Escritor, que faz 90 anos hoje, reage a declara��es do ministro Paulo Guedes sobre desejo do brasileiro de viver at� os 100: 'Criticar a velhice � estupidez'
Zuenir Ventura comemora seus 90 anos com a reedi��o ampliada do livro
"Minhas hist�rias dos outros" (foto: Daniel Bianchini/divulga��o)
Zuenir Ventura viu a morte de Get�lio Vargas, a viol�ncia da ditadura militar, a tortura, a censura, maio de 1968, a hiperinfla��o dos anos 1980 e a epidemia da Aids, mas nunca imaginou assistir ao Brasil passar pela situa��o atual. “Vivi todas as poss�veis
mazelas
que este pa�s teve. Agora, nunca vivi um momento em que voc� tinha um ac�mulo de
crises
como este que a gente est� vivendo”, conta o autor de “1968: O ano que n�o terminou”.
“Temos crise de sa�de, pol�tica, econ�mica. Parece que todas as crises se concentraram neste momento. Esse cinismo, esse desprezo pela sa�de, isso nem na ditadura, quando houve censura e morte”, afirma o escritor e jornalista. “Nunca vi um desprezo t�o grande pela sa�de, pelo pr�ximo. � chocante, este pa�s, hoje, � um
cemit�rio
.”
ESPANTO
Um dos nomes mais importantes do
jornalismo
brasileiro das �ltimas cinco d�cadas, Zuenir Ventura ainda se espanta com o Brasil. O mineiro, que completa 90 anos nesta ter�a-feira, lamenta que a
velhice
seja vista como problema neste pa�s em que 13% da popula��o tem mais de 60 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE).
Zuenir rebate as declara��es recentes de autoridades brasileiras lamentando o desejo do brasileiro de viver 100 anos. “Criticar a velhice � uma estupidez, porque a outra alternativa � n�o chegar l�”, diz, antes de lembrar artistas que se tornaram hist�ricos ao produzir obras-primas ap�s os 70. Giuseppe Verdi comp�s “Otello” aos 73 e Chaplin ainda fazia filmes e filhos aos 80.
“Quero ver se esses economistas todos, com a idade desses g�nios, ter�o obras parecidas com as desses caras que viveram mais de 80 anos”, desafia. “N�o chego a ponto de dizer que a velhice � maravilhosa, tem problemas, claro. Mas sou feliz, porque tenho boa sa�de, tenho meus filhos, meus netos.”
Para celebrar o anivers�rio do escritor, a Editora Objetiva lan�a a reedi��o de “Minhas hist�rias dos outros”, acrescida de novos textos e da atualiza��o de algumas narrativas da publica��o original, de 2005.
Entre as novidades mais marcantes da nova edi��o est� a atualiza��o de “A saga de uma testemunha”, texto de Ventura a respeito de como assumiu a tutela de Gen�sio Ferreira da Silva, menino de 14 anos que presenciou o assassinato de Chico Mendes.
Testemunha-chave que levou � condena��o dos assassinos, Gen�sio poderia ser morto se permanecesse no Acre. Por isso, Ventura decidiu, com permiss�o judicial, lev�-lo para o Rio de Janeiro. V�tima de um trauma ainda muito jovem, Gen�sio deu trabalho ao longo dos anos, sucumbindo � depend�ncia alco�lica e � depress�o.
Quando Zuenir Ventura escreveu o primeiro texto, o rapaz vivia um de seus momentos complicados. Na atualiza��o para a nova edi��o, Gen�sio estava bem e prestes a se casar.
“Digo que � a hist�ria mais sofrida e dif�cil de contar, porque terminava para baixo, eu me perguntava onde foi que errei. Mas o telefonema dele dizendo que estava noivo e, sobretudo, que tinha deixado de beber foi a melhor coisa. A grande hist�ria dessa edi��o � esta: Gen�sio resiste”, garante.
DRUMMOND
Uma das p�rolas do novo livro � a entrevista concedida pelo poeta Carlos Drummond de Andrade quando Ventura era diretor da sucursal da revista Veja, no Rio de Janeiro. Primeiro, o jornalista n�o acreditou que o poeta, avesso a entrevistas, pedia para ser entrevistado. Achou que era trote. Depois, precisou convencer o editor de que Drummond, sim, era um grande poeta e valia a entrevista.
“Drummond tinha ficado muito tempo sem dar entrevistas. Realmente n�o sei, at� hoje, por que ele tinha resolvido dar a entrevista para mim”, comenta.
Tamb�m merece destaque o relato sobre o encontro entre quatro Ant�nios geniais: Callado, Candido, Jobim e Houaiss. Zuenir Ventura foi o respons�vel por conduzir a conversa, que costuraria o document�rio de Dod� Brand�o, filmado em 1993. “Para mim, foi uma surpresa e muito divertido, porque eram todos muito engra�ados”, lembra.
Ele detesta escrever. Meio por acaso, Zuenir acabou numa reda��o de jornal e precisou do empurr�o consider�vel da mulher, Mary, para colocar “1968: O ano que n�o terminou” no papel. Sorte dos leitores.
“Minhas hist�rias dos outros” traz encontros memor�veis do autor com personalidades brasileiras, de Glauber Rocha a Rubem Fonseca, com textos sobre momentos emblem�ticos da hist�ria do Brasil.
“MINHAS HIST�RIAS DOS OUTROS”
De Zuenir Ventura
Editora Objetiva
194 p�ginas
R$ 59,90
Gen�sio Ferreira da Silva no document�rio sobre a sua saga (foto: Bruno Kelly/Amaz�nia Real)
O menino her�i
Zuenir Ventura salvou a vida do garoto Gen�sio Ferreira da Silva, cujo depoimento foi fundamental para a condena��o a 19 anos de pris�o dos assassinos do seringalista acreano Chico Mendes (1944-1988) – o fazendeiro Darly Alves, mandante da execu��o, e o filho dele, Darcy Alves Ferreira, autor dos tiros de escopeta. Chico era conhecido internacionalmente por lutar contra o desmatamento e a favor da preserva��o da floresta.
Jurado de morte, o menino, de 14 anos, foi acolhido pelo jornalista, que o levou para morar com sua fam�lia no Rio de Janeiro, onde ficou at� completar 18 anos.
Essa hist�ria � contada no document�rio “Gen�sio – Um p�ssaro sem rumo: a �nica testemunha do caso Chico Mendes”, dirigido por Maria Fernanda Ribeiro, autora do roteiro em parceria com Carlos Eduardo Magalh�es. A fotografia � de Bruno Kelly. O filme pode ser assistido no canal da Amaz�nia Real no YouTube.
Gen�sio, que hoje tem 46 anos, lan�ou o livro “P�ssaro sem rumo: Uma Amaz�nia chamada Gen�sio”, com a colabora��o do jornalista Elson Martins e de Zuenir Ventura. A publica��o � da Editora Instituto Vladimir Herzog.
Zuenir Ventura e o garoto Gen�sio, no Acre, nos anos 1980 (foto: Reprodu��o)
Duas perguntas para Zuenir Ventura
jornalista
O Brasil da pandemia causa espanto ao senhor?
Para mim, a Aids foi uma coisa muito dif�cil, perdi muitos amigos, mas o que est� havendo agora, as estat�sticas s�o 40 vezes mais mortes em um m�s do que a Aids. � um momento muito dif�cil. Sou otimista, pessoalmente estou muito feliz, mas voc� n�o pode ser totalmente feliz no pa�s que hoje � um cemit�rio, nunca vi enterrarem tanta gente. Economistas e tecnocratas falam muito mal da velhice, que n�o � produtiva. Paulo Guedes, com aquela declara��o pol�mica criticando e debochando que brasileiro quer viver 100 anos... � f�cil elogiar a primavera, agora o outono tem uma beleza tamb�m, quando voc� tem olhos pra ver.
Em mais de 50 anos de jornalismo, o que mais chama a aten��o do senhor na maneira como se trabalha a not�cia no s�culo 21?
A gente est� vivendo um momento dif�cil no jornalismo, com um governo que despreza e, se pudesse, mandava fechar os jornais. As entidades jornal�sticas reclamam muito de como estamos sendo tratados pelo poder, tudo � culpa do jornalismo. Eu acho que a gente vive um momento heroico, porque fazer jornalismo � muito dif�cil. N�o s� porque a realidade est� muito desagrad�vel de ler e de ver. Hoje, o emiss�rio da m� not�cia � o culpado pela m� not�cia. At� o leitor, ou ouvinte, diz que n�o aguenta ver tanta mis�ria. Como se a gente escolhesse. Vivemos momentos muito dif�ceis, mas o que a gente vive hoje � dif�cil porque os objetos do nosso trabalho s�o muito ruins. O leitor reclamava muito, na �poca da ditadura, que a gente s� dava boas not�cias, mas �ramos obrigados a dar, a censura cortava as m�s not�cias. A gente vive sempre sendo culpado por alguma coisa.