CCBB-BH abre mostra com obras do Museu de Imagens do Inconsciente
'Nise da Silveira - A revolu��o pelo afeto', que ser� aberta nesta quarta (8/12), inclui dados biogr�ficos da psiquiatra e produ��o de artistas contempor�neos
A mostra re�ne aproximadamente 80 obras pertencentes ao acervo do Museu de Imagens do Inconsciente (foto: Leandro Couri/EM/D.A.Press)
Em janeiro deste ano, a equipe do Est�dio M’Barak� fez sua primeira incurs�o ao Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Havia muito que ver, mas o tempo era escasso. A primeira gaveta aberta, recorda-se bem o diretor de arte, Diogo Rezende, foi de aquarelas de Carlos Pertuis (1910-1977).
“Eram 30 ou 40 retratos de uma mesma face, atravessados por paisagens do Rio e tamb�m lugares imagin�rios, algo que fala sobre sermos muitos e como nos vemos na cidade”, comenta. Na sequ�ncia, outras 10 gavetas foram abertas – mas a for�a das imagens da primeira n�o saiu da cabe�a do curador.
Pertuis, Adelina Gomes, Emydio de Barros, Fernando Diniz, Lucio Noemann, todos eles foram artistas. Mas s� foram reconhecidos como tal por causa do trabalho empreendido por uma mulher. A psiquiatra alagoana Nise da Silveira (1905-1999), aluna de Carl Jung e radicalmente contr�ria ao eletrochoque e � lobotomia, de forma pioneira utilizou a arte como terapia para pessoas com sofrimentos ps�quicos. Atuando no Centro Psiqui�trico Pedro II (atual Instituto Municipal Nise da Silveira), fundou no local, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente.
Em sete d�cadas de atua��o, o museu, no Engenho de Dentro, Zona Norte da capital fluminense, viu seu acervo crescer velozmente: atualmente, o n�mero de obras catalogadas gira em torno de 400 mil. Uma parte pequena, mas bastante representativa, desse material poder� ser vista a partir desta quarta (8/12) no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte.
A exposi��o “Nise da Silveira – A revolu��o pelo afeto” apresenta um di�logo entre arte e loucura por meio da trajet�ria da psiquiatra, da obra de seus clientes (a maneira como ela chamava os pacientes) e de outros artistas, contempor�neos ou n�o a ela, que tamb�m lidaram com o tema.
Ocupando quatro salas e o corredor do primeiro piso do CCBB, a mostra re�ne mais de uma centena de obras. S�o tr�s diferentes grupos: parte do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, que forma o grosso da exposi��o; trabalhos de artistas modernos, que se relacionaram com ela e com suas ideias (como Lygia Clark e Abraham Palatnik); e um terceiro grupo, de nomes contempor�neos, cujas obras n�o t�m rela��o com a sa�de mental, mas que promovem um di�logo com a mostra.
O espa�o expogr�fico corresponde a quatro salas e o corredor do primeiro piso do CCBB, na Pra�a da Liberdade (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
ALICE
Deste �ltimo grupo, Diogo Rezende cita “Alice e o ch� atrav�s do espelho” (2014), fotoperformance de Rafael Bqueer que apresenta o artista paraense de costas, vestido como a personagem de Lewis Carroll, no meio de um lix�o.
“Ali temos uma Alice dist�pica, desconstru�da, feita por um homem negro em um cen�rio completamente assim�trico que retrata a realidade do Brasil e de muitos dos ‘clientes’ do hospital de Engenho de Dentro”, comenta o curador.
A mostra destaca em torno de 80 obras de pessoas que passaram pela institui��o de sa�de mental. O processo de sele��o foi grande, pois alguns dos nomes mais conhecidos, como Adelina Gomes e Emydio de Barros, deixaram no acervo do museu 17 mil e 3,3 mil obras, respectivamente. “O que fizemos foi mais um trabalho de edi��o, pois j� se falou muito sobre eles”, afirma Rezende.
No entanto, ele aponta algumas descobertas. Uma delas � de Beta d’Rocha. “Foi uma artista/cliente que esteve em diferentes per�odos no hospital e � um caso de reintegra��o social. Publicou um livro (‘A hist�ria de Beta’). Descobrimos pastas e pastas dela, que haviam sido pouco vistas”, cita Rezende.
A exposi��o gira em torno de tr�s n�cleos tem�ticos: “Contexto, dor e afeto”, “Nise, ser mulher, ser rebelde” e “Engenho de dentro”. “N�o quer�amos fazer uma exposi��o linear e biogr�fica. Encontramos a trajet�ria de Nise ao longo de toda a exposi��o”, explica o curador.
ELETROCHOQUE
O primeiro n�cleo mostra, por exemplo, Nise tendo contato com tratamentos de eletrochoque. H� uma hist�ria conhecida em que ela, bastante jovem, presencia a primeira sess�o de emprego da t�cnica. Finda a aplica��o em um paciente, o psiquiatra manda trazer outro e diz a ela: “Aperte o bot�o” (que daria in�cio ao eletrochoque). Ao que a jovem m�dica responde: “N�o aperto”.
Nesse n�cleo est�o expostos desenhos de Carlos Pertuis que exp�em a dor do paciente psiqui�trico. “Meu sofrimento na se��o, de quem � a culpa?” (1956) � o t�tulo do desenho feito por ele em grafite e l�pis de cera.
O segundo n�cleo, “Ser mulher, ser rebelde”, acompanha Nise durante sua forma��o em medicina, sua pris�o e a cria��o do ateli� de arte. Um dos destaques foi a recria��o de sua imensa biblioteca (ela mantinha um apartamento em cima de sua resid�ncia somente para guardar os livros, que eram apoiados em estantes feitas de tijolos). A pintora carioca Margaret de Castro foi convidada pela curadoria para recriar, em quatro telas, a biblioteca.
O �ltimo n�cleo, “Engenho de dentro”, foi constru�do a partir de uma analogia feita por um cliente de Nise, que dizia que o Engenho (referindo-se ao hospital) era o pr�prio inconsciente. Nessa se��o, � enfatizada a rela��o da psiquiatra com Carl Jung, de quem foi aluna e seguidora. A exposi��o tem uma vers�o virtual (acesso pelo site nisenoccbb.com.br), que inclui um tour 360 e uma experi�ncia sonora descritiva que recria os ambientes da mostra com dramaturgia.
Dividida em tr�s eixos, a exposi��o descreve o percurso profissional de Nise da Silveira a partir de seus anos de forma��o como m�dica (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
SAIBA MAIS Quem foi Nise da Silveira
Nascida em Macei�, filha do professor de matem�tica e jornalista Faustino Magalh�es da Silveira e da pianista Maria L�dia da Silveira, Nise da Silveira foi a �nica mulher entre os 157 formandos de 1926 da Faculdade de Medicina da Bahia. Pouco depois de se formar, casou-se com o sanitarista M�rio Magalh�es, com quem viveu por toda a vida. O casal, que se mudou para o Rio em 1927, n�o teve filhos.
Nos anos 1930, Nise se especializou em psiquiatria. Em 1936, durante a ditadura Vargas, ela era residente no Hospital Nacional de Alienados. A den�ncia de uma enfermeira, que declarou que a m�dica possu�a “literatura comunista”, levou-a para a pris�o. Acusada de ser militante, ficou encarcerada durante um ano e tr�s meses.
Libertada em 1937, viveu com o marido numa situa��o de semiclandestinidade e quase pen�ria. S� voltou ao servi�o p�blico ap�s ser anistiada, em 1944, mas em outro hospital carioca: o Centro Psiqui�trico Nacional Pedro II, em Engenho de Dentro. Por sua discord�ncia em aplicar eletrochoques nos pacientes, foi transferida para o setor de terapia ocupacional. Em 1946, fundou na institui��o a Se��o de Terap�utica Ocupacional, criando ateli�s de arte para os pacientes.
Na d�cada de 1950, al�m de fundar o Museu de Imagens do Inconsciente, Nise tamb�m se aproximou de Carl Jung. Depois de trocas intensas de correspond�ncia, foi para Zurique, onde estudou com ele. Posteriormente, formou o Grupo de Estudos Carl Jung e publicou “Jung: Vida e obra” (1968), entre outros livros.
Morreu no Rio de Janeiro, aos 94 anos, em 30 de outubro de 1999. Em 2016, o cineasta Roberto Berliner lan�ou a cinebiografia “Nise: O cora��o da loucura”, com Gl�ria Pires no papel-t�tulo.
NISE DA SILVEIRA – A REVOLU��O PELO AFETO
A exposi��o ser� aberta nesta quarta (8/12), �s 10h, no Centro Cultural Banco do Brasil, Pra�a da Liberdade, 450, Funcion�rios. Visita��o de quarta a segunda, das 10h �s 22h. Entrada franca, mediante retirada de ingresso com agendamento pr�vio no site Eventim. At� 28 de mar�o