
� fascinante o processo do restauro. Para o leigo, no entanto, a atividade, que demanda muita pesquisa, expertise e paci�ncia, precisa de um guia. � basicamente esta a proposta da Casa Fiat. Fechada durante um ano e sete meses em decorr�ncia da pandemia, a institui��o reabre as portas na quarta-feira (3/11) com uma iniciativa que foge do usual.
Tr�s obras do s�culo 18 de Aleijadinho (1738-1814) est�o sendo restauradas pela institui��o. O processo, a partir desta semana, poder� ser acompanhado pelo p�blico por meio de visitas mediadas. No hall do antigo Pal�cio dos Despachos, ou seja, tamb�m � vista do pedestre, tr�s restauradoras v�o trabalhar em uma esp�cie de ateli�-vitrine.
“Aleijadinho, arte revelada: o legado de um restauro” vai apresentar o trabalho de recupera��o de uma Sant’Ana Mestra, pertencente � Capela de Sant’Ana, da comunidade de Chapada de Ouro Preto; de S�o Joaquim, da Par�quia de Nossa Senhora da Concei��o, em Raposos; e de S�o Manuel, da Par�quia de Nossa Senhora do Bonsucesso, em Caet�.
Em novembro, as visitas ser�o exclusivamente de pequenos grupos, com hor�rios agendados. A partir do dia 2 de dezembro, a Casa Fiat abre exposi��o com as imagens de S�o Joaquim e S�o Manuel restauradas – a de Sant’Ana continuar� em processo de restauro ao vivo at� janeiro.

No in�cio de 2022, as pe�as ser�o devolvidas �s respectivas origens. A exposi��o se completa no ambiente virtual, com a webs�rie em oito epis�dios “A arte do restauro”, que ser� disponibilizada nas redes sociais da institui��o.
Fern�o Silveira, presidente da Casa Fiat, comenta que o projeto relativo � restaura��o estava nos planos desde 2019. Durante a pandemia, foram mantidos di�logos com diferentes institui��es, dioceses e entidades para o levantamento de potenciais obras.
“Pesaram muito (na sele��o) a log�stica, a representatividade da obra, o que elas demandavam (de restauro), pois quer�amos que a experi�ncia fosse dividida com o p�blico”, comenta.
A palavra, como Silveira diz, foi espalhada ao longo dos meses. “Houve colecionadores particulares que nos ofereceram obras, mas era algo que definitivamente n�o far�amos. O esp�rito era devolver as pe�as para a comunidade.” A curadoria ficou a cargo do historiador Liszt Vianna Neto.
Definidas as pe�as, o processo foi iniciado pelo Grupo Oficina de Restauro, em atua��o h� 34 anos. Desde maio, a equipe est� envolvida com o projeto – h� um m�s, as esculturas chegaram � Casa Fiat.
“A ideia da restaura��o n�o � fazer com que a obra fique novinha. Fazemos a��es estruturais para ajudar na sobreviv�ncia da pe�a. Por exemplo, se ela perdeu um dedo, n�o colocamos outro”, explica a restauradora Ros�ngela Reis Costa, coordenadora do projeto.
Faltam tr�s dedos na m�o direita da imagem de S�o Joaquim (o av� de Jesus) – a imagem permanecer� assim ap�s o restauro.
“Isso n�o interfere na leitura. � um Aleijadinho, ent�o vamos trabalhar com todo o respeito”, comenta ela, exibindo uma curiosidade na parte posterior da base da escultura. Ali foi encontrada a assinatura AE com a data 7/12/921 – ou seja, a obra foi repintada exatos 100 anos atr�s.
DRAMA
Cada pe�a tem a sua especificidade. A de S�o Manuel traz uma boa carga de dramaticidade. Santo de origem oriental, surge em textos ap�crifos e conquistou fi�is em Portugal. O corpo � perfurado por tr�s cravos – dois no peito e um na cabe�a.
“Ele nunca foi mexido, o que � coisa rara”, diz Ros�ngela. A pintura original do periz�nio (veste que cobre o corpo) foi realizada com a t�cnica chamada esgrafito. Grosso modo, a pe�a recebe o folheamento a ouro e, em cima dele, a tinta. Depois, ela � riscada, surgindo o desenho dourado.
No restauro, as obras passam por raios X. Foi por meio desse processo que a equipe de restauradores chegou a uma descoberta sobre os olhos da imagem. “Normalmente, a figura era esculpida e depois, com uma cunha, retiravam um peda�o da madeira (da cabe�a), escavavam na regi�o do olho, encaixavam o olho de vidro e colavam (a madeira) de novo. Aqui n�o se v� isso, n�o d� para saber como o olho foi encaixado. Nem raios X conseguiram deixar claro. H� a suspeita de terem cortado pela frente e utilizado uma massa muito boa”, afirma Ros�ngela.
H� suspeitas, como o corte pela frente, mas a resposta poder� vir s� no futuro, com novas tecnologias. O importante, diz Ros�ngela, � a restaura��o sempre respeitar a vida da obra.
“Vamos tampar os craquel�s mais grosseiros, mas os demais v�o permanecer. � tipo uma ruga que n�o sai. A escultura deve ter a cara da hist�ria que percorreu. N�o queremos propor uma nova leitura das obras, parecendo que foram feitas ontem. Elas t�m de ser o mais natural poss�vel dentro do tempo”, explica a restauradora.
PASSO A PASSO
1. Foram realizadas pesquisa e an�lise da obra para coletar informa��es como iconografia, estudos estil�stico-formais, contexto hist�rico e an�lise de conserva��o. A partir desse material foi criado um estudo com as propostas de interven��o, enviadas para o Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) e as respectivas arquidioceses (de Belo Horizonte, no caso dos dois santos, e de Mariana, no caso da Sant’Ana) para aprova��o.

2. O Laborat�rio de Documenta��o Cient�fica por Imagem (iLAB), da Escola de Belas-Artes da UFMG, fez fotografias cient�ficas usando fluoresc�ncia de ultravioleta, o que permitiu ver o que n�o era poss�vel a olho nu, como, por exemplo, se houve repintura. Posteriormente, as pe�as passaram por raios X, que identificaram uni�es dos blocos de madeira e cravos (pregos de madeira), por exemplo.
3. As pe�as s�o inseridas em uma bolsa especial para a descupiniza��o. Cada uma fica fechada ali durante 30 dias (Sant’Ana s� deixar� a bolsa na pr�xima quinta-feira). Por meio de uma v�lvula, o nitrog�nio � introduzido, eliminando qualquer presen�a de oxig�nio. Um ox�metro faz a regulagem. H� tamb�m o controle da umidade do ambiente onde a bolsa est� inserida.
4. Um teste de limpeza determinou os solventes indicados para cada parte da pe�a.

5. Uma vez limpas, as pe�as receberam imunizante nos buracos para que o cupim n�o volte.
6. Nesta etapa, h� conten��o das fissuras, complementa��o de partes faltantes, reintegra��o de lacunas. Somente depois as pe�as recebem pintura, realizada exclusivamente onde h� pontos de perda. Por fim, cada obra recebe verniz e estar� apta a voltar a seu local de origem.
“ALEIJADINHO, A ARTE REVELADA: O LEGADO DE UM RESTAURO”
Abertura na quarta-feira (3/11), na Casa Fiat de Cultura. Pra�a da Liberdade, 10, Funcion�rios, (31) 3289-8900. At� 30 de novembro, visitas de quarta a sexta, das 14h �s 15h e das 17h �s 18h, e aos s�bados (6/11 e 27/11), das 10h30 �s 11h30. Inscri��es gratuitas pelo Sympla (sympla.com.br). De 2 de dezembro a 2 de janeiro de 2022, as obras restauradas ficar�o expostas. A partir de 8 de novembro, sempre �s segundas-feiras, as redes sociais da Casa Fiat v�o exibir, semanalmente, epis�dios da webs�rie “A arte do restauro”.
Crise afasta Botticelli da Casa Fiat
Em fevereiro de 2020, quando completou 14 anos, a Casa Fiat anunciou a exposi��o “Botticelli e seu tempo”. A partir de maio, a mostra reuniria, pela primeira vez no Brasil, 23 obras do mestre renascentista e de seus contempor�neos, vindas de 11 museus italianos, incluindo a Galleria degli Uffizi, em Floren�a.
O projeto foi cancelado por causa da pandemia. “N�o quero falar que foi descartado, pois Botticelli � um sonho antigo da casa. Mas sendo muito realista, do ponto de vista de log�stica e com o euro a quase
R$ 7, n�o h� planos pr�ticos de fazer a exposi��o”, informa Fern�o Silveira, presidente da institui��o.
A Casa Fiat est� entre as �ltimas unidades do Circuito Pra�a da Liberdade a reabrir desde a autoriza��o da Prefeitura de Belo Horizonte para que equipamentos culturais voltassem a receber o p�blico. “Nosso plano sempre foi de reabrir com uma mostra relevante, � o que estamos entregando agora. Nunca quis abrir a porta simplesmente por abrir”, continua ele.
Silveira considera essencial analisar como ser� o funcionamento nos pr�ximos dois meses para s� ent�o retomar a rotina de exposi��es.
“Estamos planejando 2022 neste momento, n�o temos nada fechado. A certeza � de que a programa��o digital n�o ir� embora”, adianta, dizendo que entre mar�o de 2020 e setembro de 2021 a Casa Fiat atingiu 500 mil pessoas no ambiente virtual.
“A receita deu muito certo, pois expandimos nossas fronteiras muito al�m da Pra�a da Liberdade, de Belo Horizonte e de Minas Gerais, pois os acessos foram de todo o mundo”, conclui.