Lentes de Thereza Eug�nia revelam a alma da m�sica popular brasileira
Momentos da hist�ria de Caetano Veloso, Gal Costa, Maria Beth�nia e Roberto Carlos, entre outros, est�o registrados no livro da fot�grafa baiana
Em 1970, a lend�ria assessora de imprensa e divulgadora Ivone Kassu (1945-2012) chamou a enfermeira
Thereza Eug�nia
para fotografar um show de
Roberto Carlos
no Canec�o, a mais importante casa de espet�culos do Rio de Janeiro, que funcionou at� 2008 e por onde passaram praticamente todos os artistas da m�sica brasileira e muitos astros internacionais.
Naquela altura, Thereza j� era apaixonada por
fotografia
, por�m n�o tinha equipamento adequado para fazer fotos de shows. A solu��o foi pegar a m�quina profissional do gerente do
Canec�o
emprestada. “Kassu, como voc� manda uma pessoa que n�o sabe nem segurar direito a m�quina para fotografar o Roberto?”, indagou o dono da c�mera.
ROBERTO
Destino � destino. Para al�m da impaci�ncia do gerente com quem estava apenas come�ando, Roberto Carlos – �dolo desde os tempos da Jovem Guarda, e a quem Kassu viria assessorar por quase 40 anos – gostou das fotos de Thereza. E mais: escolheu uma delas para ser capa do LP que lan�aria naquele ano, o que traz a can��o “Jesus Cristo”.
Caetano Veloso posa para Thereza Eug�nia, em 1979 (foto: Fotos: Thereza Eug�nia)
A imagem de Roberto de lado, na penumbra, est� entre aquelas reproduzidas no livro “
Thereza Eug�nia – Portraits 1970-1980
” (Barl�u Edi��es), que a fot�grafa lan�a em edi��o caprichada, com capa dura e papel couch�, organizada por Augusto Lins Soares. � o mesmo designer de “Revela-te, Chico – Uma fotobiografia”, com fotos de Chico Buarque, e “O santo revelado – Fotobiografia de dom Helder Camara”.
As 192 p�ginas trazem fotos de Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Beth�nia (os mais retratados por Thereza), al�m de Roberto Carlos, Gilberto Gil, Chico, Clara Nunes, Rita Lee, Alcione, Ney Matogrosso, Clementina de Jesus, Simone, Raul Seixas, Zez� Motta, Nana Caymmi, Rosinha de Valen�a e Faf� de Bel�m, entre outros.
""Quando Augusto (Lins Soares) me convidou para fazer o livro, deu um tiro certeiro no meu cora��o"
Thereza Eug�nia, fot�grafo
O livro, explica Thereza Eug�nia, foi exig�ncia dos “curtidores”, como ela chama seus 17 mil seguidores no Instagram, rede social na qual est� em contato direto com os f�s, respondendo pacientemente a quem a aborda virtualmente.
“Quando Augusto (Lins Soares) me convidou para fazer o livro, deu um tiro certeiro no meu cora��o. A recep��o est� maravilhosa”, diz, animada.
Nascida no munic�pio baiano de Serrinha, a 175 quil�metros de Salvador, Thereza chegou ao Rio de Janeiro em 1964, aos 25 anos, para trabalhar como enfermeira. Jamais deixou essa profiss�o, que exerceu at� a d�cada de 1990, apesar do of�cio de fot�grafa, com inevit�veis idas noturnas a shows e festas em que os artistas se reuniam. “Era o meu porto seguro. Tinha certa dificuldade de vender meu trabalho (como fot�grafa)”, conta ela, aos 81 anos, com mem�ria afiada e sotaque preservado.
Autodidata, a paix�o pela fotografia come�ou na inf�ncia. Com 11 anos, comprou sua primeira m�quina fotogr�fica. J� no Rio, come�ou a fotografar a irm�, Zezeca, que gostava de posar. O filme “Blow-up” (1966), do cineasta italiano Michelangelo Antonioni, cujo enredo gira em torno de um fot�grafo de moda, foi outra inspira��o.
Os primeiros registros de m�sicos foram experimentais. Ela esteve em um show de Maria Beth�nia chamado “Comigo me desavim”, em 1968. Fotografou a cantora tamb�m no Canec�o. Um amigo em comum levou as imagens para Beth�nia ver. Ela escolheu uma para ser a capa de seu disco, mas a ideia foi barrada pelo produtor Carlos Imperial, que achou a foto pouco comercial.
Thereza ficou amiga de Beth�nia. Era comum chegar sem avisar � casa da cantora, em Ipanema. Certo dia, fez a foto da baiana na piscina, brincando de bola. Tamb�m registrou o primeiro encontro de Beth�nia com o irm�o Caetano quando ele voltou do ex�lio em Londres, em 1972. Sentados, os dois trocavam olhares afetuosos.
“Baiano logo faz uma tribo”, brinca Thereza, contando que, no come�o dos anos 1970, fez amizade com o produtor Paulinho Lima e a cantora Gal Costa. Tamb�m frequentou as famosas Dunas da Gal, ou Dunas do Barato, faixa de areia na Praia de Ipanema, point da contracultura, onde tudo era permitido, em contraste com a repress�o da ditadura militar. Eram os tempos do show “Fa-tal – Gal a todo vapor”, cria��o de Waly Salom�o.
Imagem da fot�grafa iniciante virou capa do disco cl�ssico de Roberto Carlos
OBRA DE ARTE
Entre papos, topless, cigarros de maconha e �cidos, os jovens sentiam-se livres. Al�m de Gal, Ney Matogrosso, Gonzaguinha e Mar�lia P�ra eram alguns dos famosos que apareciam por l�. Foi nessa �poca que o poeta Antonio Cicero, irm�o da cantora Marina Lima, rec�m-chegado de Londres, conheceu Thereza. Cicero assina um dos textos do livro e classifica como “obra de arte” uma s�rie de fotos que a fot�grafa fez de Caetano.
Outro amigo importante de Thereza foi o empres�rio musical carioca Guilherme Ara�jo (1936-2007), que lhe abriu muitas portas, camarins e festas. “Guilherme era criativo, inteligente. Ele tinha acabado de chegar de Londres com Caetano e Gil. Logo ficamos amigos. Ele me pediu para fotografar Gal no show '�ndia'”, afirma, referindo-se ao espet�culo de 1973.
Desse show, no livro, h� a foto de Gal sentada em um banquinho descal�a, ao viol�o. Outra flagra a cantora em momento de puro prazer art�stico ao lado do sanfoneiro Dominguinhos. Thereza tamb�m fotografou Gal no show “Tropical”, de 1979. � dela a linda foto que mostra Gal descendo uma escada, logo no come�o do show, para cantar “Samba rasgado”. A imagem mostra o movimento do vestido da baiana, deixando suas pernas � mostra.
Thereza revela uma curiosidade: assistia aos espet�culos in�meras vezes. Sabia a hora certa de apertar o bot�o da m�quina. “Havia momentos que me marcavam. Fazia um estudo”, diz.
Nas imagens posadas, fora do palco, Thereza parece acessar a alma do fotografado. O olhar de seus personagens ora melanc�lico, ora instigante. Jamais inexpressivo. Mas ela n�o v� nada de extrassensorial nisso.
“Talvez fosse a rela��o de amizade com eles. Fazia com carinho, apenas. Era uma grande divers�o. A fotografia � a interpreta��o de uma imagem, a nossa maneira de ver”, explica.
Maria Beth�nia, amiga de Thereza desde os anos 1960
BEIJINHOS
A segunda parte do livro, com imagens em tamanho menor, mostra “abra�os e beijinhos e carinhos sem ter fim”. H� o af�vel beijo de Em�lio Santiago em Alcione, o afetuoso abra�o de Gonzag�o e Gonzaguinha, Beth�nia com a cabe�a no ombro de Chico, um momento de intimidade de Caetano e Marina.
Apaixonada por tecnologia, Thereza gosta de trabalhar com celular – ela tem tr�s. E n�o guarda a sensa��o de n�o ter conseguido fotografar algu�m. De Elis Regina, por exemplo, h� apenas uma foto no livro, em companhia de Gal. Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Elizeth Cardoso, Nara Le�o e Djavan s�o aus�ncias sentidas.
Para Thereza, foi tudo como tinha de ser. Sempre quis fazer apenas o que lhe deixava feliz. Ela resume a vida em um verso, escrito por Gonzaguinha. “Come�aria tudo outra vez”, conclui.