(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA

Di�rios e cartas de Marina Tsvetaeva s�o ''transcriados'' por Ana Alvarenga

O livro ''Textos exilados'', com fragmentos da obra da escritora russa, � resultado de ampla pesquisa da tradutora para seu p�s-doutorado


20/12/2021 04:00 - atualizado 19/12/2021 19:41

Retrato do rosto da escritora russa Marina Tsvetaeva
Marina Tsvetaeva abordou o ex�lio -- f�sico e psicol�gico -- como poucos escritores. Ela est� entre os autores mais importantes do s�culo 20 (foto: Reprodu��o)
 
 
A literatura russa se destaca no cen�rio editorial brasileiro neste 2021, com obras e autores apresentados ao p�blico ou alcan�ando visibilidade por meio de elogiadas tradu��es. Em abril, Irineu Franco Perp�tuo apresentou o guia “Como ler os russos”; em novembro, foi lan�ada a primeira tradu��o nos pa�ses lus�fonos de “Tchevengur”, obra referencial de Andrei Plat�nov, chamado de “Guimar�es Rosa russo”. No in�cio deste m�s, chegou �s livrarias “Marina Tsvetaeva: Textos exilados”, fruto da pesquisa de p�s-doutorado da tradutora Ana Alvarenga.

Apesar de sua vasta obra, que inclui poemas – pelos quais � mais conhecida – e tamb�m prosa, pe�as teatrais, composi��es musicais, cartas e di�rios, Marina Tsvetaeva tem pouqu�ssimos livros traduzidos no Brasil. Ana Alvarenga acredita que mesmo em �mbito global, se for considerada a grandeza quantitativa e qualitativa de seu legado, trata-se de autora pouco lida e pouco estudada.

“Marina come�a a despontar aqui, onde ainda � muito desconhecida. Salvo engano, o livro que lancei � a terceira ou quarta tradu��o dela no Brasil. Na Fran�a, onde viveu exilada por muitos anos, j� h� uns 15 livros traduzidos. Por l�, o n�mero de tradu��es vem aumentando, mas a leitura ainda � t�mida. Mesmo na R�ssia, Marina demorou para se fazer conhecer”, diz a tradutora.

Ana Alvarenga come�ou a se dedicar � russa justamente em sua temporada na Fran�a. Diante da extens�o da obra de Tsvetaeva, optou por se concentrar nas cartas e di�rios, que considerou o melhor caminho para entrar na intimidade dela.

“Como era um ser em permanente ex�lio, literal e existencial, a correspond�ncia foi crucial na vida dela, porque estava o tempo todo tentando traduzir a pr�pria vida. Marina se correspondia com gente que conhecia e tamb�m com quem n�o conhecia, e essa era uma forma de se traduzir”, aponta.

''Na mesma medida em que vivia a plenitude da felicidade, vivia a plenitude da tristeza, e isso se intercalava em sua vida. A trag�dia est� completamente marcada na escrita dela, porque Marina estava justamente transcrevendo sua exist�ncia''

Ana Alvarenga, tradutora


Sem ter, a princ�pio, no��o da amplitude do talento da autora russa, Ana Alvarenga mergulhou nos livros traduzidos para o franc�s – a maioria trazia correspond�ncias, al�m de dois grandes di�rios, um deles escrito no per�odo em que Marina viveu na Fran�a. Diante dessa obra, ficou claro o desejo de traduzir as cartas. “Mesmo assim, eu ainda estava �s voltas com uma infinidade de textos”, destaca.

“CARTAS A ANA”

“Embora tenha lido v�rios outros livros, como ‘Correspond�ncia a tr�s’, em que ela troca cartas com Rainer Maria Rilke e Boris Pasternak, fui ao ‘Cartas a Ana’. Marina tinha essa correspondente, a mais fiel e rec�proca, que se chamava Ana e morava na Tchecoslov�quia. Foi o material que mais me tocou, nem teve a ver com a coincid�ncia do nome”, explica.

Ana lia Marina j� fazendo os fichamentos e, a partir deles, coletava fragmentos que viria a publicar em “Textos exilados”.

“Quando fui rever os fichamentos, me dei conta de que quase 100% eram do ‘Cartas a Ana’. Foi o que sobrou de tudo o que fui lapidando”, observa. Com rela��o aos di�rios, dos quais tamb�m foram extra�dos fragmentos que comp�em a rec�m-lan�ada tradu��o, Ana Alvarenga diz que eles revelam uma autora obsessiva, que procurava registrar absolutamente tudo o que observava e sentia, chegando a ponto de registrar quantas palavras a filha falava em diferentes idades ao longo da inf�ncia.

“O mais genial � que ela leva para os di�rios um dom�nio da l�ngua e um dom�nio filos�fico gigantescos. Marina tinha enorme dom�nio da gram�tica, da sintaxe, de tudo. Ent�o, era uma tentativa liter�ria de detalhar a vida”, explica Ana Alvarenga.

“Cartas e di�rios foram os textos que me trouxeram o mais �ntimo de Marina como mulher, como filha, como m�e e em termos de forma��o intelectual. Foi minha forma de entrar na subjetividade dela”, diz.

Nascida no seio da aristocracia, Marina Tsvetaeva teve uma vida de contornos tr�gicos a partir da segunda d�cada do s�culo 20, �s voltas com degredo, a mis�ria e a morte. Esse ingrediente est�, segundo Ana, presente de forma marcante em seus textos.

“Na mesma medida em que vivia a plenitude da felicidade, vivia a plenitude da tristeza, e isso se intercalava em sua vida. A trag�dia est� completamente marcada na escrita dela, porque Marina estava justamente transcrevendo sua exist�ncia. Muito nova, j� falava em suic�dio, que n�o ia dar conta, falava que n�o cabia nesta vida”, ressalta.

A primeira obra da russa que Ana Alvarenga leu, “Vivendo sob o fogo: Confiss�es, compila��o de cartas, poemas e di�rios”, a fez entender que precisaria adotar metodologia especial para delimitar os temas abordados pela autora. Organizado por Tzvetan Todorov, o volume foi traduzido para o portugu�s por Aurora Fornoni Bernardini.

''O mais genial � que ela leva para os di�rios um dom�nio da l�ngua e um dom�nio filos�fico gigantescos. Marina tinha enorme dom�nio da gram�tica, da sintaxe, de tudo''

Ana Alvarenga, tradutora



“Este livro � um calhama�o de 750 p�ginas. Usei cores, grifava de azul tudo o que ela falava sobre o amor, de amarelo o que era sobre tristeza, de vermelho o que era a hist�ria da Uni�o Sovi�tica”, revela.

Isso permitiu a Ana chegar ao que chama de sete significantes, em torno dos quais os fragmentos reunidos em “Textos exilados” orbitam: vazio, ex�lio, estrangeiro, partida, natureza, amor e morte.

Presente j� no t�tulo, a quest�o do ex�lio � central na obra de Marina. “Me refiro ao ex�lio propriamente dito, literal, porque ela foi exilada durante muitos anos, e tamb�m ao ex�lio existencial, no sentido de ela se sentir sempre algu�m de fora, de n�o se ver inclu�da em nenhum c�rculo”, diz.
 
A tradutora Ana Alvarenga canta diante do microfone e leva a mão ao peito
Ana Alvarenga usou a m�sica, ponto em comum entre ela e Marina Tsvetaeva, para ajud�-la a traduzir cartas e di�rios da autora russa (foto: Dila Puccini/divulga��o)
 

M�SICA

Assim como Marina Tsvetaeva, que deixou diversas composi��es, Ana Alvarenga � musicista e integra, ao lado da m�e e da irm�, o Capella em Trio. Esse ponto de converg�ncia acabou refor�ando a intera��o da brasileira com a russa.

“Quando traduzimos, fazemos muito uso de dicion�rio, � o terceiro corpo entre o tradutor e a l�ngua traduzida. A m�sica, para mim, foi como dicion�rio, o terceiro corpo que me permitiu traduzir o que estava lendo de Marina. Usando o conceito de Haroldo de Campos, ‘transcriei’, o que passa pela ideia de traduzir literatura em m�sica, �udio, v�deo, em outras express�es”, diz.

H� outra coincid�ncia: pelo fato de a m�e de Marina ter sido pianista, assim como a m�e de Ana, a presen�a da m�sica vem desde a inf�ncia para ambas.

Orientadora de Ana no p�s-doutorado, Lucia Castello Branco sugeriu que ela fizesse as tradu��es de forma org�nica durante suas pesquisas na Fran�a. “Num dado momento, entendi que estava traduzindo do franc�s para o portugu�s a obra de uma autora que escrevia em russo. Comecei a tradu��o diretamente do russo para o portugu�s por meio da m�sica, cantando em portugu�s as m�sicas que Marina escreveu em russo”, explica.

Ana Alvarenga se dedicou durante um ano e meio ao estudo da l�ngua russa para balizar seu trabalho. “Adotei tr�s procedimentos diferentes: traduzir, ‘transcriar’ e transpor”, conta.

No posf�cio de “Textos exilados”, Lucia Castello Branco escreve: “N�o � preciso dizer que Ana se lan�ou, imediatamente, nessas pr�ticas, seja viajando para a Fran�a, no in�cio de seu est�gio p�s-doutoral, para recolher imagens dos lugares habitados e das paisagens percorridas por Marina Tsvetaeva e por ela mesma, em sua adolesc�ncia; seja realizando um enorme volume de tradu��es de cartas, poemas e textos ensa�sticos da poeta russa, escritos em franc�s; seja ingressando em aulas particulares da l�ngua russa; seja ainda compondo um show verbovocovisual para terrenos baldios, que terminou por se desdobrar em um CD e em um filme sobre, com e para Marina.”

Tr�gica jornada

A moscovita Marina Tsvetaeva (1892-1941) nasceu em fam�lia pr�spera e culta. Adolescente, j� dominava o franc�s e o alem�o. Quando estourou a Revolu��o Russa, ela tinha duas filhas com Serguei Efron, que lutava contra os bolcheviques. Viveram em extrema mis�ria – uma das meninas morreu de fome em 1919, aos 4 anos. Em 1922, Marina se exilou em Praga, seguindo para a Fran�a em 1925, ano em que teve o filho Georgy. Ignorada por quem n�o falava russo e incompreendida nos c�rculos liter�rios dos emigrados, ela sustentou marido e filhos com trabalhos espor�dicos e a ajuda de amigos. Em 1939, voltou � R�ssia para se juntar a Efron e � filha. O marido foi fuzilado e Ariadna enviada a um campo de prisioneiros na Sib�ria. Em 1941, quando a Alemanha invadiu a Uni�o Sovi�tica, Marina e o filho foram evacuados para El�buga, na rep�blica t�rtara. A escritora se enforcou l�, aos 48 anos.

 

Capa do livro textos isolados
''MARINA TSVETAEVA: TEXTOS EXILADOS''

. Tradu��o de Ana Alvarenga
. Cas’a Edi��es
. 100 p�ginas
. R$ 40
. � venda no site da editora(https://casaedicoes.com/)

 

 
 
 
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)