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Estado de Minas CINEMA

Mostra re�ne diretores ind�genas que filmam a cultura de seus antepassados

Plataforma Ita� Cultural Play exibe produ��es de realizadores de v�rias etnias, que ocupam seu pr�prio espa�o dentro da cinematografia brasileira


05/07/2021 04:00 - atualizado 05/07/2021 07:12

O cineasta Divino Tserewahú diz que se não tivesse filmado anciões xavantes relatando sua experiência, a tradição %u201Ciria para o caixão junto com eles%u201D(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
O cineasta Divino Tserewah� diz que se n�o tivesse filmado anci�es xavantes relatando sua experi�ncia, a tradi��o %u201Ciria para o caix�o junto com eles%u201D (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press )
O olhar ind�gena por tr�s das c�meras ainda tem pouco destaque no cinema nacional. Os povos origin�rios s�o constantemente registrados a partir das lentes de diretores que n�o compartilham as mesmas viv�ncias das tribos e isso acaba afetando a narrativa sobre essa realidade cultural. Para ser fiel ao car�ter de originalidade, a plataforma Ita� Cultural Play oferece a mostra “Um outro olhar: Cineastas ind�genas”, com filmes de diferentes realizadores, etnias e formas de documentar.

“Essa mostra permite integrar o cinema ind�gena dentro da cinematografia brasileira, coisa que � muito dif�cil de ver. Os filmes ind�genas passam em festivais espec�ficos, n�o s�o muito pensados dentro de um conjunto maior”, descreve a curadora da mostra, J�nia Torres, antrop�loga, documentarista mineira e diretora do festival Forumdoc.BH.

A mostra traz cinco filmes de diretores ind�genas que apresentam diferentes perspectivas sobre a cultura nativa: “Ashiper mulheres” (2011), “Teko Haxy – Ser imperfeita” (2018), “Wai’� Rini, o poder do sonho” (2011), “Y�miyhex? – As mulheres-esp�rito” (2019) e “Zawxiperkwer Ka’a – Guardi�es da floresta” (2019). A sess�o est� dispon�vel desde o lan�amento da plataforma Ita� Play, em 19 de junho.

Guajajara, aw�-guaj�, maxakali, kuikuro, xavante e mby�-guarani s�o as tribos retratadas nos document�rios. As tem�ticas variam em torno das quest�es territoriais, dos rituais e da cosmologia ind�gena. J�lia Torres afirma que a perspectiva � bastante espec�fica e difere do olhar ocidental.

“Os cineastas (ind�genas) conhecem melhor do que ningu�m a realidade das suas comunidades. Quando a gente (n�o �ndio) vai fazer um filme dentro das aldeias, isso passa por um processo de tradu��o, seja lingu�stica ou cultural, que j� � um processo muito complicado. Ent�o, �s vezes, os filmes saem mais superficiais e externos a essas realidades. Apenas os pr�prios realizadores ind�genas podem se aprofundar. Isso faz muita diferen�a no resultado final”, descreve.

Segundo ela, a mostra “Um outro olhar: Cineastas ind�genas” � uma forma de conhecer a diversidade cultural desses povos. “� muito importante, porque sai da representa��o que muitas vezes n�s, ocidentais, temos dos povos ind�genas do Brasil. Esse cinema tem nos proporcionado uma multiplicidade. Cada etnia tem pontos, modos de pensar, de ser e estar no mundo diferenciados, � uma riqueza cultural muito ampla. Ent�o, os filmes s�o muito diferentes entre si”, destaca.

ORALIDADE A transmiss�o dos conhecimentos da oralidade ind�gena � uma das caracter�sticas retratadas nos filmes. Cada cultura tem suas pr�prias cren�as e rituais, que s�o preservados pelos anci�es ao longo dos s�culos. J�nia Torres conta que o cinema se tornou um instrumento de media��o intergeracional das tribos ao contribuir com a preserva��o das suas tradi��es.

“Os velhos (ind�genas), os mais s�bios, querem falar para os jovens cineastas ind�genas. Eles querem ensinar. � muito diferente da rela��o que eles t�m com os cineastas n�o ind�genas, que est�o l� fazendo reportagens, document�rios, mas n�o t�m o interesse de repassar um conhecimento, � superficial”, observa.

*Estagi�rio sob supervis�o do subeditor Eduardo Murta

A presença feminina no universo indígena é abordada em ''As hipermulheres'', filme de Takuma Kuikuro(foto: Vitrine Filmes/divulgação )
A presen�a feminina no universo ind�gena � abordada em ''As hipermulheres'', filme de Takuma Kuikuro (foto: Vitrine Filmes/divulga��o )

Mais do que filmar, � 
preciso compreender


“Wai’� Rini, o poder do sonho” (2011), de Divino Tserewah�, retrata as cerim�nias que introduzem os jovens meninos na vida espiritual do povo xavante, que mora no Mato Grosso, e exp�e alguns mist�rios. As imagens e depoimentos revelam as peculiaridades da celebra��o, em que os homens xavantes devem ficar em p�, saltar e cantar durante todo o dia, em jejum. Na perspectiva cultural da tribo, o sofrimento � uma forma de descobrir “as for�as sobrenaturais”.

“Sonhar � muito importante na vida de um xavante. Atrav�s do sofrimento e desmaios durante a celebra��o, ele pode ver o que vai acontecer no futuro. Quando ele conta o que sonhou, realmente acontece. Ele tamb�m pode encontrar aqueles que faleceram nesses sonhos. Por isso � importante sofrer muito. Durante a festa Wa'ia Rini, quem mais sofre sonha mais e tem mais for�a”, relata um dos anci�es em depoimento presente no longa.

Divino Tserewah� participou, em 1987, da inicia��o de Wai’� Rini – que ocorre a cada 15 anos, aproximadamente. Na edi��o seguinte, ele resolveu gravar enquanto participava da celebra��o na fun��o de guarda – impedindo que as mulheres fornecessem �gua aos jovens xavantes durante o ritual.

MEM�RIA O document�rio valoriza a mem�ria e a preserva��o dos ensinamentos dos mais velhos, pensando nas futuras gera��es xavantes. O diretor focou nos depoimentos dos anci�es, incluindo seu pr�prio pai. Animados com a possibilidade de eternizar seus ensinamentos, eles contribu�ram com a produ��o, como se representassem a fun��o de um diretor coadjuvante. O registro teve seu valor real�ado quando, em 2020, a tribo perdeu 12 desses integrantes mais velhos em decorr�ncia da pandemia de COVID-19.

“Se eu n�o aceitasse a participa��o deles, toda a mem�ria, a ideia e o conhecimento deles ia para o caix�o junto com eles. Como ainda estavam vivos, eu registrei toda a mem�ria e a sabedoria deles, que v�o permanecer para sempre, para o futuro da nossa gera��o”, comenta Divino Tserewah�, de 47 anos. “Fica a lembran�a desse trabalho na plataforma (Ita� Play) e sinto saudade quando assisto.”

“Wai’� Rini, o poder do sonho” (2001) conquistou o Pr�mio Nacionalidade Kichwa no 4º Festival Continental de Cinema e V�deo das Primeiras Na��es de Abya Yala, no Equador. “A gente fica contente, porque somos n�s mesmos que estamos levando agora (as narrativas dos �ndios). Antigamente, n�o t�nhamos isso, a pessoa n�o ind�gena vinha registrar as coisas e levava falando tudo errado. Isso a gente n�o aceita mais”, destaca Divino.

Cultura ancestral é registrada em ''Yamiyhex %u2013 As mulheres-espírito'', de Sueli Maxakali e Isael Maxakali(foto: Reprodução )
Cultura ancestral � registrada em ''Yamiyhex %u2013 As mulheres-esp�rito'', de Sueli Maxakali e Isael Maxakali (foto: Reprodu��o )


C�mera na m�o desde os 15 anos

Divino Tserewah� lembra que, anteriormente, os povos ind�genas n�o tinham como registrar seus costumes e a hist�ria era transmitida oralmente. Aos 15 anos, ele come�ou a fazer seus pr�prios filmes para retratar as viv�ncias do povo xavante e foi o primeiro cineasta formado pelo projeto V�deo nas Aldeias – que desde 1987 promove o “encontro do �ndio com sua imagem” ao fomentar a produ��o audiovisual de maneira aut�noma nas aldeias.

“Quando me integrei nesse projeto, foi abrindo a minha ideia e olhares sobre v�rios povos ind�genas do Brasil. A trajet�ria tamb�m foi um desafio para o meu conhecimento sobre a comunica��o visual e o registro da causa ind�gena. O V�deo nas Aldeias, para mim, � uma raiz”, diz. Ele ressalta a import�ncia do olhar ind�gena por tr�s das c�meras ao retratar sua realidade por meio de uma analogia.

“Se eu fizer um filme da Austr�lia, sobre a cultura australiana, eu n�o vou entender nada. S� vou ver uma coisa linda, bacana e vou filmando sem saber o que significa isso. � igual”, compara. Divino afirma que as pr�prias tribos contar suas pr�prias hist�rias faz uma enorme diferen�a.

“Essa perspectiva ajuda muito na divulga��o de v�rias culturas ind�genas, porque � tanta diversidade cultural no Brasil. Os brasileiros, que est�o aqui desde 1500, ningu�m sabe (dessa diversidade), � desconhecido. Acho que � melhor n�s mesmos, ind�genas, fazermos essa divulga��o para quem n�o entende, n�o conhece a cultura ind�gena.”

Para ele, um n�o ind�gena descreve o que viu, mas sem saber interpretar o que se passa. “Como n�s estamos com a c�mera em nossa m�o, n�s mesmos temos de mostrar a nossa realidade, falar sobre nossa luta”, completa.

RECONHECIMENTO

J�nia Torres conhece o trabalho de Divino desde seu primeiro curta-metragem, “Obrigado, irm�o” (1998). Desde ent�o, o cineasta participou de diversas edi��es do Forumdoc.BH, at� mesmo como membro do j�ri. Todas as suas produ��es foram exibidas no festival mineiro. Ao incluir diretores ind�genas na plataforma do Ita� Play, a curadora acredita que faz um movimento de reconhecimento da import�ncia dessa cinematografia.

“� dar visibilidade a esses novos autores, a esse novo protagonismo do cinema brasileiro. Por meio da plataforma, a gente coloca esses filmes em p� de igualdade com todos os cineastas j� conhecidos da cinematografia mais cl�ssica”, avalia J�nia Torres. A mostra “Um outro olhar: Cineastas ind�genas” fica dispon�vel permanentemente na plataforma Ita� Play e o cat�logo ser� atualizado regularmente, incluindo outros diretores.

MOSTRA “UM OUTRO OLHAR: CINEASTAS IND�GENAS”
Filmes: “As hipermulheres” (2011), de Takum� Kuikuro; “Teko Haxy – Ser imperfeita” (2018), de Patr�cia Ferreira Par� Yxapy e Sophia Pinheiro; “Wai’� Rini, o poder do sonho” (2011), de Divino Tserewah�; “Y�miyhex? – As mulheres-esp�rito” (2019), de Sueli Maxakali e Isael Maxakali; e “Zawxiperkwer Ka’a – Guardi�es da floresta” (2019), de Jocy Guajajara e Milson Guajajara. Informa��es: itauculturalplay.com.br.


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