que a sociedade dominada pelo supremacismo branco e a escola difundem o mito de que fim da escravid�o eliminou o preconceito racial


07/04/2021 04:00 - atualizado 07/04/2021 07:17

Ijeoma Oluo afirma que conquistar espaço na internet é fundamental para a luta antirracista
Ijeoma Oluo afirma que conquistar espa�o na internet � fundamental para a luta antirracista
Quando come�ou a escrever “Ent�o voc� quer conversar sobre ra�a”, Ijeoma Oluo tinha em mente o leitor americano. Filha de nigeriano com americana branca, premiada com o Humanist Feminist Award em 2017 e autora de colunas no “The Guardian”, “Washington Post” e na “New York Magazine”, ela queria produzir um livro capaz de conversar didaticamente com as pessoas sobre quest�es relativas � ra�a, mas sem deixar de ser contundente.

A autora norte-americana desejava, sobretudo, que seu livro fosse acess�vel a muitas pessoas. “Comecei a escrever porque queria encontrar um livro sobre o tema racial que ativistas, escolas e faculdades pudessem usar. N�o havia um livro assim. Queria preencher essa lacuna com um livro que realmente ajudasse a entender as quest�es de ra�a e racismo, que ajudasse a resolver problemas reais do dia a dia”, conta.

“Ent�o voc� quer conversar sobre ra�a”, que acabou na lista de mais vendidos do “The New York Times”, est� entre as obras fundamentais na abordagem do racismo e de como ele se projeta sobre a sociedade. Misoginia, justi�a social, desigualdade e feminismo, temas sempre presentes nos artigos de Ijeoma Oluo, tamb�m permeiam o livro.
(foto: Jean-Baptiste Debret/reprodu��o)

'N�o � poss�vel dissociar a escravid�o do sistema econ�mico, pol�tico e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refaz�-los, fomos ensinados que o racismo n�o est� no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravid�o'


Partindo de situa��es corriqueiras, muitas vezes com exemplos pautados em experi�ncias pr�prias ou de pessoas pr�ximas, a autora aprofunda a discuss�o sobre racismo estrutural, interseccionalidade, diferen�as de g�nero, a��es afirmativas, apropria��o cultural e viol�ncia policial.

Estimular a��es concretas e influenciar a maneira como as pessoas pensam e agem � um dos maiores objetivos de Ijeoma. “O livro desmitifica um monte de coisas, tornando menos dif�cil e assustador falar de temas relacionados a ra�a e racismo”, acredita.

Para a autora, que cresceu em ambiente de relativa pobreza e de valoriza��o da educa��o formal e do conhecimento, um dos pontos deixados de lado quando se discute o racismo � a efetiva��o de a��es concretas para combater o problema.

“Achamos que se nos entendermos melhor, isso vai magicamente consertar o racismo”, diz. “Mas o racismo precisa de a��o, de uma solu��o ativa. Se voc� n�o tiver conversas com foco em a��es que podem ser realizadas, ent�o n�o ser� uma conversa efetiva. Quando pensamos em como o racismo impacta a vida das pessoas, falamos de sal�rio, sa�de, bem-estar e coisas precisam de a��o”, adverte a autora.

Ijeoma Oluo iniciou seu ativismo por meio das redes sociais. Mas foi no dia a dia que percebeu a limita��o de conversas que, frequentemente, acabavam com m�goas e nenhuma transforma��o. Ela come�ou a escrever artigos por frustra��o. Brinca que eles nunca foram o que chama de “opini�es quentes”: eram baseados no que parecia ficar de lado quando as pessoas conversavam sobre racismo.

O conte�do do livro n�o visa transformar racistas em antirracistas, mas apontar como o racismo sutil e cont�nuo pode ser violento e destrutivo. “N�o existe um pa�s no mundo, mesmo aqueles de maioria negra, que n�o tenha sido tocado pela supremacia branca. Enquanto pudermos reconhecer isso e construir redes de solidariedade em uma economia globalizada e numa cultura global, podemos trabalhar juntos para dar um fim a isso”.

Formada em ci�ncias pol�ticas, Ijeoma Oluo trabalhou em empresas e institui��es antes de come�ar a viver da escrita. Al�m de “Ent�o voc� quer conversar sobre ra�a”, publicado no Brasil pela editora Best Seller, lan�ou “Mediocre: the dangerous legacy of white male America” (“Mediocridade: o legado perigoso da Am�rica branca masculina”, em tradu��o livre) e “The badass feminist coloring book” (“O livro de colorir das fodonas feministas”), livro de colorir que re�ne importantes feministas negras.

“ENT�O VOC� QUER CONVERSAR SOBRE RA�A”
De Ijeoma Oluo
Editora Best Seller
312 p� ginas
Pre�o recomendado: R$ 49,90

Seu livro se tornou best-seller e ocupa a lacuna que, nos �ltimos 10 anos, tem sido preenchida por novas vozes do feminismo negro. O que mudou na �ltima d�cada em rela��o a esse ativismo?
Quando penso sobre os �ltimos 10 anos, se melhoramos, diria que, �s vezes, avan�amos um pouco socialmente, mas institucionalmente, n�o. Sistemicamente, n�o. A maneira como pessoas negras e pessoas de cor transitam por nossa sociedade permanece a mesma, sem mudan�as. Se falarmos sobre sal�rio, sa�de e promo��es, quase nada mudou. Infelizmente. Mas a maneira como falamos sobre ra�a e racismo est� mudando parcialmente, porque a internet quebrou v�rias barreiras e permitiu que escritores negros escrevessem sobre suas experi�ncias. Esse tipo de meio democratiza a fala e estamos falando disso de forma diferente, somos todos parte desse esfor�o. Mas n�o acho que isso tenha se traduzido em mudan�as sist�micas.
(foto: Roberto Schmidt/AFP)

'O que vimos no Capit�lio em 6 de janeiro come�ou na internet e acabou se tornando uma insurrei��o real, na vida real. Ent�o precisamos ficar atentos ao fato de que a internet n�o existe apenas como espa�o virtual'


Quais s�o as mudan�as mais relevantes na discuss�o sobre racismo desde que a internet se tornou um espa�o p�blico de discuss�o?
A internet � vital, precisamos encar�-la como se fosse vida real, porque ela � cada vez mais importante n�o s� para o trabalho antirracista, mas para o racismo. Temos uma esp�cie de oposi��o de for�as que encontra for�a na internet. O antirracismo cresce na internet, mas a atividade de brancos supremacistas racistas tamb�m, eles conseguem recrutar e espalhar suas propagandas. Por isso � um espa�o no qual precisamos prestar aten��o. O que vimos no Capit�lio em 6 de janeiro (invas�o do Congresso por aliados de Donald Trump, com cinco mortos) come�ou na internet e acabou se tornando uma insurrei��o real, na vida real. Ent�o precisamos ficar atentos ao fato de que a internet n�o existe apenas como espa�o virtual, ela � muito importante e impacta o que ocorre na vida real.

Por que � t�o dif�cil para pa�ses que tiveram economias baseadas na escravid�o durante tanto tempo compreender o racismo estrutural?
A raz�o � deliberada. N�o � uma incapacidade de entender, � que a compreens�o do racismo foi deliberadamente tirada da gente. Quando voc� tem uma hist�ria de escravid�o, sociedades onde pessoas eram vendidas e compradas, voc� tem um sistema econ�mico constru�do em torno de um violento racismo. N�o � poss�vel dissociar a escravid�o do sistema econ�mico, pol�tico e cultural baseado em um racismo violento. Para manter esses sistemas funcionando, em vez de refaz�-los, fomos ensinados que o racismo n�o est� no sistema, que o racismo se foi com o fim da escravid�o. Mas as pessoas que faziam dinheiro com a explora��o de popula��es de cor, em especial os corpos ind�genas e negros, ainda t�m o poder e constroem sistemas que asseguram que tenham lucros. N�s somos as pessoas exploradas para que eles tenham lucro. Mas se voc� disser que isso acabou com o fim da escravid�o, ent�o voc� n�o tem que desistir desse poder e reestruturar o sistema. Na escola, somos ensinados que n�o houve racismo na maneira como se deu a transi��o da escravid�o para o nosso sistema atual, nosso sistema econ�mico, agr�cola. � muito deliberado. Espero que as pessoas entendam que n�o quer dizer que elas n�o s�o espertas se n�o entendem, e sim que nosso sistema educacional foi desenhado para abrigar essas ideias.
(foto: Mauro Pimentel/AFP - 21/6/18)

'As pessoas pobres no Brasil, as oprimidas e exploradas, est�o falando sobre o que acontece com elas, mas s�o caladas o m�ximo poss�vel. Eu diria: procure, ajude essas vozes a serem ouvidas'


O Brasil � um pa�s que acredita no mito da democracia racial. Por sermos muito misturados, �s custas da viol�ncia do estupro durante a escravid�o e por acreditarmos que o brasileiro tem natureza pac�fica, o que tem se mostrado cada vez menos real, acreditamos tamb�m que n�o h� racismo no pa�s. Que conselhos voc� daria para quem perpetua esse mito?
Uma coisa importante � sempre olhar e categorizar quem tem sido beneficiado pela escravid�o. Porque � claro que, no Brasil, as pessoas n�o foram beneficiadas igualitariamente. Voc� tem uma popula��o dividida por cor e g�nero que n�o foi beneficiada. Quem cresceu e se enriqueceu e quem n�o? � preciso quantificar. Uma das coisas que levam as pessoas a dizerem que n�o existe racismo � que, na verdade, n�o quantificamos. Mas tudo pode ser medido. Podemos medir quem vive em periferias pobres? Quem tem falta de servi�os p�blicos? Quem mais provavelmente ir� para a pris�o? � muito importante quantificar isso, olhar para a hist�ria e se perguntar por que e como o sistema perpetuou isso. Temos que fazer isso, mas tamb�m escutar e entender que se � algo de que n�o ou�o falar, � prov�vel que seja porque as pessoas da minha comunidade n�o s�o impactadas por isso, e esse � um sintoma de racismo. Podemos olhar os n�meros no Brasil e em outros lugares, h� a estratifica��o da popula��o: algumas pessoas est�o muito bem, outras n�o. Boa parte disso tem base racial. Se voc� mora no Brasil e n�o consegue ver, significa que voc� � parte de um substrato social que n�o sofre com isso. A� voc� tem de fazer o seu trabalho, tentar entender e se perguntar: quem n�o estou ouvindo? Porque a verdade � que as pessoas pobres no Brasil, as oprimidas e exploradas, est�o falando sobre o que acontece com elas, mas s�o caladas o m�ximo poss�vel. Eu diria: procure, ajude essas vozes a serem ouvidas.


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