
O enredo � simples: velho matador de aluguel, cansado e desejoso da aposentadoria, se esconde no interior da
Bol�via
ap�s mais uma execu��o, antes de partir para o Paraguai em busca da �nica filha, que nunca conheceu. No entanto, h� v�rias camadas na narrativa linear e com poucos elementos de “
King Kong en Assunci�n
”, do cineasta pernambucano
Camilo Cavalcante
, que estreia nesta quinta-feira (2/09) em Belo Horizonte.
ENTORNO
Uma das camadas est� no hibridismo da linguagem entre o ficcional e o documental. Cavalcante explica que se trata de narrativa com um fio dram�tico, mas perme�vel aos acontecimentos do entorno. “T�nhamos um roteiro em m�os, mas est�vamos abertos ao que pudesse acontecer”, diz, citando a cena em que o protagonista, ao sair do mercado, depara com um cortejo acompanhado por soldados, no qual segue o caix�o com o corpo de um homem.
“N�o esper�vamos ver aquilo, n�o estava programado, mas entrou. No percurso, a gente foi descobrindo muita coisa que n�o estava prevista, mas se encaixava. Isso amplia os sentidos de interpreta��o da narrativa. � estar aberto � vida. Por isso, acho que tem uma certa hibridez: � fic��o, mas a vida entra ali, traz vi�o para a narrativa ficcional”, completa.
Quando fala em percurso, o diretor alude �s v�rias dist�ncias percorridas pela equipe entre a Bol�via e o Paraguai, o que conferiu “clima de aventura” � empreitada, como ele diz.
“O filme come�a no Salar de Uyuni e, a partir dali, a gente vai se deslocando por v�rias regi�es bolivianas antes de chegar ao Paraguai. Isso s� era poss�vel com o 4x4, n�o dava para ser com van. Contamos com o trabalho de produ��o muito bem-feito. Havia risco de chover e de desmoronamento em alguns lugares, mas eram riscos calculados. Percorremos (as loca��es) sem nenhuma intercorr�ncia”, revela.
Filme de baixo or�amento, “King Kong en Assunci�n” foi rodado em quatro semanas. O diretor observa que ele foi viabilizado gra�as � intensa coopera��o entre t�cnicos, artistas e profissionais do Brasil, da Bol�via, do Paraguai e da Argentina.
“Esse formato de coopera��o aboliu as fronteiras e fomentou o olhar cr�tico para evidenciar o quanto temos em comum na hist�ria pol�tica e social latino-americana, cujo enredo foi constru�do de uma forma economicamente perversa e injusta”, diz Cavalcante.
Outra camada do longa � a liter�ria, por meio do texto que pontua a narrativa, escrito por Nat�lia Borges Polesso (vencedora do Pr�mio Jabuti em 2016) e interpretado pela atriz paraguaia Ana Ivanova, que estrelou “Las herederas”, vencedor do pr�mio de melhor filme no Festival de Berlim em 2018. Trata-se de uma narra��o em guarani, a voz onisciente da morte que acompanha o protagonista durante toda a trama.
“S�o tr�s camadas que dialogam: a visual, a sonora e a liter�ria, que vem do texto da Nat�lia, que considero muito denso, com poesia muito profunda. Ela consegue traduzir sentimentos em palavras. A camada liter�ria � muito poderosa, d� outro sentido ao que voc� est� vendo ali, porque permite que voc� v� para o passado, para o futuro, para o devaneio”, diz Camilo. “Essa narrativa leva o espectador aonde ele se deixar levar, propondo o jogo entre imagem e palavra.”
GUARANI
O cineasta chama a aten��o para a pot�ncia da interpreta��o de Ana Ivanova. “Ao colocar a sonoridade, o ritmo e a musicalidade da fala guarani em primeiro plano, ela d� voz a um povo que vem sendo massacrado h� s�culos, v�tima de uma coloniza��o violenta”, diz Cavalcante.
A alma do longa, contudo, �
Andrade J�nior
, que interpreta o velho matador. O ator n�o viu o trabalho conclu�do, pois morreu em 2019, em Bras�lia, v�tima de parada card�aca, dois anos depois do in�cio das filmagens. Camilo Cavalcante destaca que “King Kong en Assunci�n” s� existe por causa dele.
“O filme surgiu por causa do meu encontro com o Andrade J�nior num festival de curtas, em 2007, em Nova Igua�u, na Baixada Fluminense. A gente dividiu quarto, o que � comum nesse tipo de evento. Numa brincadeira, ele fez a performance do homem-gorila”, relembra, evocando a cena em que o matador encarna King Kong. “Aquilo ati�ou minha imagina��o, fiquei impactado. O restante da narrativa veio a partir disso”, completa.
PR�MIOS
� a Andrade que Cavalcante dedica os v�rios pr�mios conquistados pelo longa em festivais – inclusive, o de melhor ator, postumamente concedido. “As premia��es representam para toda a equipe o reconhecimento de um esfor�o, um trabalho, uma integra��o e da energia muito grandes para a realiza��o do filme”, comenta.
“Os pr�mios p�stumos para Andrade J�nior s�o muito merecidos pela intensidade da interpreta��o dele, que � a for�a motriz do longa. Coroa toda a trajet�ria do Andrade no cinema e no teatro, mostra o quanto ele era importante como ator candango. � um filme que nasceu do Andrade. Agora, de certa forma, ele revive nas telas com seu talento e sua pot�ncia”, conclui o diretor.
“KING KONG En ASSUNCI�N”
(Brasil, Bol�via e Paraguai, 2021, 90min. Dire��o de Camilo Cavalcante, com Andrade J�nior, Ana Ivanova e Juan Carlos Aduviri) – Velho matador de aluguel se esconde na regi�o des�rtica da Bol�via. Depois de cometer o �ltimo assassinato, ele viaja para o Paraguai para conhecer a filha. Em cartaz no Cine Belas Artes 2, �s 18h30 e �s 20h20.