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Estado de Minas LITERATURA

Em sua segunda biografia de Clarice Lispector, autora traz material in�dito

Teresa Montero reproduz em "� procura da pr�pria coisa" uma entrevista concedida pela escritora � TV em 1976, sobre a qual n�o se sabia


21/11/2021 04:00 - atualizado 21/11/2021 04:17

Sentada num sofá, Clarice Lispector segura xícara de café, tendo no colo uma máquina de escrever
Clarice Lispector fotografada para a revista "Manchete", entre 1960 e 1965 (foto: Arquivo familiar )

Em 30 de dezembro de 2020, a pesquisadora, professora e escritora Teresa Montero foi ao Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro. Em decorr�ncia da pandemia, a institui��o, na �poca, s� realizava consultas remotas. Foi aberta uma exce��o por causa da especificidade e urg�ncia da pesquisa. 

Naquele dia, Teresa teve contato com os fotogramas de um registro de 45 anos atr�s que ningu�m sabia existir: uma entrevista concedida por Clarice Lispector (1920-1977) a Araken T�vora, em dezembro de 1976, de seu apartamento no Leme, para o programa “Os m�gicos”, da TVE (atual TV Brasil). 

Lan�ado na �ltima sexta-feira (19/11), “� procura da pr�pria coisa: Uma biografia de Clarice Lispector” (Rocco, 768 p�ginas) � um livro sobre duas mulheres: Clarice, a biografada, mas tamb�m Teresa, a bi�grafa. A publica��o culmina com uma trajet�ria de 31 anos dedicada � personagem. Autora de 57 anos, ela tinha 26 quando come�ou a pesquisar Clarice. O trabalho acad�mico – disserta��o e tese – a levou para a literatura: o novo livro � o nono t�tulo que ela publica, como autora ou organizadora, em torno da escritora.

“� procura da pr�pria coisa” nasce a partir de uma biografia anterior, “Eu sou uma pergunta?” (1999, Rocco) – esta, por sua vez, surgiu do mestrado de Teresa. H� uma d�cada esgotado, o t�tulo teria uma vers�o revista e ampliada em 2020. 

No ano do centen�rio de nascimento da escritora, a editora Rocco lan�ou 18 t�tulos em torno de Clarice – novas edi��es dos livros dela, bem como sua correspond�ncia completa, “Todas as cartas”, em que Teresa tamb�m trabalhou. As dificuldades impostas pela crise sanit�ria e o envolvimento com outros projetos em torno de Clarice a levaram a adiar a nova biografia.

PESQUISAS 

O projeto, diga-se, se tornou outro, de muito mais f�lego, gra�as ao faro da pesquisadora. Al�m da s�rie de descobertas feitas por Teresa que n�o constam da primeira biografia assinada por ela, “� procura da pr�pria coisa” tamb�m prima por um formato pr�prio, que foge da tradi��o do g�nero. Traz quatro partes, que podem ser lidas de maneira independente. A autora reverencia o �rduo trabalho dos pesquisadores (e das institui��es de guarda de acervos e arquivos) na pr�pria costura do livro.  

“N�o queria me repetir nem repetir o que os outros j� falaram. Interessa a mim e ao leitor o que ainda n�o est� dito”, comenta Teresa. Os antigos arquivos da TVE s�o um dos achados do novo t�tulo, talvez o maior. At� ent�o, acreditava-se que a �nica entrevista televisiva da escritora havia sido em 1977 para J�lio Lerner, da TV Cultura – grava��o que, a pedido dela, s� foi ao ar depois de sua morte.

A pr�pria digitaliza��o dos fotogramas traz uma hist�ria peculiar. Teresa s� conseguiu ter acesso ao material f�lmico, que transcreveu integralmente no livro (� a entrevista que abre a primeira parte da obra, “Itiner�rio de uma mulher escritora”), porque teve a colabora��o da diretora pernambucana Taciana Oliveira, que lan�a em dezembro, durante a 16ª edi��o do Festival de Cinema Latino-Americano de S�o Paulo, o document�rio “A descoberta do mundo”.

Os seis minutos do material recuperado (outro tanto se perdeu) estar�o no filme, tamb�m um projeto de muitos anos. Iniciado em 2015, o document�rio tem Teresa como corroteirista – ela come�ou como consultora e, no decorrer do tempo, assumiu uma fun��o maior. 

“O material � realmente uma raridade,  que s� descobri porque tinha uma refer�ncia de um depoimento dela em jornais da �poca. E guardei isto por cinco anos. � a primeira entrevista para a TV que se conhece dela e, (at� ent�o), n�o havia nada filmado dentro de seu apartamento.”

De vestido e colar, Clarice Lispector caminha sozinha por um extenso corredor
A escritora no Gin�sio Pernambucano, durante a viagem que fez ao Recife, em 1976 (foto: Arquivo Museu de Literatura da Funda��o Casa de Rui Barbosa )


POL�CIA 

Outra novidade resultante das pesquisas est� no cap�tulo “Clarice Lispector fichada pela pol�cia pol�tica: 1950 e 1973”. A autora transcreveu, ipsis litteris, os documentos. “Biografias anteriores (a dela pr�pria, como tamb�m as de N�dia Battela Gotlieb e Benjamin Moser) trouxeram a quest�o da Clarice na �poca da ditadura. Muito do material veio do que ela escreveu em cr�nicas, mais depoimentos de alguns amigos. O que eu trouxe agora foi a fonte prim�ria, que � o que defendo e com o que trabalho.”

A partir dos dois documentos hist�ricos, a autora trabalha hip�teses sobre as raz�es que levaram a pol�cia a levantar a ficha da escritora. “Ser fichada no governo Dutra foi uma surpresa. Mas, na �poca, havia um especial olhar sobre os judeus comunistas russos, e ela tinha naturalidade russa. � uma hip�tese sobre a ficha de 1950. J� sobre a do Arquivo Nacional da fase da ditadura tamb�m fiz a pergunta sobre o porqu� daquele momento. � importante dizer que arquivos n�o preservam tudo e que essas duas fichas n�o s�o certamente as �nicas.”

A pesquisa de Teresa a levou a caminhos pouco ortodoxos. O cap�tulo “Mem�rias de um caderno de telefones” foi criado a partir da caderneta que ficou sob a posse da sobrinha-neta de Clarice, Nicole Algranti. A partir deste material, Teresa discorre sobre a presen�a de pessoas pr�ximas � autora – como familiares, amigos e escritores – mas tamb�m apresenta curiosidades. Al�m da c�lebre Nadir, a cartomante que inspirou a Madame Carlota de “A hora da estrela”, Clarice, pelo que o documento pessoal revela, consultou outras cinco videntes.

“O que acho que consegui com este livro foi ter um olhar biogr�fico com diferentes pontos de vista”, comenta Teresa. As descobertas supracitadas est�o na parte inicial do livro, “Itiner�rio de uma mulher escritora”. A segunda parte, “Vida-vida e vida liter�ria” destaca a genealogia de Clarice. 

Um dos achados desta se��o s�o dois artigos de Patr�cia Galv�o, a Pagu (1910-1962), sobre Clarice – foram escritos sob o pseud�nimo de Mara Lobo. “O livro de Clarice � uma li��o l�mpida, comovida, inteligente, de como se pode amar a literatura” escreveu Mara/Pagu sobre a colet�nea de contos “La�os de fam�lia” para o suplemento de “A Tribuna”, de Santos, em 1960.

O olhar biogr�fico convencional, cronol�gico, da inf�ncia at� a morte, est� na terceira parte, “Eu sou uma pergunta”, que reedita o livro de Teresa de 1999 com um importante acr�scimo. O cap�tulo “Recife, 1976” � novo e recupera a �nica viagem da autora pela cidade de sua inf�ncia. Biografias anteriores apenas delinearam brevemente a passagem de Clarice no ano anterior � sua morte.

Foi tamb�m por meio de Taciana Oliveira que Teresa chegou ao guia que esteve com Clarice 45 anos atr�s. Hoje na casa dos 70 anos, Augusto Ferraz era um jovem poeta de 20 e poucos quando, em 1974, fez contato com a escritora. Viajou por tr�s ocasi�es ao Rio de Janeiro e tamb�m se correspondeu com ela – algumas missivas est�o no livro “Todas as cartas”. 

“A hora da estrela”, que acompanha a migrante nordestina Macab�a no Rio de Janeiro, foi gestada neste per�odo. Por isto a viagem a Recife � considerada “fundamental” pela bi�grafa. 

Sobre o romance, um dos t�tulos mais populares de Clarice, Teresa faz uma corre��o hist�rica. “Todo mundo diz que ‘A hora da estrela’ foi o �ltimo livro de Clarice. Mas n�o. Foi ‘Quase de verdade’, para crian�as.”. Resumo da hist�ria: Paulo Rocco fundou a editora que leva seu sobrenome em 1975. Em 1977, Clarice lhe deu o livro infantil para publicar. 

“Na entrevista da TV Cultura ela fala que terminou de escrever a novela (‘A hora da estrela’) e que estava meio oca, ent�o tinha come�ado a escrever uma hist�ria para crian�as. Ela disse isto em fevereiro de 1977 e morreu em dezembro. Fiquei perplexa quando me dei conta disto”, conta Teresa. “Quase de verdade” foi lan�ado postumamente, em 1978.

A quarta parte da obra dedica-se a mapear os caminhos de Clarice no Nordeste, em especial Pernambuco e Alagoas. A caprichada edi��o de “� procura da pr�pria coisa” traz importante material iconogr�fico. Um caderno de fotos cont�m 16 imagens – 13 delas s�o in�ditas, como as que ilustram esta p�gina. 

Al�m disto, � publicada pela primeira vez em livro imagem da tela “Mat�ria da coisa”, que Clarice pintou e com a qual presenteou sua comadre, a artista pl�stica Maria Bonomi. De pequena dimens�o (33x24cm), � uma das primeiras telas pintadas por Clarice, das 16 em que ela trabalhou, entre mar�o e setembro de 1975.

Com a sensa��o de miss�o cumprida, Teresa afirma que termina, com este livr�o, sua obra em torno de Clarice. “Dediquei a minha vida at� o presente momento a ela como uma miss�o mesmo, um presente. Como pesquisadora, quero parar com esse livro. Deixo minhas pesquisas para aqueles que quiserem ampliar o material. Acho que tem que haver uma renova��o no campo de Clarice, pois sempre vemos as mesmas coisas de ‘Clarice, o mito’. ‘Eu sou uma pergunta’ abriu um ciclo para mim. Nunca pensei que uma editora iria me convidar para organizar obras em torno de Clarice. E outras pessoas, mais jovens, podem trazer novas abordagens”, diz.

%u201CÀ PROCURA DA PRÓPRIA COISA: UMA BIOGRAFIA DE CLARICE LISPECTOR%u201D

“� PROCURA DA PR�PRIA COISA: UMA BIOGRAFIA DE CLARICE LISPECTOR”
.Teresa Montero
.Rocco (768 p�gs.)
.R$ 119, 90 (livro) e R$ 59,90 (e-book)

Teresa Montero sorri para a câmera, tendo ao seu lado as duas biografias que escreveu sobre Clarice Lispector
Teresa Montero diz ter encerrado com o novo livro sua dedica��o ao estudo da obra de Clarice Lispector, iniciada h� 31 anos (foto: Andrea Nestrea/Divulga��o )


ENSAIOS

A editora F�sforo lan�a no pr�ximo dia 25/11 o volume "Um s�culo de Clarice Lispector: Ensaios cr�ticos" (416 p�ginas). Com organiza��o das professoras da USP Yudith Rosenbaum e Cleusa Rios P. Passos, o livro traz 24 ensaios sobre a escritora, assinados por escritores e cr�ticos liter�rios. A publica��o � um desdobramento do Col�quio Internacional: Cem Anos de Clarice Lispector, realizado no ano passado por iniciativa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ci�ncias Humanas da Universidade de S�o Paulo. O livro ser� vendido a R$ 99,90; o e-book, a R$ 59,90.


CR�NICAS

A editora Relic�rio iniciou a pr�-venda de “A vertical das emo��es – As cr�nicas de Clarice Lispector”, de Georges Didi-Huberman,cujo lan�amento est� previsto para o pr�ximo dia 30/11. Fil�sofo e historiador da arte, o autor proferiu confer�ncias sobre as cr�nicas de Clarice Lispector na Universidade de Zurique, em 2019, dentro do ciclo dedicado a autores brasileiros organizado pelo professor Eduardo Jorge de Oliveira. “A vertical das emo��es" re�ne essas confer�ncias. O volume sai por R$ 33,90 e est� � venda no site da Relic�rio Edi��es.

 


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