
Se n�o d� para fazer no antigo modelo, h� maneiras de continuar trabalhando, s� que de outra forma. Ao pensar de maneira alternativa, o ator baiano Fabr�cio Boliveira, de 40 anos, se tornou, segundo suas pr�prias palavras, um “workaholic da pandemia”. Ele est� chegando ao fim de 2021 com pelo menos quatro filmes rodados – um como ator e outros tr�s tamb�m como diretor.
“Consegui trabalhar mudando o processo da arte. Foram equipes pequenas, uma s� loca��o. Al�m disso, as pessoas que participaram dos filmes viraram s�cias dele”, explica. Em janeiro deste ano, por exemplo, ele rodou “Mugunz�”, da Rosza Filmes, produtora do Rec�ncavo Baiano. No elenco do musical, inspirado na trag�dia de Medeia, somente ele e a atriz Arlete Dias, do Bando de Teatro Olodum.
Tamb�m ao longo deste ano dirigiu um longa, “Ant�gona, n�o nasci pro �dio, nasci pro amor”, uma vers�o do cl�ssico de S�focles sob o vi�s de uma mulher negra baiana, e os curtas “Ant�gona pajub�” e “Funda”. Esses tr�s foram viabilizados com recursos pr�prios de sua produtora, PrasCabe�as.
DESAFIO
“� um grande desafio ser um ator negro no Brasil. S�o poucos os personagens tamb�m porque n�o h� interesse dos autores em escrever narrativas que n�o nos coloquem nos estere�tipos. Que cinema � este que n�o conta a hist�ria de seus filhos, ou s� de uma parte deles?”, questiona Boliveira, que, a partir de sua pr�pria trajet�ria, tem buscado alternativas para abrir caminho no meio audiovisual para jovens negros ou em vulnerabilidade social.
Al�m de seus projetos como ator e diretor, criou durante a crise sanit�ria duas iniciativas de tentativa de inser��o no mercado. No primeiro semestre, lan�ou o projeto Cinema do Futuro (CDF), s�rie de encontros on-line com profissionais do cinema voltada para jovens de 13 a 20 anos. A segunda edi��o do CDF ser� realizada entre 1º de novembro e 2 de dezembro. Agora com o apoio da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), o projeto oferece 250 vagas – as inscri��es v�o at� 24 deste m�s.
O projeto � tamb�m fruto da pandemia, mas nasceu por causa da irm� ca�ula do ator, Yasmin. “Ela est� hoje com 17 anos. No ano passado, vivia aquele momento em que estudantes estavam com aula remota. A internet amplia tudo, mas n�o como se aprofundar no estudo. Sugeri que ela estudasse cinema, mas todos eram para m
aiores de 18. Ent�o, criei um curso para que ela pudesse fazer parte e tamb�m para pessoas que n�o vejo no cinema hoje. � um futuro para o que quero fazer”, explica Boliveira."� um grande desafio ser um ator negro no Brasil. S�o poucos os personagens tamb�m porque n�o h� interesse dos autores em escrever narrativas que n�o nos coloquem nos estere�tipos. Que cinema � este que n�o conta a hist�ria de seus filhos, ou s� de uma parte deles?"
Fabr�cio Boliveira, ator e diretor
Para a segunda edi��o, foram selecionadas 10 �reas do cinema (dire��o, dire��o de arte, figurino, produ��o etc.) e cada participante ter� que escolher cinco �reas para os encontros semanais. Entre os profissionais envolvidos est�o a diretora Glenda Nic�cio, a atriz Ana Fl�via Cavalcanti, a figurinista Diana Moreira.
Este ano tamb�m marca as duas d�cadas da Confer�ncia Mundial contra Racismo, Discrimina��o Racial, Xenofobia e Intoler�ncias Correlatas, realizada em Durban, na �frica do Sul. Os alunos ter�o ainda um m�dulo sobre o encontro organizado pela ONU. Ao longo do projeto, os estudantes produzir�o v�deos sobre Durban.
“Para mim, o CDF � quase que uma resposta a tudo o que vivi na carreira. A prioridade s�o alunos negros, trans, ind�genas, mulheres em situa��o de vulnerabilidade social. Quero ver essas pessoas escrevendo, produzindo”, afirma Boliveira.
"� um grande desafio ser um ator negro no Brasil. S�o poucos os personagens tamb�m porque n�o h� interesse dos autores em escrever narrativas que n�o nos coloquem nos estere�tipos. Que cinema � este que n�o conta a hist�ria de seus filhos, ou s� de uma parte deles?"
Fabr�cio Boliveira, ator e diretor
CADASTRO
Paralelamente ao CDF, o ator criou, tamb�m por meio da produtora PrasCabe�as, outra iniciativa de inser��o no mercado. Leva o nome de Elenco Negro o cadastro para atores e atrizes negras, que inclui mentorias sobre a carreira. O sistema � bem simples: basta entrar no Instagram (@elenconegro) para encontrar o link para o cadastro.
Boliveira come�ou sua carreira em Salvador “na cara e na coragem”. “Hoje, tento facilitar as coisas para que os jovens entendam as possibilidades, conhe�am o espa�o art�stico”, conta ele, que descobriu o teatro fazendo um curso para amadores na adolesc�ncia. Em d�vida sobre qual carreira seguir, fez vestibular para direito. N�o passou e deixou, como segunda op��o, artes c�nicas, que cursou na Universidade Federal da Bahia.
A partir de uma montagem de “Capit�es da areia” (2002), da Companhia Baiana de Patifaria, ele foi abrindo caminho. Fez publicidade, novelas, cinema. Interpretou pap�is menores em filmes – inclusive em “Tropa de elite 2” (2010) – at� ter sua grande chance, como o her�i tr�gico Jo�o de Santo Cristo de “Faroeste caboclo” (2013), adapta��o da can��o hom�nima da Legi�o Urbana.
De l� pra c�, viveu outros protagonistas, como o cantor Wilson Simonal na cinebiografia “Simonal” (2018) e o taxista Paulo de “Breve miragem do sol” (2020). � o longa de Eryk Rocha que Boliveira cita como uma virada na carreira. “� um filme em que a gente conseguiu tocar na quest�o da pandemia, ainda que tenha sido rodado antes, em 2017. Mostra um taxista frente � chegada do Uber, e fala ainda sobre noites desertas, motoristas, entregadores, solid�o, conversas pelo WhatsApp. S�o temas que estavam por vir, quase que tocam no futuro”, diz.
Boliveira conta que, depois de ter interpretado Simonal e Itamar Assump��o (esse no teatro), gostaria de narrar a hist�ria de v�rios outros personagens importantes da cultura brasileira. “Tenho adorado biografias porque, al�m de contar hist�rias daqueles personagens, abrem discuss�es sobre como eles foram vistos na sociedade por ser negros. Adoraria fazer Milton Nascimento, adentrar na hist�ria de Martinho da Vila. Djavan. Em�lio Santiago tem uma hist�ria muito forte, ele introduziu um jeito de cantar e hoje se conhece pouco dele”, comenta.
Tamb�m com uma produ��o grande em novelas, Boliveira est� fora da pr�xima trama das 19h da Globo, conforme an�ncio recente. Ele seria um dos protagonistas de “Cara & coragem”, prevista para o segundo semestre de 2022 – interpretaria o par rom�ntico da personagem de Ta�s Ara�jo.
“Trabalhei na Globo por 14, 15 anos, e s� tive contrato nos �ltimos tr�s. Tinha o convite para esta novela, mas ela foi adiada por mais de um ano. N�o fazia mais sentido se eu n�o estava mais contratado. Foi uma quest�o mais de conjuntura”, conta ele, que promete, para um futuro pr�ximo, uma performance. “E cinema na cabe�a, sempre”, conclui.
CINEMA DO FUTURO
Encontros de forma��o para jovens de 13 a 20 anos. As inscri��es podem ser feitas at� 24 de outubro no Instagram (@prascabecasprodutora e @fabricioboliveira). Oficinas virtuais (pela plataforma Zoom) de 1º de novembro a 2 de dezembro. Gratuito