(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA

Augusto Massi: 'Me sinto herdeiro dessa milit�ncia a favor da cr�nica'

Poeta detalha a organiza��o da antologia 'Os sabi�s da cr�nica', o momento do jornalismo brasileiro e a rela��o dele com a literatura de Minas Gerais


17/12/2021 04:00 - atualizado 17/12/2021 17:20

 Rubem Braga, em Ipanema, no verão de 1967, o anfitrião recebeu Paulo Mendes Campos, Sérgio Porto, José Carlos Oliveira, Vinicius de Moraes e Fernando Sabino
Encontro marcado para divulga��o da Editora Sabi�. Na cobertura de Rubem Braga, em Ipanema, no ver�o de 1967, o anfitri�o recebeu Paulo Mendes Campos, S�rgio Porto, Jos� Carlos Oliveira, Vinicius de Moraes e Fernando Sabino (foto: paulo garcez/divulga��o)
Augusto Massi � um tipo raro na vida liter�ria brasileira: com um p� na universidade, e outro no mundo editorial, o poeta e cr�tico paulista construiu, ao longo de mais de tr�s d�cadas, uma carreira invej�vel. Seja no c�mpus universit�rio, orientando teses como a de Guilherme Tauil, e que resultou em “Vento vadio”, seja como editor, com passagens por casas editoriais como Duas Cidades, 34, Cosac Naify e, mais recentemente a mineira Aut�ntica, a digital de Massi pode ser encontrada em muito do melhor que � produzido hoje na literatura brasileira.   

Leia a resenha: Antologia 'Os sabi�s da cr�nica' celebra legado de sexteto de escritores
Este paulista de fala baixa, mansa e meditada, que de t�o discreto �s vezes parece ser mineiro, conversou com o Pensar. Na entrevista, falou, entre outros assuntos, da cr�nica brasileira, de seu trabalho como editor, de sua rela��o com a literatura mineira e do atual momento do jornalismo brasileiro.

Acompanho seu trabalho desde que voc� organizou, ainda nos anos 1990, a cole��o “Claro enigma”. De l� pra c�, muita �gua passou debaixo da ponte: seu trabalho na Editora 34, na Cosac Naify. E, claro, o mais recente de todos: "Os sabi�s da cr�nica". Voc� poderia falar um pouco da sua trajet�ria?
As pessoas sempre manifestam certa incompreens�o, uma vis�o parcial ou fragmentada a respeito da minha trajet�ria intelectual. N�o deixa de ser curioso, alguns n�o me reconhecem como algu�m da esfera universit�ria: sou professor de literatura brasileira na USP desde 1990. Outros ficam perplexos quando ficam sabendo que durante 10 anos respondi pelo projeto editorial da Cosac Naify; por fim, muitos n�o se recordam das minhas v�rias passagens pela Folha de S. Paulo, onde fui editor de livros, cr�tico liter�rio com coluna fixa sobre poesia contempor�nea, entrevistador contumaz (Drummond, Jo�o Cabral, Ferreira Gullar, Raduan Nassar, Ad�lia Prado, Orides Fontela etc.), correspondente em Madri e em Paris etc.

E, por mais que soe como um absurdo ou um relato fant�stico, em nome da USP e da Folha de S. Paulo, em 1984, trouxe Jorge Luis Borges ao Brasil. Tudo isso pode soar meio ‘faits divers’, um tanto de diletantismo e muita indisciplina intelectual. Mas, visto com alguma generosidade, tamb�m pode apontar para um di�logo permanente com a literatura.

A poesia sempre teve um papel central na sua trajet�ria, n�o � verdade?
A poesia sempre foi o nervo central. Como voc� bem lembrou, o primeiro ciclo da minha experi�ncia editorial come�a com a cole��o “Claro enigma”, feita em regime de parceria com a Livraria Duas Cidades. Entre 1988 e 1990, publiquei 13 livros que se propunham a realizar um mapeamento da poesia brasileira contempor�nea, seja pela reuni�o da obra completa de nomes como Francisco Alvim, Orides Fontela, Sebasti�o Uchoa Leite, Age de Carvalho, Maria L�cia Alvim, seja poetas at� ent�o in�ditos ou pouco conhecidos, caso do Paulo Henriques Britto, Alcides Villa�a, Alberto Martins, Duda Machado etc. Tudo em sintonia com alguns dos melhores cr�ticos liter�rios que assinaram orelhas memor�veis: Roberto Schwarz sobre Francisco Alvim, Flora Sussekind sobre Ronaldo Brito, Antonio Candido sobre Orides, Murilo Marcondes de Moura sobre Alberto Martins, J�lio Casta�on sobre Age de Carvalho, Rodrigo Naves sobre Jos� Paulo Paes.

Al�m disso, no melhor esp�rito modernista, procurei estabelecer uma conversa entre poetas e artistas pl�sticos: Mira Schendel e Orides, Am�lcar de Castro e Sebasti�o Uchoa Leite, Nuno Ramos e Rubens Rodrigues Torres Filho, Tunga e Jo�o Moura Jr., Guto Lacaz e Duda Machado. Boa parte desses autores vingaram. E at� mesmo Maria L�cia Alvim, que, na �poca, n�o havia sido bem compreendida, foi resgatada com o premiado “Batendo pasto” (Relic�rio, 2020), gra�as ao olhar atento e generoso do Ricardo Domeneck e do Guilherme Gontijo Flores. A Claro Enigma foi minha primeira interven��o cr�tica. A cole��o correspondia ao esfor�o de escrever um ensaio. Naquele per�odo, editar um livro era car�ssimo. E ainda t�nhamos que lutar contra o preconceito de que “poesia n�o vende”.

A Claro Enigma n�o s� vendeu bem como me abriu os olhos para uma produ��o ignorada que chegava pelo correio, vinda de diferentes cantos do pa�s. Parte do material foi incorporado num grande evento, “Artes e of�cios da poesia”, realizado em maio de 1990. Poetas e editores do Brasil todo  – Cl�ber Teixeira, Massao Ohno etc. – ocuparam o Masp durante uma semana intensa, fren�tica, fan�tica, manh�, tarde e noite. Poetas que n�o pude publicar na Claro Enigma foram contemplados no evento e, posteriormente, participaram de uma antologia hom�nima, na qual foram convidados a redigir uma esp�cie de “itiner�rio de Pas�rgada”.

Nessas duas aventuras editoriais, contei sempre com a Livraria Duas Cidades e com uma amiga de todas as horas, Gisela Creni, que a partir dessa experi�ncia acabou por escrever “Editores artesanais brasileiros” (Aut�ntica, 2017). Encerrado este primeiro ciclo, entrei na Universidade de S�o Paulo. E, paradoxalmente, foi na condi��o de professor que me senti for�ado a retomar as antigas tarefas de editor. Para ficarmos num s� exemplo, era imposs�vel ministrar um curso sobre modernismo sem falar do Raul Bopp. No entanto, os livros do poeta n�o estavam dispon�veis sequer na biblioteca da faculdade. Como oferecer aos alunos uma vis�o de conjunto da sua obra po�tica? N�o restava outra alternativa: m�os � obra! Organizei a primeira edi��o das “Poesias completas de Raul Bopp” (Jos� Olympio, 1998).

Anos depois, em 2013, preparei a segunda edi��o revista e ampliada. Nesse caso, contei com a cumplicidade da editora Maria Am�lia Mello, � frente da Jos� Olympio. E que tamb�m me convidou para organizar “Os sabi�s da cr�nica”, pela Aut�ntica. Para encurtar, o segundo ciclo de minha interven��o cr�tica surgiu em fun��o do exerc�cio da doc�ncia. Comecei a observar que estava se abrindo um abismo entre a gera��o de grandes cr�ticos formados pela USP e os alunos de gradua��o e p�s-gradua��o que j� estavam perdendo contato com um repert�rio de obras de refer�ncia. Ent�o, propus � Editora 34 montar uma cole��o de cr�tica voltada para o p�blico universit�rio.

A receptividade da editora foi t�o boa que montamos um conselho editorial – Antonio Candido, Alfredo Bosi, Gilda de Mello e Souza, Davi Arrigucci, Flora Sussekind, Roberto Schwarz –  e come�amos a republicar t�tulos que constavam do cat�logo da extinta Livraria Duas Cidades. Foi uma experi�ncia muito bem-sucedida, tanto do ponto de vista pessoal como do editorial. Pude desfrutar do conv�vio e da amizade intelectual com v�rias dessas figuras. O Antonio Candido abra�ou o projeto. N�o s� batizou a cole��o, “Esp�rito cr�tico”, como cedeu materiais in�ditos para a reedi��o de “Os parceiros do Rio Bonito”. Tive ainda o privil�gio de organizar a �ltima colet�nea de ensaios de Gilda Mello e Souza, “A ideia e o figurado!”, onde se encontra um ensaio not�vel sobre Fred Astaire.

Pouco a pouco, a cole��o foi ampliando sua proposta inicial e passou a publicar obras cl�ssicas de Georg Luk�cs, Erich Auerbach, Benjamin, Adorno. A cole��o continua bastante ativa e atualmente � tocada pelo Milton Ohata. Em 2001, surgiu o convite para criar uma cole��o em uma nova editora: Cosac Naify.  A porta de entrada foi a “Prosa do mundo”, cole��o composta por cl�ssicos da literatura universal, coordenada por Davi Arrigucci, Samuel Titan e por mim.

Foto de Augusto Massi,
Augusto Massi, organizador daantologia lan�ada pela Editora Aut�ntica (foto: DIVUlGA��O)
Foi na Cosac que voc� permaneceu por mais tempo...
Quando entrei, a editora tinha pouco mais que 70 t�tulos; quando sa�, o cat�logo exibia mais de 800 t�tulos. Posso dizer que a minha interven��o cr�tica no mundo editorial passou por tr�s ciclos: a cole��o “Claro enigma”, pela Editora Duas Cidades; a cole��o “Esp�rito cr�tico”, pela Editora 34, e o projeto mais amplo de todos, pela Cosac Naify, pensado para ser uma editora que pudesse integrar todas as artes, num diapas�o te�rico que pudesse ser ao mesmo tempo universit�ria [trazendo �ndice onom�stico, fortunas cr�ticas, muitas notas] e art�stica [departamento gr�fico dentro da editora, projetos gr�ficos originais]. Isso ainda hoje n�o foi inteiramente percebido pelo mercado.

�ramos identificados por edi��es luxuosas. Mas t�nhamos cole��es e livros baratos que conceitualmente pareciam um luxo, por�m a liberdade total para ousar, correr riscos, repaginar o livro. Outro ponto interessante, havia um prop�sito de articular o cat�logo infantil com os livros de arte, os livros de antropologia com os de fotografia, os de arquitetura. A ideia era ampliar os territ�rios do livro, fazer o leitor compreender a materialidade deste objeto: expor as lombadas costuradas e coladas, fazer o leitor sentir a gramatura e a textura do papel, jogar as p�ginas tradicionais de abertura (todo aquele esqueleto de ficha catalogr�fica, p�ginas de cr�ditos fossem para o final e que o leitor penetrasse logo naquele cinema de imagens e palavras).

Nunca desejei ser um editor profissional ou propriet�rio de uma editora. A minha atua��o dentro do meio sempre esteve vinculada a projetos. Por isso, gosto de falar em interven��es cr�ticas. Editar � uma forma de meditar sobre a cena cultural. Por que toda esta longa exposi��o? A resposta pode ser resumida do seguinte modo: no pref�cio que escrevi para “Os sabi�s da cr�nica” procurei reconstruir uma sociabilidade liter�ria que se formou em torno da Editora do Autor e da Editora Sabi�; talvez essa sinuosa linha de pesquisa revele liga��es clandestinas e subterr�neas com a minha experi�ncia pessoal. De alguma forma, me sinto herdeiro e continuador dessa milit�ncia a favor da cr�nica realizada pelo Rubem Braga e pelo Fernando Sabino.   

Voc� � um dos principais cr�ticos liter�rios da sua gera��o. E ajudou a desfazer o preconceito que existia ao g�nero cr�nica. Poderia falar um pouco sobre sua vis�o da cr�nica na literatura brasileira? 
Sinceramente, n�o me considero um dos principais cr�ticos liter�rios da minha gera��o. Estou bem longe disso. E mesmo com rela��o � discuss�o em torno da cr�nica, escrevi muito pouco. Entre o que julgo relevante, est� um livrinho bem simp�tico que inventei, “Retratos parisienses” (Jos� Olympio, 2013), reunindo cr�nicas in�ditas do Rubem Braga. Mais recentemente, venho me dedicando � cr�tica com a devida concentra��o. Nesse sentido, creio que a Flora Sussekind � a principal cr�tica da minha gera��o, com trabalhos originais, de f�lego, renovando a hist�ria liter�ria, com alta voltagem te�rica e um recorte agud�ssimo da produ��o contempor�nea.

Num �mbito mais amplo, temos cr�ticos como o Murilo Marcondes de Moura, autor de “O mundo sitiado: A poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial” (Editora 34, 2016), livro vazado numa linguagem equilibrada e limpa, que ergue pontes entre o principal acontecimento hist�rico do s�culo passado e os poetas do alto modernismo. Embora n�o se debrucem sobre a cr�nica, Jos� Miguel Wisnik, Nuno Ramos, Lorenzo Mamm�, Viviana Bosi, Eduardo Sterzi, entre outros, v�m publicando livros de ensaios not�veis. Dentro do terreno da cr�nica, tenho a convic��o de que o cr�tico que realmente representou um ponto de virada foi John Gledson.

Ele vislumbrou um vi�s interpretativo para a fic��o de Machado de Assis a partir da cr�nica do escritor. O modelo de edi��o proposto e consolidado por ele – estabelecimento confi�vel dos textos, �timas notas explicativas, introdu��es que combinam contexto hist�rico e an�lise detalhada – tornou-se uma refer�ncia obrigat�ria.

De l� para c�, surgiram trabalhos de f�lego: “Toda cr�nica” (Agir, 2004), de Lima Barreto, organizada em dois volumes por Raquel Valen�a e Beatriz Resende (esta �ltima responde por v�rios resgates e incurs�es enriquecedoras pelo territ�rio da cr�nica); “Bilac, o jornalista” (Editora Unicamp/ Edusp/ Imprensa Oficial do Estado, 2006), organizada em tr�s volumes por Antonio Dimas, as cr�nicas de Manuel Bandeira (Cosac Naify, 2011), organizadas por J�lio Casta�on Guimar�es, tamb�m em tr�s volumes: “Cr�nicas da prov�ncia do Brasil” (2006) e dois volumes intitulados “Cr�nicas in�ditas” (2008, 2009). De algum modo, contribui com a organiza��o de duas obras extraordin�rias de Carlos Drummond de Andrade:  “Confiss�es de Minas” e “Passeios na ilha”. 

Na web, o trabalho do cronista Humberto Werneck, feito no Portal da Cr�nica, tamb�m me parece importante...
Sem d�vidas e ia falar dele agora. � vis�vel que o estudo da cr�nica vem adquirindo maior centralidade. O “Portal da cr�nica”, do Instituto Moreira Salles, coordenado de forma competente pelo cronista  Humberto Werneck confirma o crescente interesse pelo g�nero como uma ferramenta para a reflex�o e para o estudo mais amplo da nossa cultura. Curiosamente, no contrap� dessas observa��es, � preciso tomar alguns cuidados com os crit�rios editoriais que t�m pautado as edi��es dos nossos cronistas modernos.

Ao preparar "Os sabi�s da cr�nica", constatei que existem s�rios problemas com rela��o a fixa��o dos textos. Por vezes, as cr�nicas s�o simplesmente transcritas dos jornais e das revistas, sem nenhuma prepara��o ou checagem no sentido de verificar se aquela cr�nica, por exemplo, foi publicada posteriormente em livro. As cr�nicas de Rubem Braga, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos foram muito modificadas pelos pr�prios cronistas quando passam para o livro. Outra quest�o, quando um organizador opta por n�o reeditar os livros originais e opta por diluir o conjunto das cr�nicas em uma antologia tem�tica,  perde-se a organiza��o original proposta pelo cronista: lendo os livros podemos entender por que ele escolheu determinada cr�nica para abrir o volume e outra para fechar? Do meu �ngulo, essa escolha sugere uma prefer�ncia ou um gosto pessoal do cronista que sempre deve ser levado em conta.

O volume de cr�nicas de Ant�nio Maria, organizado pelo Guilherme Tauil, � resultado de um mestrado defendido sob sua orienta��o. Poderia falar um pouco deste trabalho?
"Vento vadio" (Todavia, 2021), organizada pelo Guilherme Tauil, representa uma das alegrias da vida universit�ria. Toda orienta��o n�o deixa de ser tamb�m uma forma de aprendizado. O orientando, seja de mestrado ou doutorado, possibilita uma amplia��o do nosso horizonte de leituras, nos obriga a enveredar por novos territ�rios. Em alguma medida, nos rejuvenescem, desenferrujam e reacendem a curiosidade pela pesquisa. Alguns chegam quase prontos. Esse parece ser o caso do Guilherme Tauil. Desde a gradua��o, cultivava um interesse quase obsessivo pela cr�nica: organizou ciclos de debates, criou um blog, A Quarta Capa, e aos 22 anos, publicou um volume de cr�nicas, "Sobreviventes do ver�o" (2015), prefaciado por Ivan Angelo e com orelha assinada pelo Lu�s Henrique Pellanda.

Quando me procurou para ingressar no mestrado, o seu objeto de estudo j� estava definido: Ant�nio Maria. Como eu estava mergulhado na pesquisa de "Os sabi�s da cr�nica", pude ajud�-lo criando um contraponto com a trajet�ria do Antonio Maria. Passamos tardes inteiras conversando sobre a cr�nica. Quando ocorre essa troca de ideias - no plano da pesquisa, da bibliografia e da pr�pria fatura dos textos – temos a percep��o irrefut�vel de que este � o n�cleo central e decisivo da cultura universit�ria. Dispensa qualquer m�trica ou avalia��o imposta por Capes, CNPQ ou Fapesp. Desde o t�tulo, "Vento vadio", � o resultado de uma ampla pesquisa que resgatou in�meras cr�nicas que permaneciam in�ditas em livro e eram desconhecidas at� mesmo dos leitores mais fi�is de Ant�nio Maria. O pref�cio traz uma interpreta��o nova e original da obra do cronista com grande poder de s�ntese. O �nico reparo: a edi��o ganharia em poder de exposi��o se tivesse optado por uma estrutura composta por blocos cronol�gicos. Mas, posso estar redondamente enganado e quem sabe revelando preconceitos de uma sensibilidade cr�tica formada no s�culo passado. A verdade � que a publica��o de "Vento vadio" deve ser saudada como uma contribui��o rara, not�vel e bem-vinda.

Dito isso, percebo que na universidade h� um interesse crescente pela cr�nica. Tenho participado de muitas bancas e, nota que entre os autores mais estudados, figuram Lima Barreto, Cec�lia Meireles e Rubem Braga. Este �ltimo teve suas "Cr�nicas de guerra" revisitadas numa disserta��o de mestrado exemplar escrita por Rafael Ireno. Trata-se de outro leitor fan�tico e praticante do g�nero. Neste momento, est� em Paris, elaborando um roteiro das afinidades entre Rubem Braga e Jacques Pr�vert.

De quais nomes da nova gera��o de cronistas voc� gosta?
Tem uma trinca que est� na linha de frente: Ant�nio Prata, Fabr�cio Corsaletti e Greg�rio Duvivier. E para trazer de volta a velha pol�tica caf� com leite (e p�o de queijo), considero Ad�lia Prado um bra�o desarmado da boa cr�nica. Existe na sua prosa uma fabula��o do boato, da fofoca e do romanesco. Numa outra escala, aprecio a eleg�ncia discreta da cronista Fernanda Takai. Tost�o � um cronista � parte. Escreve bem com os dois p�s. E usa a cabe�a como ningu�m. M�dico e monstro da cr�nica. Estou tentando me colocar em dia com a cr�nica atual. N�o me sinto � vontade neste terreno. Precisaria dominar melhor o universo dos sites e dos blogues. Tarefa a que estou me dedicando, pretendo ir al�m da categoria de seguidores.

Como jornalista experiente, como voc� v� hoje o jornalismo que � feito no pa�s?
O jornalismo est� passando por mudan�as significativas. Algumas t�o radicais que amea�am devorar a pr�pria profiss�o. Por conta dos fortes v�nculos que sempre pautaram a rela��o entre jornal e cr�nica esta, certamente, sofrer� transforma��es profundas. Hoje, por exemplo, j� temos mais colunistas do que cronistas. A fidelidade do leitor di�rio de jornal me parece ser muito distinta da cultura do cancelamento praticada pelo leitor das redes sociais. Quem escreve um di�rio �ntimo num blog n�o tem o mesmo repert�rio liter�rio do cronista de jornal.

O que dizer do abismo que separa as not�cias publicadas na imprensa escrita da fragilidade da informa��o que circula pelo mundo online? E o que me parece alarmante � como os novos meios est�o alterando completamente a viv�ncia cotidiana do tempo, uniformizando os dias da semana. Os ritmos de trabalho invadiram todos os recessos do descanso. A precariza��o dos contratos de trabalho desconsidera dia e noite, semana e final de semana, hora extra, adicional noturno. � impressionante como o “domingo” est� perdendo seus contornos. Na cr�nica praticada pelos "Sabi�s", o domingo traduzia dimens�es coletivas concretas e abria um leque �ntimo de sentimentos l�ricos. N�o � que levantamos tarde aos domingos. Era a cr�nica domingueira que nos despertava para o mundo. Assim como Eric Hobsbawm descreveu desde a "Era dos Imp�rios � Era dos Extremos", um cronista teria mat�ria para "A era dos domingos". Por que hoje � s�bado? 

Quero falar da sua poesia: voc� recentemente publicou "Borra", um poema sobre a trag�dia de Brumadinho. Poderia falar sobre ele?
Minha trajet�ria po�tica � meio acidentada. O meu livro de estreia,  "Negativo" (Companhia das Letras, 1991), tem trinta anos. De l� pra c�, s� voltei a publicar por pequenas editoras e com tiragens reduzidas: "A vida errada" (7 Letras, 2001) e "Gabinete de curiosidades", escrito em parceria com Lu Menezes (Cole��o Luna Parque, 2016). At� os amigos mais pr�ximos me consideram um poeta p�stumo. Mas, na verdade, nunca parei de escrever. Publiquei pouco. Em 2020, lan�o um livro novo. "Borra" (Tipografia do Z�, 2020) � um poema que devo ao amigo de todas as horas, M�rio Alex Rosa. Foi quem precipitou. Estive em Belo Horizonte para falar sobre "Boca do inferno", contos de Otto Lara Resende (obra-prima relativamente ignorada). No dia seguinte, o M�rio me levou para conhecer a Tipografia do Z�, do Fl�vio Vignoli. Foi a cr�nica de uma amizade anunciada. Viramos, imediatamente, velhos amigos e de longa data. Coisas de Minas. Amizades se misturam no tempo.

Quando ambos me convidaram para participar da bel�ssima cole��o "Li��o de Coisas", o poema come�ou a se compor na minha cabe�a. "Borra" tem uma dimens�o pol�tica que passa pela tipografia. Recolher letras mortas e compor palavras vivas. A trag�dia precisava ser traduzida. Pensei que a sensa��o de impot�ncia diante da cat�strofe podia ser transformada na pot�ncia de um berro coletivo mixado num cartaz. O Fl�vio reciclou com recursos construtivos o alto poder de destrui��o. O poema tensiona dois movimentos estruturais: luta e luto, berro e borra. Barrar o discurso da empresa. N�o deixar que borrassem Brumadinho. Todo poema deve provocar ru�do.

Voc� sempre teve forte rela��o com a literatura mineira. Pode falar um pouco desta sua paix�o?
Este pode ser um bom fecho para nossa conversa. Se voc� me permitir, vou tomar certa liberdade e enveredar por um caminho pessoal. Queria registrar aqui a predile��o que tenho por um tema que perpassa a literatura mineira: a inf�ncia. Penso em escrever um ensaio onde seja poss�vel reunir “O iniciado do vento”, de An�bal Machado, “Teleco o coelhinho”, de Murilo Rubi�o, “O por�o", de Otto Lara Resende, “Minha vida de menina”, de Helena Morley, “Miguilim” de Guimar�es Rosa e tantos outros. H� muito tempo convivo com essa linhagem familiar. E, no fim da linha, confesso minha profunda admira��o pelo mestre da narrativa curta: Luiz Vilela.

Tamb�m n�o posso deixar de comentar a literatura “dita infantil”: Angela-Lago, Wander Piroli e Nelson Cruz. Tr�s autores simplesmente geniais. Tenho orgulho de ter sido editor de Angela Lago e Nelson Cruz. E tenho inveja do poeta Fabr�cio Marques que marcou um gola�o ao escrever a biografia "Wander Piroli, Uma manada de b�falos dentro do peito" (Conceito, 2018).

O primeiro t�tulo de literatura infantil que publiquei na Cosac Naify foi "Conto de escola" (2002), de Machado de Assis, ilustrado por Nelson Cruz. Com este t�tulo inaugurei uma cole��o, Dedinho de Prosa, coordenada em parceria com Odilon Moraes. No finalzinho de 2021, diante do atual quadro pol�tico, nacional e internacional, n�o deixa de ser uma alegria que a cr�nica esteja viva e vacinada, disponibilizando para os leitores, tr�s doses (digo t�tulos!): “Vento vadio”, “Os sabi�s da cr�nica” e “A fina flor de Stanislaw Ponte Preta”. Uma �tima vacina para combatermos qualquer risco de variantes ou novas cepas do mau humor.


capa do livro 'Os sabiás da crônica'

“Os sabi�s da cr�nica”
• Antologia com cr�nicas de Fernando Sabino, Jos� Carlos Oliveira, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, • Stanislaw Ponte Preta e Vinicius de Moraes
• Organiza��o e pref�cio de Augusto Massi
• Aut�ntica
• 350 p�ginas
• R$ 74,90



receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)