
A partir de 2014, o cantor e compositor pernambucano Otto come�ou um processo intenso de compartilhar suas emo��es, sentimentos, reflex�es e observa��es por meio de textos que publicava em seu perfil no Instagram. No in�cio deste ano ele foi procurado pelos editores da Impress�es de Minas, interessados em dar forma de livro a esses escritos.
O resultado � “Meu livro vermelho”, a estreia liter�ria de Otto, que ser� oficialmente lan�ado com uma live nesta ter�a-feira (16/11), com a presen�a do artista, dos diretores da Impress�es de Minas, Elza Silveira e Wallison Gontijo; e de Paulo Bispo, que foi professor de Otto numa escola em Recife e que assina a revis�o e o texto de quarta capa da obra.
O autor diz que, pelo volume das postagens e por n�o ter o distanciamento necess�rio de seus pr�prios textos, deixou a sele��o a cargo de Elza. “Ela mergulhou nesses escritos para organizar tudo. O Instagram � minha ferramenta de trabalho, de divulga��o do que fa�o hoje. N�o conseguia ver ali, naqueles fragmentos, um livro”, afirma. Ele destaca, que ao longo desses �ltimos anos, vem escrevendo incessantemente, quase que como uma terapia.
“Estava escrevendo o tempo todo, peguei um ritmo que gosto muito, que � o ritmo do prazer. Acordo e escrevo, tenho sempre essa vontade. E o Instagram � meu canal de comunica��o com o mundo”, diz, destacando o fato de, por meio da rede social, ter um canal de interlocu��o com 160 mil pessoas. “Jogo tudo ali, pensamentos, poesia, minhas opini�es, o que eu acho sobre o que vejo e leio e tenho um retorno muito bacana dos meus seguidores.”
O car�ter descont�nuo e caleidosc�pico do livro permite que o leitor possa abrir suas p�ginas de modo aleat�rio e tomar para si as palavras de Otto. E? poss�vel, tamb�m, a partir de seu formato inspirado em um di�rio, compreender vest�gios de um de tempo e de um pa�s pelo olhar e pelas percep��es do cantor e compositor.
Os textos n�o necessariamente dialogam uns com os outros, mas acabam por compor um mosaico pelo qual � poss�vel apreender acontecimentos objetivos e subjetivos do autor nesse intervalo de tempo que vai de 2014 a 2019.
"Estava escrevendo o tempo todo, peguei um ritmo que gosto muito, que � o ritmo do prazer. Acordo e escrevo, tenho sempre essa vontade. E o Instagram � meu canal de comunica��o com o mundo"
Otto, cantor e compositor
“Meu livro vermelho” foi editado em ordem cronol�gica, de forma que � poss�vel perceber um adensamento de seu teor pol�tico a partir de 2017. “Pela forma como tudo estava caminhando, eu j� sabia que n�o ia dar boa coisa”, diz, sobre a elei��o de Bolsonaro no ano seguinte.
“Um golpe como o que a presidenta Dilma sofreu n�o chega a um resultado imediato, � uma coisa que vai se desdobrando e voc� n�o sabe onde vai dar, mas intui que n�o vai ser num lugar bom. Foi um processo muito doloroso para mim e eu comecei mesmo a expressar minha indigna��o. Naquele momento, em 2017, eu estava com o pavio aceso, ent�o precisava gritar”, aponta.
Ele considera que, mesmo por meio de uma escrita fragmentada, � poss�vel ver as fases de sua vida e tudo o que passou ao longo desse per�odo que o livro abarca. Otto diz que s�o retratos do escritor, e ao dizer isso, pondera: “� engra�ado eu falar disso em rela��o a mim mesmo, que sempre pensei que esse era um of�cio muito sagrado, uma coisa distante. A figura do escritor, para mim, sempre esteve num pedestal. Agora, me vendo como um, encaro como pessoas comuns que se entregam ao desejo de escrever”.
Ele observa que o discurso pol�tico est� presente na obra, mas que ela tamb�m cont�m tudo o que ele vive e tudo o que ele �. “As palavras s�o a �ltima pe�a de roupa que voc� pode dar para os outros antes de se desnudar completamente”, compara. Mesmo quando escreve sobre fatos e pensamentos objetivos, Otto faz isso de maneira po�tica.
Como observa Elza Silveira na apresenta��o da obra, o motor de sua escrita � o �xtase, e seu registro � fragmento, peda�os de linguagem soltos no cotidiano. “O autor apresenta suas reflex�es, suas emo��es, e fez da escrita na internet um espa�o de experimenta��o po�tica para seus registros em forma de di�rio”, ela diz.
Poesia
“A poesia � o modo por meio do qual eu reflito e entrego para as pessoas. N�o sou um cronista, adoro cr�nica, mas a poesia � meu ve�culo, � com ela que busco chegar de maneira mais r�pida no inconsciente coletivo. No meu caso, ela vem muito das not�cias, do que eu leio, do que eu observo, do que est� acontecendo no mundo”, diz Otto.
Ele acredita que um texto pode ser, ao mesmo tempo, muito simples e muito profundo, e sempre foi essa ideia que o guiou quando ia para a rede social se comunicar com seus seguidores.
O vi�s pol�tico que o livro por vezes escancara est� presente, de modo subjacente, no pr�prio t�tulo, conforme aponta o autor. Otto diz que batizar a obra como “Meu livro vermelho” foi, antes de mais nada, uma forma de homenagear Paul Auster – autor de “The red nootebok”, que em portugu�s ganhou o t�tulo “O caderno vermelho” –, de quem diz ser grande admirador, mas que tamb�m foi uma maneira de fazer uma alus�o ideol�gica.
“N�o � o principal, mas tem a� um coment�rio sobre essa �poca de polariza��o pol�tica que a gente vive. Eu sou vermelho no sentido mais literal da coisa, e me tornei muito mais desde o golpe contra Dilma, comunista mesmo, sem medo de expressar essa posi��o”, diz.
O vermelho est� presente na capa e no filtro que cobre as imagens, tamb�m postadas no Instagram por Otto. Ele diz que elas estabelecem di�logos com os textos e contribuem para dar unidade � obra.
“Sou o rei da selfie, mas geralmente as fotos que coloco no Instagram t�m a ver com o que eu escrevo. Tem uma, por exemplo, do meu gato em cima de um tabuleiro de xadrez. Vou l� e escrevo que ele joga comigo todo s�bado e ganha sempre”, diz, acrescentando que as imagens tamb�m o inspiram. “Vem poesia da� tamb�m. � meio tudo amalgamado”, ressalta.
Editora mineira
Nascido em Belo Jardim, no agreste pernambucano, e atualmente morando em S�o Paulo, Otto explica que publicar sua estreia liter�ria por uma editora mineira foi resultado de uma costura feita pelo conterr�neo China, tamb�m cantor e compositor, que, em 2018, teve seu livro infanto-juvenil “Carlos viaja”, com ilustra��es de Tulipa Ruiz, lan�ado pela Impress�es de Minas. “Quando Elza e Wallison me procuraram, foi China quem me apresentou a eles”, conta.
“Eu n�o tinha essa coragem de ir atr�s, de bater na porta de uma editora para publicar o que eu escrevia no Instagram. Eu n�o tinha certeza da qualidade liter�ria dos escritos, ent�o partiu deles isso de publicar o livro, com essa ponte preciosa feita pelo China. Comecei a pensar mais nas coisas que eu escrevo a partir da proposta deles, que se interessaram”, diz.
Otto comenta que sempre foi um grande admirador da cultura que se produz em Minas e que isso tamb�m o animou a levar adiante o projeto. “Minas � um celeiro, sempre teve grandes talentos liter�rios, e isso me chamou muito a aten��o, o fato de uma editora do estado se interessar em publicar meus textos. Elza e Wallison foram l�, cavoucaram tudo no Instagram e trouxeram � tona um livro, meu livro, um trabalho b�rbaro que eles fizeram, com um resultado exatamente como eu imaginava que seria”, diz o cantor e compositor, que, ao longo dos �ltimos anos, tamb�m encontrou na pintura uma outra forma de express�o.
Pintura
“Eu pinto desde cedo. Quando era muito novo, n�o sabia desenhar coisa nenhuma, mas j� pintava. Usava como uma terapia. �s vezes, quando estava acelerado demais, angustiado, triste, estava com meus buracos, minhas cavernas, eu resolvia esses dilemas pintando. Retomei isso com mais intensidade um pouco antes da chegada da pandemia”, diz.
Ele ressalta que esse fazer art�stico acabou se configurando como uma esp�cie de t�bua de salva��o emocional e financeira durante o per�odo de isolamento social. Otto conta que, com os shows parados, pensou que poderia divulgar suas obras, tamb�m por meio do Instagram, na expectativa de que tivessem uma boa recep��o.
“Resolvi come�ar a publicar meus quadros, e as pessoas come�aram a gostar, me perguntavam se eu ia vender, e era tudo o que eu precisava, porque estava sem fonte de renda. A pintura pagou minhas contas nesse momento da pandemia. Atualmente eu pinto todo dia. E meus trabalhos j� foram para o mundo, tem obras minhas em Portugal, na Gr�cia, na Holanda e no Brasil todo”, conta.
“Tem pessoas que me seguem na rede social, eu posso mostrar a elas meu trabalho e elas podem gostar. � estranho, mas parece que s� agora, aos 53 anos, me dei conta disso, ent�o tem uns tr�s ou quatro anos que essas coisas v�m caminhando juntas comigo de forma mais intensa, a m�sica, os textos e a pintura”, observa.
Disco novo
Por falar em m�sica, Otto adianta que est� finalizando um novo disco, desde j� batizado “Canicule sauvage”, com a faixa-t�tulo cantada em franc�s e totalmente produzido dentro de um contexto de pandemia. Ele diz que tem se valido do aplicativo GarageBand, da Apple, para criar os arranjos das m�sicas que comp�s, num trabalho solit�rio realizado dentro de seu quarto.
“Eu n�o sou um nerd ligado em tecnologia, mas fa�o o que consigo. Estou aprendendo esse processo de produzir a mim mesmo, tocar minhas m�sicas com esse aplicativo. Nunca fiz tanta coisa por mim, dentro de mim. Acho que � a experi�ncia que traz isso, a seguran�a de ter coragem. Assumir esses tr�s of�cios que movem minha vida � tudo o que eu queria. N�o sou um m�sico, um escritor ou um pintor de academia, sou um artes�o, e tenho cada vez mais encarado isso de forma positiva”, diz.