
Leia: Augusto Massi: 'Me sinto herdeiro dessa milit�ncia a favor da cr�nica'
Organizado e prefaciado por Augusto Massi, “Os sabi�s da cr�nica – antologia” (Aut�ntica) celebra o legado de Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, S�rgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e Jos� Carlos de Oliveira, publicando 15 textos de cada um. Na capa e nas p�ginas iniciais, as imagens feitas em 1967 pelo fot�grafo Paulo Garcez no apartamento de Braga mostram sua conviv�ncia fraterna, baseada em s�lidos v�nculos de amizade e num sentimento de grupo, embora perten�am a pelo menos tr�s gera��es, como explica Massi na abertura do volume.
Algo semelhante ocorre quanto � sua origem. Se todos foram identificados pelo imagin�rio popular, em alguma medida, como “cronistas do Rio”, a verdade � que somente Vinicius e S�rgio Porto eram, de fato, cariocas. O amor � cidade, no entanto, era comum a todos, e a cr�nica, g�nero tipicamente urbano, o meio que mais usaram para express�-lo.
Os “sabi�s” reunidos por Augusto Massi integram um ciclo por ele situado entre o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, e o fechamento da Editora Sabi�, em 1972. Extra�dos de obras de estreia e at� de colet�neas p�stumas, os 90 textos fornecem um rico panorama da produ��o de cada um. A anim�-lo, o prop�sito de armar um quadro hist�rico e cultural �til para compreender o Brasil do per�odo retratado.
O que tamb�m fica em evid�ncia � o poder de comunica��o do g�nero, caracte rizado pela linguagem clara, simples e direta e pela dic��o humanizada e emp�tica da voz do cronista, capaz de cativar numerosos leitores, respons�veis por sua popularidade.
Rela��o com o espa�o
Mais um elemento digno de nota � a rela��o com o espa�o. Os territ�rios pelos quais se movem os seis autores s�o dotados de encantos que escapam aos menos avisados. A come�ar pela natureza que os rodeia. Plantas e bichos, principalmente p�ssaros, v�o para o centro do palco, assim como o sol e o mar. O “Tuim criado no dedo”, de Rubem Braga, assim como “O conde e o passarinho”, de Vinicius, que trata da not�ria afei��o do amigo capi- xaba pelas aves, s�o apenas alguns exemplos.
O modo de lidar com a cidade tamb�m chama a aten��o. O Rio de Janeiro, sobretudo, sai da condi��o de cen�rio para ganhar status de protagonista. Muitas vezes, aparece como mulher sedutora, cheia de encantos, capaz de enfeiti�ar os que dela se aproximam. Copacabana – e, principalmente, Ipanema – ganham uma centralidade in�dita. Em longo texto, Paulo Mendes Campos conta a hist�ria do bairro desde quando era vila e reunia poucas casas, como as de An�bal Machado e Vinicius de Moraes. A men��o � cobertura de Rubem Braga, na Rua Bar�o da Torre, atr�s da Pra�a General Os�rio, em Ipanema, � inevit�vel. Tida por Mendes Campos como o lugar onde todos se encontram, � respons�vel por conferir ao seu propriet�rio o ep�teto de “fazendeiro do ar”.
Na pena dos seis cronistas, outra tarefa fundamental � descobrir os incr�veis personagens que habitam a cidade. Braga relembra Noel Rosa; Vinicius cita Grande Otelo, Ciro Monteiro, Dorival Caymmi e Ant�nio Maria; Paulo Mendes Campos imortaliza Garrincha e Lamartine Babo; Jos� Carlos de Oliveira evoca L�cio Cardoso. Os tipos comuns se tornam extraordin�rios. “O bal� do lei- teiro”, de Fernando Sabino, e “O cego de Ipanema”, de Paulo Mendes Campos, s�o provas de que na exist�ncia aparentemente banal � tamb�m poss�vel enxergar o que � �nico. Cenas da “vida mi�da” vivida por “gente mi�da”, facilmente desprezada pela maioria, viram pedras preciosas. “A �ltima cr�nica”, texto j� cl�ssico de Sabino, lan�a sua luz radiante sobre um modesto casal an�nimo festejando o anivers�rio da filha num botequim da G�vea, quando a megal�pole deixa de ser fria e impessoal para situar-se como o lugar da realiza��o de sonhos, e, por que n�o, da produ��o de pequenos milagres...
Mat�ria sempre farta para a boa literatura, a mem�ria � tamb�m alimento de que se servem os seis. Para nutrir a sua prosa, Rubem Braga retorna ao C�rrego Amarelo, da Cachoeiro do Itapemirim natal. Fernando Sabino volta aos tempos de estudante do Gin�sio Mineiro, quando era colega de sala de H�lio Pellegrino, e ao Instituto Padre Machado, tamb�m em Belo Horizonte, onde lecionou ao lado de Otto Lara Resende, filho do diretor da escola. Paulo Mendes Campos lamenta as mudan�as urban�sticas sofridas pela capital mineira (“Enterram a minha cidade e muito de mim com ela”). S�rgio Porto chora a “Casa demolida”.
Em �bvia refer�ncia autobiogr�fica, Jos� Carlos Oliveira relembra sua “Chegada ao Rio”. Os ecos da inf�ncia e da juventude de todos eles, quase sempre, se fazem sentir nos textos reunidos por Augusto Massi.
Leitura para frui��o e deleite (e �timo presente de Natal...), “Os sabi�s”, no entanto, oferece mais. D� espe- ran�a e alento. � testemunho vigoroso de que j� existiu uma “�poca de ouro” em v�rios circuitos da vida cultural brasileira (literatura, m�sica, cinema, teatro...), quando foi poss�vel cultivar, bem mais que hoje, a liberdade do esp�rito, a fala solta e a conviv�ncia prazerosa e bem-humorada com os amigos, sem as precau��es e cautelas t�o em voga na atualidade, dominada, certamente, por uma paisagem mais sombria e mais triste.
*Rog�rio Faria Tavares � jornalista, doutor em literatura e presidente da Academia Mineira de Letras