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Estado de Minas LITERATURA

Drama humano nas varas de fam�lia inspira a ju�za e escritora Andr�a Pach�

A autora dos livros 'A vida n�o � justa' e 'Segredo de Justi�a' participa da edi��o on-line do projeto Sempre um papo, nesta quinta-feira � noite


10/06/2021 04:00 - atualizado 10/06/2021 07:20

(foto: Reprodução)
(foto: Reprodu��o)

"O afeto passou a ser elemento estruturante no direito das fam�lias"


Lan�ado em 2012, o romance “A vida n�o � justa” (Editora Intr�nseca) – o primeiro da trilogia “Segredo de Justi�a” e “Velhos s�o os outros” (finalista do Pr�mio Jabuti) – segue firme no ranking dos 100 livros mais vendidos da Amazon. Cr�nicas envolvendo personagens ficcionais foram constru�das com profundo realismo, extra�das de um observat�rio privilegiado: a autora � a magistrada carioca Andr�a Pach�, com 27 anos de carreira, que j� realizou mais de 20 mil audi�ncias. 

Depois de atuar por duas d�cadas � frente da Vara de Fam�lia, agora ela se dedica � Vara de Sucess�es e Curatela. Com extrema sensibilidade, Andr�a Pach� transporta para as cr�nicas a dimens�o humana do desamparo diante da paix�o e da morte, sentimentos universais que est�o no cerne dos julgamentos. Enquanto “A vida n�o � justa” aborda as rupturas judicializadas entre casais, “Segredo de Justi�a” versa sobre as rela��es interparentais envolvendo a guarda de filhos. “Velhos s�o os outros” fala sobre o fim da vida, o envelhecimento.

Nesta quinta-feira (10/06), �s 19h, Andr�a Pach� estar� ao vivo no Sempre um Papo, com Afonso Borges, em live com transmiss�o no YouTubeInstagram Facebook do projeto.

"Estamos falando de um pa�s que se fortalece a partir da Constitui��o de 1988. Infelizmente, j� vemos uma rea��o muito grande e tentativa grande de retrocesso"



De onde veio a inspira��o para o t�tulo do livro “A vida n�o � justa”, o primeiro de uma trilogia?
Durante 20 anos, fui ju�za numa vara de fam�lia. E todos os dias em que ia para o f�rum para as audi�ncias, percebia as hist�rias riqu�ssimas para contar. Havia uma expectativa grande de que a justi�a fosse feita na hora das rupturas amorosas. E a gente olha para aquilo e constata que, no fim do amor, n�o tem justi�a. L�gico, havia a expectativa de justi�a, porque afinal os casais procuraram o Judici�rio. Mas foi experi�ncia n�o s� do exerc�cio da magistratura, mas uma reflex�o sobre o desemparo de nossa condi��o humana. Conflitos que eram t�o densos, t�o humanos e tinham essa interface com a minha experi�ncia dupla, porque, antes de ser ju�za, fui roteirista de cinema. Eu tinha um grupo de roteiro orientado pelo (dramaturgo mineiro) Alcione Ara�jo (1945-2012). Ele, inclusive, escreveu o pref�cio para “A vida n�o � justa” e morreu no dia seguinte ao lan�amento do livro. Escrevi a vida inteira, mas o exerc�cio permanente da escrita foi experi�ncia que nasceu nesse curso de roteiro, ficamos mais de cinco anos nos reunindo, discutindo textos e fazendo leituras. Quando me voltei para a magistratura, fiz um concurso, vi o quanto havia sido rica essa experi�ncia para me ajudar a enxergar a densidade dos dramas humanas que chegam �s audi�ncias.

Quais eram as situa��es mais frequentes nessa trajet�ria na vara de fam�lia? A senhora identificou algum padr�o, uma repeti��o de hist�rias nas rupturas?
As hist�rias que escrevi s�o todas de fic��o com um olhar na realidade, pois ningu�m escreve fic��o do nada, mas a partir de nosso olhar do mundo. E o que tentei fazer foi contar as hist�rias universais, porque todo mundo experimenta a dor das rupturas de forma individualizada, muito subjetiva. Mas h� um padr�o que irmana essas pessoas no sentimento. Eu identificava com muita clareza quando lia “Fragmento de um discurso amoroso”, de Rolland Barthes (1915-1980), que faz os repentes do sujeito enamorado, como se apaixona, a linguagem, o significado de cada palavra. Eu conseguia ver aquilo ao vivo. Apesar da experi�ncia do amor ser individual e subjetiva, a ruptura tem um padr�o muito parecido para todas as pessoas. Embora esse padr�o fosse repetido, o momento do encantamento e da paix�o, embora j� soub�ssemos que as rupturas chegariam em algum momento pelo desgaste do cotidiano ou pelo fim do amor, cada hist�ria era contada de maneira �nica como se nenhum padr�o existisse. E o que mais me impressionava era o sentimento de fracasso, quando as pessoas n�o conseguiam manter um relacionamento em que havia a expectativa de que deveria durar por toda a vida. Quando, na verdade, n�o h� nada de errado. Eu disse isso muitas vezes aos casais: n�o pode ser de fracasso essa sensa��o. Ao contr�rio, voc� conseguir manter uma rela��o amorosa, viver o projeto de vida a dois, projetar o futuro, idealizar a fam�lia, tudo isso � um projeto humano de vida e n�o fracassa porque o amor chega ao fim. O meu olhar era especialmente para o fim do amor, porque eram essas as experi�ncias que chegavam ao fim. O padr�o, ent�o, era o desamparo: “como isso ocorreu comigo e s� comigo”. Um sentimento muito angustiante. Tem algumas hist�rias tamb�m de recome�os, de reconcilia��es, mas em n�mero muito menor. E tamb�m hist�rias de encontros, porque tamb�m fiz casamentos. Mas como foi escrito ao longo de muitos anos e a sociedade mudou muito at� 2012, que foi quando publiquei, � tamb�m poss�vel acompanhar as transforma��es dos comportamentos e rela��es afetivas ao longo do tempo.

O que a senhora aponta como a maior transforma��o na sociedade nas �ltimas d�cadas?
O afeto passou a ser elemento estruturante no direito das fam�lias. A possibilidade de um padrasto inserir um nome no registro de nascimento sem excluir o nome do pai, as rela��es homoafetivas – disso eu quase n�o tenho hist�rias, porque h� dez anos essas rela��es ainda n�o tinham chegado na vara de fam�lia para o desenlace, n�o era ainda nem reconhecido o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A ado��o, a igualdade entre filhos, a igualdade de g�nero, essas transforma��es todas s�o recentes. Estamos falando de um pa�s que se fortalece a partir da Constitui��o de 1988. Infelizmente, j� vemos uma rea��o muito grande e tentativa grande de retrocesso. Tudo o que conseguimos construir em termos de democracia em direitos das fam�lias foi a partir da liberdade e o afeto. Ent�o, precisamos preservar esses valores para impedir o retrocesso social, como a redu��o da mulher � condi��o de m�e e cuidadora. O que n�s conseguimos foram avan�os significativos na perspectiva dos direitos humanos e fundamentais. � preciso preservar esses valores.


"O fato de a ju�za ser mulher n�o necessariamente significa que ela tamb�m n�o ser� machista, pois ela se insere numa sociedade estruturada machista"



Tamb�m em “Segredo de Justi�a” e “Velho s�o os outros” � retomada a tem�tica do desamparo da condi��o humana diante do que acredita ser um fracasso...
O amor eterno fracassado, as rela��es familiares fracassadas e a eternidade da vida fracassada. Na verdade, esses livros come�aram a circular com mais for�a entre os psicanalistas do que entre os juristas. As hist�rias est�o centradas nos aspectos humanos. Tem uma hist�ria que se chama “Fala quem pode”, a que mais gostei de escrever, que d� bem o sentimento dessa nossa condi��o humana t�o prec�ria, t�o contradit�ria e t�o bonita, porque apesar disso, apesar do fim, apesar das frustra��es, o ser humano tem capacidade de amar, de se apaixonar e de desejar a eternidade. Adorei escrever essas hist�rias. “Fala quem pode” � a hist�ria de uma m�e, j� idosa, que acompanha a filha numa audi�ncia de separa��o consensual, que era para ser algo muito simples. � uma hist�ria quase silenciosa, mas que tem a densidade da ang�stia desse momento.

Eram frequentes nos processos de fim de rela��o situa��es envolvendo viol�ncia, principalmente contra a mulher?
Tem hist�rias que envolvem viol�ncia, mas tive muito cuidado para n�o escrever nada que pudesse expor algu�m. Trabalhei isso com muito cuidado. Mas foi curioso porque comecei a receber mensagens de pessoas me cobrando que escrevesse a hist�ria delas. As hist�rias apresentam muitos cortes. H� cortes et�rios, sociol�gicos, porque hist�rias foram escritas em momentos diferentes e a sociedade mudou muito rapidamente nos �ltimos 20 anos. Mas o que sou aparece naquelas hist�rias. O meu filho, � �poca, me perguntava: “Quando voc� vai escrever uma hist�ria que o homem ganha no final?”. As minhas hist�rias todas protegiam as mulheres. � claro que isso n�o foi deliberado, mas eu sou uma mulher feminista. Ent�o, meu texto e meu atuar profissional � feminista. Ent�o isso aparece. Eu n�o fa�o isso julgando ningu�m. Tento excluir do julgamento moral todas as personagens que construo, porque isso tamb�m � uma realidade numa vara de fam�lia. N�o tem bom e mau. Cada um tem as suas raz�es para estar ali. Ent�o, ouvir as raz�es e escrever mesmo sem julgamento revela de um jeito muito claro a sociedade em que vivemos. Ela � estruturada machista, para o homem mandar, para ser o chefe da fam�lia, para a mulher ser mais servil.

"Antes de ser ju�za, fui roteirista de cinema. Eu tinha um grupo de roteiro orientado pelo Alcione Ara�jo"



Como a senhora avalia as den�ncias de machismo estrutural, inclusive em senten�as proferidas por ju�zes homens ao julgar situa��es de viol�ncia contra a mulher?
Infelizmente, o fato de a ju�za ser mulher n�o necessariamente significa que ela tamb�m n�o ser� machista, pois ela se insere numa sociedade estruturada machista, ent�o � um exerc�cio di�rio de compreens�o da necessidade de vencer essa chaga, pois a viol�ncia contra a mulher � um c�ncer, � desesperador. Esse padr�o tamb�m aparece em disputas por heran�a, na rela��o entre irm�os, na hora do testamento quando um pai beneficia mais um filho do que o outro, nas disputas por curatela, quando a pessoa que envelhece tem patrim�nio, h� interesse de todos os filhos, mas quando n�o tem patrim�nio, sobra para as mulheres o cuidado com o envelhecimento. Tudo isso � tamb�m muito revelador, � um ambiente muito rico para compreendermos a sociedade em que vivemos. Ent�o, as tr�s obras trazem um corte de uma sociedade patriarcal, injusta, violenta e desigual, pois conto hist�rias de casais mais abastados e casais mais vulner�veis, e isso d� bem a dimens�o dessa desigualdade. S� percebi depois que as hist�rias estavam escritas que realmente � poss�vel olhar para o nosso pa�s a partir dessas hist�rias. E tem a repeti��o.

Qual � o seu pr�ximo projeto?
N�o consigo n�o escrever. Escrever � a forma como tento organizar o mundo. N�o consigo nem lembrar algum momento de minha vida em que n�o tenha precisado escrever. Estou com dificuldades neste momento da pandemia. � muito dura a experi�ncia de ser brasileira neste momento, � devastadora. Estou com muita dificuldade de escrever fic��o, porque a realidade est� t�o dura, pesada, que tudo parece banal. Acho e espero que isso passe, n�o h� mal que dure para sempre, vamos superar essa dor toda, esse desacerto, pois n�o � s� a pandemia. � a pandemia mais a crise di�ria que tem confrontado a gente. Quando passar, a nossa gera��o vai contar essas hist�rias dessa experi�ncia.


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