
Um fen�meno que marcou a ind�stria fonogr�fica nos anos 1990 foi o surgimento e a expans�o dos selos e gravadoras independentes. Das iniciativas mais ambiciosas, como as gravadoras Trama e Biscoito Fino, que abrigavam os medalh�es da MPB, �s mais segmentadas, como os selos Monstro Discos, Midsummer Madness e Outros Discos, os independentes abocanharam uma boa fatia do mercado.
Mas a produ��o � margem das grandes gravadoras – Universal, Warner, Sony – seguiu adiante e, ao longo dos �ltimos anos, � poss�vel observar uma renova��o no ecossistema dos independentes. Por meio deles, novos trabalhos de artistas muito cultuados no cen�rio da m�sica brasileira t�m vindo � luz.
“S�o”, novo �lbum do celebrado cantor, compositor e violonista Thiago Amud, saiu nesta semana pela gravadora Rocinante, fundada em 2018 pelo m�sico Sylvio Fraga. “R� ao vivo” foi outro lan�amento da semana e traz o registro do show realizado em fevereiro de 2020 que reuniu Andr� Mehmari, Bernardo Maranh�o e Alexandre Andr�s.
Andr�s � fundador do rec�m-criado selo Gr�o Discos, que chancela o lan�amento. O pianista e compositor Andr� Mehmari apresentou seu mais recente trabalho solo, “Noturno 20>21”, em setembro passado, com a assinatura do Est�dio Monteverdi, que ele mant�m na Serra da Cantareira, em S�o Paulo, e que atua como selo independente para o lan�amento de suas obras desde 2007.
Rocinante, Gr�o Discos e Monteverdi s�o tr�s n�cleos que surgiram a partir de seus respectivos est�dios. Eles t�m em comum o fato de se situar em meio � natureza e trabalhar com o que Mehmari chama de m�sica de autor ou m�sica criativa, o que abarca a produ��o instrumental e a can��o que dialoga com esse universo.
Mais ou menos nessa mesma categoria pode-se acrescentar o Est�dio 304, que o produtor Chico Neves mant�m na regi�o de Macacos, em Nova Lima, e que tamb�m assumiu a fun��o de selo independente durante a pandemia.
Gr�o Discos

Al�m desses dois �lbuns, j� sa�ram pelo selo singles dos grupos Arcomusical Brasil, Toca de Tatu, Semreceita, com participa��o de Tamara Franklin, e do cantor e compositor Gabriel Bruce, com participa��o de Curumin. Todos esses artistas dever�o ter seus �lbuns completos lan�ados ainda neste ano pelo Gr�o Discos, assim como o pianista Cristian Budu e Arthur Andr�s, pai de Alexandre, com seu grupo.
O Gr�o Discos foi criado a partir do est�dio Macieiras, que funciona desde 2011 na fazenda da fam�lia Andr�s, em Entre Rios de Minas, conforme explica Alexandre. O primeiro trabalho gravado l� foi o �lbum “Motivo”, de Rafael Martini, lan�ado em 2012 pelo selo N�cleo Contempor�neo, de S�o Paulo.
''A ideia � potencializar, pegar esses trabalhos e conseguir levar para a� frente, furar bolhas, formar novos p�blicos. Nosso desejo com o Gr�o Discos � levar para o Brasil e para o mundo, porque a gente tem muito ouro aqui, mas � um neg�cio que fica s� entre as montanhas. Quero extrapolar as fronteiras de Minas''
Alexandre Andr�s, cofundador do selo Gr�o Discos
“O est�dio virou selo a partir de conversas minhas com a Nat�lia Mitre, o PC Faria e o Octavio Cardozzo, que tinha essa ideia de fazer um selo de m�sica instrumental. N�s nos juntamos e criamos o Gr�o. Depois chegou o Lucca Mezzacappa, que � do audiovisual. Cada um de n�s cuida de uma parte e assim vamos nos fortalecendo, cada um com suas ferramentas”, diz Alexandre.
Ele considera que a m�sica produzida em Minas atualmente � muito potente, mas demanda um trabalho de divulga��o mais consistente para poder chegar a um p�blico maior. “A ideia � potencializar, pegar esses trabalhos e conseguir levar para a frente, furar bolhas, formar novos p�blicos. Nosso desejo com o Gr�o Discos � levar para o Brasil e para o mundo, porque a gente tem muito ouro aqui, mas � um neg�cio que fica s� entre as montanhas. Quero extrapolar as fronteiras de Minas”, afirma.
Citando outras iniciativas de selos criados recentemente, como o Umbilical e o Savassi Festival Rercords, ambos dedicados principalmente ao jazz, Alexandre acredita que, sim, tem havido, ao longo dos �ltimos anos, uma renova��o na seara dos independentes.
“N�o conversei com ningu�m sobre o Gr�o Discos, mas outras pessoas j� estavam sentindo essa mesma necessidade que eu de n�o ficar � merc� das plataformas de streaming, que se preocupam muito pouco com os artistas. Queremos mudar o cen�rio atual, que n�o � favor�vel aos m�sicos. Acredito que os selos que est�o surgindo representam um movimento que parte dos pr�prios artistas”, aponta.
''Hoje em dia, voc� tem um monop�lio do streaming, que � muito cruel no quesito remunera��o. As grandes gravadoras est�o se desmembrando e atualmente s� abrigam alguns poucos artistas muito consagrados. Ent�o, as pessoas v�o se reunindo em n�cleos criativos de m�sica, da� saem esses novos selos independentes''
Andr� Mehmari, fundador do selo Monteverdi
Est�dio Monteverdi
Andr� Mehmari avalia que essa nova onda dos selos independentes j� vem se delineando h� algum tempo e est� agora num momento de consolida��o de um desejo de uma parcela da classe musical que estava se sentido desassistida.
“Hoje em dia, voc� tem um monop�lio do streaming, que � muito cruel no quesito remunera��o. As grandes gravadoras est�o se desmembrando e atualmente s� abrigam alguns poucos artistas muito consagrados. Ent�o, as pessoas v�o se reunindo em n�cleos criativos de m�sica, da� saem esses novos selos independentes”, afirma.
Ele diz que seria desej�vel que esses n�cleos conseguissem se organizar melhor no sentido de encontrar formas de entregar os trabalhos que chancelam ao p�blico, para que os artistas deixem de ser ref�ns das plataformas. No seu caso espec�fico, seu site oficial � um canal de escoamento de sua produ��o pelo Monteverdi, o que acaba por contemplar tamb�m outros artistas.
“A minha produ��o est� sempre em interse��o com a de outros m�sicos, sempre acabo produzindo trabalhos com outros artistas. Rafael Ces�rio e Ant�nio Loureiro s�o dois com quem trabalhei recentemente”, diz. Ele n�o descarta expandir o selo para abarcar trabalhos de terceiros. “Existe essa demanda, porque a quest�o da publica��o de m�sica hoje � muito inst�vel; se for pensar nas plataformas, que s�o o mainstream, cada uma tem um jeito de trabalhar.”
Gravadora Rocinante
Com o lan�amento de “S�o”, de Thiago Amud, a gravadora Rocinante est� prestes a fechar um ciclo que come�ou com o pr�prio Amud. “Nossa hist�ria come�a com uma vontade minha de apoiar financeiramente discos de compositores, colegas que eu admirava e sabia que teriam dificuldade de financiar os projetos. Tudo come�ou com ‘O cinema que o sol n�o apaga’, do Amud, em 2018”, diz Sylvio Fraga, destacando que foi no processo de grava��o do �lbum que ele conheceu seu s�cio, Pep� Monnerat, que atua como diretor t�cnico da gravadora.
“Come�amos a conversar sobre formas de dar suporte para os artistas, e a coisa foi tomando essa propor��o. Resolvemos fundar a Rocinante para gravar e mixar em est�dio pr�prio nossos trabalhos”, conta Fraga.
Depois de “O cinema que o sol n�o apaga”, a gravadora j� lan�ou t�tulos de Ilessi, Rafael Macedo, Letieres Leite, Bernardo Ramos, Nelson Angelo e, neste ano, al�m de “S�o”, os discos de estreia dos pianistas Marcelo Galter e Erika Ribeiro e o emblem�tico “S�ntese do lance”, que inaugura a parceria entre Jards Macal� e Jo�o Donato.
Para o m�s que vem, est� previsto o lan�amento do novo �lbum da Orkestra Rumpilezz, criada por Letieres Leite (1959-2021). “� um trabalho que fica como uma homenagem p�stuma ao j� saudoso Letieres. Ele chegou a ouvir e aprovar a mixagem”, conta.
Esse �ltimo lan�amento de 2021 fecha o primeiro ciclo de vida da Rocinante, conforme diz. Isso porque o projeto inicial da empreitada j� previa a cria��o de uma f�brica de vinis, que come�a a operar em 2022.
''Vamos vender nossos primeiros vinis j� para o per�odo natalino. O mercado de LP est� muito aquecido, as duas f�bricas que existem no Brasil n�o d�o conta da demanda. � o �nico modelo que a gente vislumbrou para que a gravadora seja financeiramente sustent�vel, porque a gente n�o escolhe os artistas que a gente grava pensando em venda, � puramente na m�sica''
Sylvio Fraga, fundador do selo Rocinante
F�brica de vinil
“N�o seria sustent�vel ficar simplesmente bancando discos, da� tivemos a ideia de criar uma f�brica de vinil. A ideia � a gente se tornar uma gravadora que faz a coisa do in�cio ao fim, grava, faz a mixagem e a masteriza��o, prensa e lan�a”, afirma Sylvio Fraga, fundador da gravadora Rocinante
Ele diz que a f�brica ficar� pronta no final deste ano. “Vamos vender nossos primeiros vinis j� para o per�odo natalino. O mercado de LP est� muito aquecido, as duas f�bricas que existem no Brasil n�o d�o conta da demanda. � o �nico modelo que a gente vislumbrou para que a gravadora seja financeiramente sustent�vel, porque a gente n�o escolhe os artistas que a gente grava pensando em venda, � puramente na m�sica”, diz.
A partir do momento em que a f�brica estiver funcionando, a Rocinante entra num novo ciclo, operando de forma plena, segundo o empreendedor. “S� lan�amos um disco em 2020, que tinha sido feito antes da pandemia. A gente s� voltou a gravar em maio deste ano, come�ando, por uma quest�o de seguran�a sanit�ria mesmo, pela Erika Ribeiro, que � disco de piano solo. Formatamos em 2021 um modelo do que queremos para o futuro, com o lan�amento de cinco discos por ano, com um trabalho �ntimo com cada um. Pensamos em crescer qualitativamente.”
Ele tamb�m identifica um cen�rio renovado de gravadoras e selos independentes e diz que torce para que surjam outros, de forma a atender com o devido cuidado a segmentos espec�ficos da m�sica que tenham mais valor art�stico do que de mercado, que se estruturam mais sobre a cria��o do que sobre n�meros.
“Quando a coisa � feita com um limite de tamanho, ela pode surpreender. � uma impress�o que tenho. Por isso n�o quero que a Rocinante cres�a muito. � preciso manter um controle de qualidade, um controle da vis�o e uma coer�ncia nas op��es est�ticas”, afirma.