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Estado de Minas ESTREIA

S�rie 'Col�nia' aborda o holocausto dos 'indesejados' em Barbacena

Trama revive o horror de jovens gr�vidas, negros, gays, prostitutas e viciados considerados p�rias sociais, trancafiados � revelia na institui��o psiqui�trica


25/06/2021 04:00 - atualizado 25/06/2021 06:59

O negro Raimundo (Bukassa Kabengele) é contido pelos funcionários Juraci (Augusto Madeira) e Ramires (Marco Bravo)
O negro Raimundo (Bukassa Kabengele) � contido pelos funcion�rios Juraci (Augusto Madeira) e Ramires (Marco Bravo) (foto: Marina de Almeida Prado/divulga��o)

N�o h� cor, somente uma sequ�ncia de pretos, brancos e cinzas. “Desde o primeiro momento n�o consegui enxergar esta hist�ria colorida, e hoje vejo que ela n�o teria a mesma pot�ncia se tivesse cor”, afirma o diretor e roteirista Andr� Ristum. Mas n�o h� como pensar em rosas, amarelos ou azuis ao acompanhar a jornada de Elisa, Valeska, Wanda, Raimundo e Gilberto.

Col�nia”, s�rie em 10 epis�dios que estreia nesta sexta (25/6), no Canal Brasil e na Globoplay, recria, por meio da fic��o, aquele que � chamado de “holocausto brasileiro”, t�tulo do livro-reportagem da jornalista mineira Daniela Arbex, lan�ado em 2013. A produ��o se inspirou livremente na obra, que recupera a trajet�ria do Centro Hospitalar Psiqui�trico de Barbacena, conhecido como Col�nia. Cerca de 60 mil pessoas morreram ali em decorr�ncia de maus-tratos, tortura e abandono.

SEM HIST�RICO

A trajet�ria do Col�nia, primeiro hospital psiqui�trico p�blico de Minas Gerais, foi iniciada em 1903, com a fun��o de dar assist�ncia a doentes mentais. Mas ao longo de sua hist�ria o hospital passou a receber os “indesejados” – 70% internos n�o tinham hist�rico de doen�a mental.

O fato chamou a aten��o de Ristum. “O hospital era destino de todo o tipo de pessoas, e isso n�o tem a ver com quest�es psiqui�tricas. Homossexuais, negros, prostitutas, alco�latras, jovens gr�vidas, todos p�rias de uma sociedade racista, patriarcal e desigual”, afirma.

Protagonista da s�rie, Elisa (Fernanda Marques) � uma “indesejada social”. Em 1971, a jovem de 20 e poucos anos que vivia com os pais, fazendeiros do interior de S�o Paulo, � colocada em um trem � sua revelia. No vag�o, h� pessoas vomitando, urinando, chorando. Ele s� � aberto quando chega a seu destino, uma tal Barbacena da qual nunca havia ouvido falar.

Elisa acha que h� um erro. Em r�pida (e r�spida) consulta com o m�dico da institui��o, diz que n�o tem problema f�sico ou mental. O atestado que o doutor tem em m�os, enviado pela fam�lia, diz que n�o � bem assim. Elisa vai ficar ali. Desnorteada, a garota revela que est� gr�vida.

Esse � apenas o in�cio da jornada da personagem, que, a despeito da aus�ncia de transtornos, ser� aprisionada no Col�nia. Fica pr�xima de Wanda (Rejane Faria), mulher mais velha que chegou ao hospital d�cadas antes pela mesma raz�o. E nunca viu o filho que deu � luz naquele lugar.

Elisa observa, de longe, uma das pacientes mais conhecidas do Col�nia. Mulher livre, Valeska (Andr�ia Horta) tinha um caso com o prefeito de Barbacena. Os constantes esc�ndalos resultaram na interna��o. Ela espera com ansiedade os dias de visita �ntima do prefeito – rela��es realizadas com a cumplicidade da dire��o do Col�nia. Est� boa, admite a ele, n�o h� mais raz�o para ficar ali. Mas permanece internada.

Wanda (Rejane Faria) e Elisa (Fernanda Marques) foram trancafiadas no hospício porque ficaram grávidas
Wanda (Rejane Faria) e Elisa (Fernanda Marques) foram trancafiadas no hosp�cio porque ficaram gr�vidas (foto: Marina de Almeida Prado/divulga��o)

ELETROCHOQUE

Fernanda Marques passou por um processo intenso com o preparador de elenco Luiz M�rio Vicente. “Faz�amos exerc�cio de quatro horas em que ouv�amos sons e imagens de pessoas sofrendo, sendo torturadas. Fui presa a uma cadeira com corda para ficar im�vel, para simular eletrochoque”, conta a atriz, que atualmente grava “Um lugar ao sol”, pr�xima novela das 21h da Globo.

Para Fernanda, a cena mais complicada foi a de Elisa na sess�o de eletrochoque. “Tive que tentar pensar como uma pessoa que passou pela situa��o, como ela iria se comportar depois, como andaria. Isso me remeteu � infantilidade, mostrar a personagem desamparada, com falta da fam�lia.”

Ainda que o cen�rio seja mineiro, “Col�nia” foi rodada em um antigo convento, mais tarde tornado faculdade e atualmente fechado, em S�o Paulo. “Antes de come�ar a pr�-produ��o, fui conhecer o hospital e o Museu da Loucura (inaugurado em 1996, no pr�prio Col�nia). Conhecemos internos da �poca que retratar�amos na s�rie e ainda moram l�. Como muita gente era v�tima de viol�ncia cedo, tinha pessoas que chegavam com 12 anos e, depois de 30, 40 anos, n�o sabiam mais quem eram, sem contato com a fam�lia. Ent�o, o Estado se fez respons�vel por cuidar dessas pessoas, que hoje, obviamente, vivem sob condi��es humanas, entram e saem”, conta Ristum.

Nas conversas com internos e a dire��o da institui��o, ficou definido que as filmagens n�o ocorreriam naquele cen�rio. “N�o seria bom para os internos verem algum tipo de recria��o”, explica o diretor. A op��o por ambientar a narrativa no ano de 1971 se deve a algumas quest�es.

“As condi��es desumanas em que as pessoas viviam vieram a p�blico nos anos 1960, com a reportagem da revista ‘O Cruzeiro’. Ent�o, quer�amos mostrar um per�odo em que o que ocorria ali n�o fosse totalmente desconhecido das pessoas”, comenta o diretor, lembrando que na d�cada de 1970 o Col�nia atingiu seu pior momento, chegando a ter 5 mil internos.

“Por �ltimo, tamb�m achamos interessante situar a hist�ria no per�odo da ditadura, pois, de alguma forma, poder�amos relacion�-la com aquele momento do pa�s, com a maneira conservadora, patriarcal e racista com que a sociedade lidava com seus indesej�veis”, completa Ristum. A s�rie, em breve, ter� sua vers�o em longa-metragem.

“COL�NIA”
• S�rie em 10 epis�dios. Estreia nesta sexta-feira (25/06), �s 21h30, no Canal Brasil. Tamb�m hoje a s�rie completa ser� lan�ada na Globoplay. O primeiro epis�dio estar� dispon�vel por sete dias para n�o assinantes.

Reportagem do Estado de Minas denunciou maus-tratos a pacientes em Barbacena
Reportagem do Estado de Minas denunciou maus-tratos a pacientes em Barbacena (foto: Jane Faria/EM/D.A Press %u2013 25/9/79)

Reportagens exibiram os por�es da loucura

O in�cio do debate sobre a reforma psiqui�trica no Brasil data do final dos anos 1970, com o in�cio da redemocratiza��o no pa�s. Mas at� que se tornasse lei, em 2001 – a Lei Federal de Sa�de Mental, de autoria do ent�o deputado Paulo Delgado (PT-MG), que disp�e sobre a prote��o e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial –, foram 12 anos de tramita��o no Congresso.

O horror do Col�nia veio a p�blico em 1961, com imagens do fot�grafo Luiz Alfredo para a revista “O Cruzeiro”. Mas foram as ideias de um italiano, o psiquiatra Franco Basaglia (1924-1980), precursor da reforma psiqui�trica em seu pa�s, que serviram de estopim. Basaglia, que em 1979 esteve algumas vezes no Brasil, visitou o Col�nia, que considerou “um campo de concentra��o nazista”.

O primeiro livro-den�ncia sobre o terror das institui��es de sa�de mental � “Nos por�es da loucura” (1982, Codecri), do jornalista mineiro Hiram Firmino. O t�tulo ser� relan�ado este ano pela Gera��o Editorial.

A obra � resultado da s�rie de reportagens publicada em setembro de 1979 pelo Estado de Minas, vencedora do Pr�mio Esso Regional de Jornalismo. A den�ncia da revista “O Cruzeiro” caiu no vazio e apenas 18 anos mais tarde a imprensa retornou � carga. Ent�o rep�rter deste jornal, Firmino e a fot�grafa Jane Faria estiveram em Barbacena, al�m do Hospital Galba Veloso e do Instituto Raul Soares, ambos em Belo Horizonte.

Foi quase um acaso que levou o rep�rter a Barbacena. Pautado para fazer reportagem sobre a doen�a de Chagas, ele falaria com um especialista da Academia Mineira de Medicina. “Distra�do”, para usar as palavras dele, esqueceu-se do agendamento e marcou entrevista com o ent�o secret�rio de Estado de Sa�de, Eduardo Levindo Coelho.

Chamaram a aten��o do jornalista as ideias progressistas do secret�rio, ao comentar as a��es de Basaglia, que havia destru�do o manic�mio que administrava em Trieste. Firmino perguntou, como quem n�o quer nada, se o secret�rio o autorizava entrar nos hospitais psiqui�tricos p�blicos do estado. Com o OK de Levindo Coelho, foi a campo.

Outra realiza��o mineira que serviu como marco da Luta Antimanicomial foi o curta “Em nome da raz�o” (1979), primeiro filme de Helv�cio Ratton. Em 2016, a escritora Daniela Arbex, em parceria com Armando Mendz, dirigiu o document�rio “Holocausto brasileiro”, produzido pela HBO.


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