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Estado de Minas LITERATURA

Escritor Jos� Eduardo Agualusa ensina a ler o 'subversivo' E�a de Queiroz

Livros do autor portugu�s seriam condenados � fogueira pelo governo Bolsonaro, diz angolano, o convidado desta ter�a (17/08) do projeto 'Letra em cena'


17/08/2021 04:00 - atualizado 17/08/2021 00:00

O escritor angolano José Eduardo Agualusa é o convidado desta terça do projeto
O escritor angolano Jos� Eduardo Agualusa � o convidado desta ter�a do projeto "Ler em cena" (foto: Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press)

"O romance ('A rel�quia') me parece extremamente atual ao denunciar, com uma ironia feroz, a hipocrisia de um certo fundamentalismo crist�o, ultrapuritano, que sufocava a sociedade portuguesa no s�culo 19, e sufoca nos dias de hoje a sociedade brasileira"

Jos� Eduardo Agualusa, escritor


Ele morreu h� 121 anos, completados ontem, 16 de agosto, mas continua atual – para n�o dizer atual�ssimo. O escritor portugu�s E�a de Queiroz chocou a gente de seu tempo ao abordar o incesto, ironizar o fundamentalismo crist�o e denunciar a hipocrisia do clero, o que lhe rendeu a ira da Igreja Cat�lica. Era vision�rio e subversivo, diz o autor angolano Jos� Eduardo Agualusa, convidado a analisar a obra de E�a pelo projeto on-line “Ler em cena on-line”, que ser� realizado nesta ter�a-feira (17/08).

Quando tinha 13 anos, Agualusa conheceu E�a – a m�e lhe deu “Os Maias” para ler. O menino se apaixonou de tal maneira por aquele escritor que devorou toda a obra dele nas semanas seguintes.

“Sempre encontro ideias novas. Sempre acabo rindo �s gargalhadas. Nenhum outro escritor me trouxe tanta alegria”, revela o angolano, de 60 anos, considerado um dos autores contempor�neos mais importantes da l�ngua portuguesa.

DESEJO 

N�o poderia haver algu�m mais indicado para participar de um evento chamado “Como ler E�a de Queiroz”. Afinal de contas, Agualusa abra�ou o of�cio por causa dele. “Seu talento liter�rio despertou em mim o desejo de escrever. Se sou escritor hoje, devo isso a E�a de Queiroz.”

Esse homem do s�culo 19, que foi jornalista, diplomata e pioneiro da literatura realista em Portugal, tem muito a dizer ao mundo tecnol�gico do s�culo 21. N�o ficou datado. O livro “A rel�quia”, lan�ado em 1887, � exemplo disso. “O romance me parece extremamente atual ao denunciar, com uma ironia feroz, a hipocrisia de um certo fundamentalismo crist�o, ultrapuritano, que sufocava a sociedade portuguesa no s�culo 19, e sufoca nos dias de hoje a sociedade brasileira”, comenta Agualusa.

“A rel�quia” conta a hist�ria de um rapaz ateu que decide fazer peregrina��o � Terra Santa para conquistar a simpatia da tia puritana, devota e mi- lion�ria. Quando chega � Palestina, ele cai na esb�rnia em bord�is e cabar�s. E se d� mal ao trazer um presente para a tia rica: no lugar da santa rel�quia, entrega a ela a calcinha da garota por quem se apaixonara na Terra Santa.

“Uma rel�quia, pois, mas n�o muito santa”, diverte-se Agualusa. “Um romance que se chegasse ao conhecimento deoa Bolsonaro, e dos seus patr�es, os fascistas evang�licos, seria imediatamente condenado � fogueira. E�a � subversivo hoje, tanto ou mais do que era no seu tempo”, garante.

Eça de Queiroz é autor de clássicos que dialogam com o século 21(foto: Fundação Eça de Queiroz)
E�a de Queiroz � autor de cl�ssicos que dialogam com o s�culo 21 (foto: Funda��o E�a de Queiroz)

ECOLOGIA 

Outro exemplo de que E�a de Queiroz dialoga – e bem – com estes tempos em que a destrui��o do meio ambiente imp�e a trag�dia globalizada do clima � “A cidade e as serras”. Trata-se do �ltimo livro escrito pelo portugu�s, publicado em 1901, um ano depois da morte dele.

“� um romance precursor daquilo que hoje se chama ecoliteratura, fazendo a apologia do mundo rural por oposi��o � civiliza��o industrial”, diz Agualusa, que estudou agronomia e silvicultura em Portugal. “E�a foi capaz de prever muitas das inconsist�ncias, dos erros e dos crimes da revolu��o industrial, que conduziu o planeta at� a situa��o dram�tica em que estamos hoje. Nesse sentido, foi tamb�m um vision�rio.”

“A rel�quia” e “A cidade e as serras” s�o exemplos de que vale a pena conhecer outros livros de E�a de Queiroz (cujo sobrenome tamb�m � grafado Queir�s) al�m de “Os Maias”, que rendeu �tima miniss�rie lan�ada pela TV Globo, em 2011, em parceria com o canal portugu�s SIC. Maria Adelaide Amaral assinou a trama, livremente inspirada tanto no cl�ssico publicado em 1888 quanto em “A rel�quia” e “A capital”.

Indagado sobre o seu “E�a de cabeceira”, Agualusa revela que continua relendo “Os Maias”, mas tamb�m recomenda “A cidade e as serras” e “A rel�quia”.

“Um livro est� vivo enquanto for capaz de incomodar. Os romances do E�a continuam a incomodar e a suscitar debate e interroga��es. Pense n’ “Os Maias”, que trata de um tema t�o inc�modo quanto o incesto: dois amantes descobrem que s�o irm�os, mas nem por isso deixam de transar”, comenta.

“Na��o crioula”, livro de Agualusa lan�ado em 1997, � uma homenagem do disc�pulo ao mestre. O romance epistolar traz cartas de Fradique Mendes, personagem de E�a, abordando escravid�o, racismo, o amor de um portugu�s por uma ex-escrava e o impacto do colonialismo sobre o Brasil e a �frica, sobretudo Angola.

“O racismo � um subproduto do pensamento escravista. Para entender o racismo � preciso olhar para o passado. Acho que 'Na��o crioula', ao nos levar at� esse passado, n�o t�o distante, ao mergulhar na mentalidade das pessoas dessa �poca, escravocratas, escravos e abolicionistas, nos ajuda a compreender o presente”, diz o autor.

Agualusa trouxe para sua fic��o fatos hist�ricos do s�culo em que E�a de Queiroz viveu. “A protagonista feminina, Dona Ana Ol�mpia, � baseada em Ana Umbertali, uma das mulheres mais ricas de Angola no s�culo 19. “O interessante � que Dona Ana chegou a Luanda como escrava. No s�culo 19, Luanda tinha uma forte burguesia negra e mesti�a – antigas fam�lias urbanas –, que havia enriquecido sobretudo com o com�rcio de escravos”, conta.

Outra inspira��o veio da poderosa mesti�a Ana Joaquina, dona de grandes propriedades em Angola e no Brasil. “Essa � at� hoje uma figura bem conhecida em Angola. O Pal�cio de Dona Ana Joaquina acolhe hoje o Tribunal de Luanda”, comenta.

Agualusa revela que gostaria de reescrever este romance. H� alguns anos, o escritor usou “Na��o crioula” como base para o roteiro encomendado pelo cineasta Andrucha Waddington, diretor dos filmes “Casa de areia” e “Eu, tu, eles”. “Acabei encontrando algumas solu��es melhores do que aquelas que est�o no livro. A protagonista feminina poderia crescer mais, � uma personagem fascinante, muito rica e complexa.”

Africano, pai de tr�s filhos negros – de 3 a 24 anos –, Agualusa acredita que a sociedade t�o criticada por E�a de Queiroz no s�culo 19 est� evoluindo. Para ele, o movimento antirracista Black Lives Matter, que tem mobilizado o mundo, “s� peca pelo atraso”. Comenta que os filhos mais velhos t�m mentalidade mais avan�ada do que sua gera��o no que diz respeito ao racismo, ao feminismo, e o respeito pela diversidade sexual.

“Aprendo muito com os meus filhos. Essa juventude justifica o meu otimismo. Obviamente, todos os grandes avan�os �ticos e filos�ficos suscitam movimentos de inquieta��o e de rea��o. Por vezes esses movimentos conseguem alcan�ar o poder e protagonizam s�bitos recuos civilizat�rios. � o que est� acontecendo hoje no Brasil, para susto e desgosto do mundo inteiro”, afirma Agualusa. “A boa not�cia � que esses movimentos est�o condenados ao fracasso, como sempre aconteceu ao longo da hist�ria.”

BRASIL

“Os b�rbaros n�o vencer�o”, garante Agualusa, otimista em rela��o aos brasileiros. “O Brasil � um pa�s aben�oado pela alegria e pelo otimismo africano. Ser� essa por��o africana a salvar o Brasil – atrav�s da m�sica, atrav�s do riso, atrav�s do sexo, atrav�s da for�a revolucion�ria do amor.”

Autor de “A sociedade dos sonhadores involunt�rios” (2017), Agualusa diz que o sonho � mais necess�rio do que nunca. “Todos os grandes movimentos c�vicos, todas as grandes descobertas come�am com algu�m sonhando. Precisamos criar novas utopias. Nesse meu romance, a revolu��o acontece, o ditador � derrubado no instante em que as pessoas aprendem a sonhar em conjunto – quando elas se juntam para desenvolver o mesmo sonho”, comenta.

“No caso de Angola, caiu mesmo. E a queda dele come�ou quando um grupo de jovens se juntou para ler livros e discutir utopias. Quando um grupo de jovens se juntou para sonhar”, conclui o disc�pulo do vision�rio (e subversivo) E�a de Queiroz.

“LETRA EM CENA ON-LINE:COMO LER E�A DE QUEIROZ”

O escritor Jos� Eduardo Agualusa conversa com o jornalista Jos� Eduardo Gon�alves, curador do programa liter�rio do Centro Cultural Unimed-BH Minas. Nesta ter�a-feira (17/08), �s 20h, com transmiss�o pelo canal oficial do Minas T�nis Clube no YouTube (youtube.com.br/minastcoficial). Gratuito.

 “A REL�QUIA”

(foto: Unesp/reprodução)
(foto: Unesp/reprodu��o)
De E�a de Queiroz
Editora Unesp
256 p�ginas
R$ 50

(foto: Ática/reprodução)
(foto: �tica/reprodu��o)
 “A CIDADE E AS SERRAS”

De E�a de Queiroz
Editora �tica
224 p�ginas
R$ 25

“OS MAIAS”

De E�a de Queiroz
Editora Garnier
530 p�ginas
R$ 89


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