Concei��o Evaristo passa a limpo sua rela��o com BH em nova s�rie do Curta!
Impedida de exercer o magist�rio na cidade, escritora construiu sua bem-sucedida carreira no Rio. ''Hoje, vejo Belo Horizonte com outros olhos'', afirma
Concei��o Evaristo v� paralelos entre o que viveu em BH e epis�dios descritos por Carolina de Jesus em
''Quarto de despejo''
CANAL CURTA/DIVULGA��O
Para a escritora belo-horizontina Concei��o Evaristo, de 75 anos, ir ao Mercado do Cruzeiro, no Bairro Anchieta, est� longe de ser uma visita impessoal de compras. � o retorno ao passado, com lembran�as agridoces. Seu umbigo est� enterrado ali. Ela foi criada no Pindura Saia, favela extinta no in�cio dos anos 1970, onde hoje est� localizado o mercado. Quem sabe, n�o fosse o desfavelamento da regi�o, que mandou sua fam�lia para Contagem, o que teria acontecido com ela?
Com estreia nesta quinta (6/1), �s 21h30, no canal Curta!, a s�rie “O lobo do lobo e a literatura latino-americana”, de Daniel Augusto, aborda, em cinco epis�dios, a trajet�ria de cinco autores contempor�neos e sua rela��o com escritores que os influenciaram.
Quando as pessoas falam que a Carolina ficou esquecida, ela ficou esquecida para determinados setores, para uma parcela da cr�tica liter�ria. Dentro do movimento negro, nunca a esquecemos
Concei��o Evaristo, escritora
ESTREIA COM CAROLINA DE JESUS
Concei��o Evaristo � a protagonista do epis�dio de estreia – Carolina Maria de Jesus (1914-1977) a autora sobre cuja obra ela se debru�a.
Nas pr�ximas quintas ser�o exibidos os programas com a argentina Mariana Enriquez, que fala sobre sua identifica��o com Silvina Ocampo; o mexicano Jorge Volpi, que discorre sobre a admira��o por Carlos Fuentes; o colombiano William Ospina, que lembra a import�ncia de Gabriel Garcia M�rquez em sua vida; e a uruguaia In�s Bortagaray, que conversa sobre Mario Levrero.
Falando especificamente sobre o primeiro epis�dio, a costura que o programa faz vai muito al�m de Concei��o Evaristo comentar a de Carolina de Jesus em sua obra. A s�rie acaba trazendo luzes sobre as duas biografias. Gravada antes da pandemia, coloca a escritora mineira, radicada desde 1973 no Rio de Janeiro, nos lugares determinantes para a sua trajet�ria.
A primeira parte do epis�dio foi rodada em Belo Horizonte. Al�m do Mercado do Cruzeiro, outro ponto referencial � a Biblioteca P�blica Estadual de Minas Gerais, na Pra�a da Liberdade, onde Concei��o Evaristo passou boa parte de sua inf�ncia e adolesc�ncia.
Com as dificuldades da fam�lia, ela foi morar com uma tia e um tio, casal sem filhos. A tia, funcion�ria da biblioteca, levava a menina para l�, que se debru�ava nos livros.
Formada pelo Instituto de Educa��o, Concei��o deixa BH em 1973, “porque n�o consegui dar aulas a�”, ela conta. Foi para o Rio, onde, ap�s concurso p�blico, come�a a exercer o magist�rio. Toda sua carreira acad�mica – a gradua��o em letras, o mestrado, que levou 14 anos para concluir porque tinha de se dividir entre o trabalho e os cuidados com a filha, e o doutorado, que concluiu aos 65 – ocorreu na capital fluminense. Ainda que escreva desde garota, s� se tornou autora publicada a partir de 1990, quando, aos 44, foi lan�ada a antologia “Cadernos negros” (Quilombhoje).
Um gesto muito simb�lico aconteceu em 2007, quando a UFMG, o Cefet e outras quatro universidades adotaram 'Ponci� Vic�ncio'
Concei��o Evaristo, escritora
CASA NOVA EM MARIC�
O programa tamb�m acompanha a escritora na capital fluminense, em S�o Paulo e em Maric�, na Grande Niter�i, onde resolveu ter casa depois de passar a noite em uma festa no local. Concei��o Evaristo n�o est� s�. S�o v�rias as participa��es de professoras, pesquisadoras, autoras e poetas, em sua maioria.
A mais impactante delas � a da professora de l�ngua portuguesa Vera Eunice, a ca�ula (e �nica mulher) dos tr�s filhos de Carolina de Jesus. As duas t�m como companhia os originais de “Quarto de despejo: Di�rio de uma favelada” (1960), obra seminal de Carolina que Concei��o Evaristo leu em 1965.
“O que Carolina vivia nas ruas de S�o Paulo era o que n�s viv�amos nas ruas de Belo Horizonte”, diz Concei��o Evaristo no programa.
Vera Eunice se emociona com as lembran�as, contando que aos 3 anos, a m�e a deixava pendurada no teto do barraco da favela em S�o Paulo. As chuvas inundavam o local e Carolina n�o admitia que os filhos maiores, Jo�o Jos� e Jos� Carlos, faltassem �s aulas. Atravessava o local a nado com os garotos. Diante dos originais da m�e, Vera diz que nunca conseguiu ler integralmente “Quarto de despejo”.
TR�S PERGUNTAS PARA
CONCEI��O EVARISTO
ESCRITORA
Voc� trabalhou em “Casa de alvenaria” (2021, Companhia das Letras), os dois primeiros volumes dos di�rios de Carolina de Jesus. Que sentimento isso traz, passados mais de 50 anos desde que leu, pela primeira vez, “Quarto de despejo”?
Falo sem nenhuma inibi��o que o nome de Carolina, ou a literatura dela, � diferencial, porque estamos do outro lado da corrente. Mas o que manteve Carolina viva foi a tomada de consci�ncia do movimento negro. Quando as pessoas falam que a Carolina ficou esquecida, ela ficou esquecida para determinados setores, para uma parcela da cr�tica liter�ria. Dentro do movimento negro, nunca a esquecemos. Ela foi inspiradora para a gente. Ent�o, v�-la reconhecida, quer uma cr�tica conservadora ou n�o, j� que h� uma cr�tica que n�o vai aceit�-la, me deixa muito feliz. Carolina hoje � apontada como uma das escritoras mais instigantes da literatura brasileira. Nunca pensei que um dia poderia assistir a isso, ajudar a construir o discurso e a propor uma nova leitura.
“O lobo do lobo” traz muitas passagens em Belo Horizonte. O que significa voltar � cidade em que voc� nasceu?
� aquela hist�ria, voc� sai de Minas mas Minas n�o sai da gente. Toda a minha fam�lia vive a�, fiquei quase dois anos em BH (ela retornou para o Rio em 18 de novembro, pouco ap�s a morte da m�e, Joana Evaristo Vitorino, prestes a completar 99 anos). Acho que um gesto muito simb�lico aconteceu em 2007, quando a UFMG, o Cefet e outras quatro universidades adotaram “Ponci� Vic�ncio” (seu primeiro romance, de 2003). Outro momento muito significativo foi quando ganhei o Pr�mio Governo Minas Gerais de Literatura (2017). � como se Belo Horizonte estivesse me acolhendo de novo. Hoje, vejo Belo Horizonte com outros olhos e, na verdade, minha ideia � ficar uns tempos na cidade e um pouco no Rio. Estou construindo em Igarap� (Grande BH). Tenho uma vida meio cigana. Atualmente, estou em uma casinha no Morro da Concei��o (marco da ocupa��o inicial do Rio), espa�o hist�rico muito ligado � saga dos descendentes de africanos no Brasil. � a Pequena �frica na regi�o do porto.
Voc� � uma das autoras mais celebradas da atualidade. Como os compromissos e a pandemia afetaram sua escrita?
Eu nunca fui uma escritora met�dica. Ali�s, n�o sou met�dica para nada. Al�m de ser indisciplinada, sou lenta para as coisas e protelo muito tamb�m. Estou cada vez mais cansada, pregui�osa, pedindo a Deus para que o mundo acabe em sombra e �gua fresca. A pandemia afetou demais a minha escrita. E n�o consigo controlar o tempo, sempre acho que est� faltando muito tempo, que tudo est� em cima da hora. Tenho mil ideias, textos para terminar. Consegui (durante a crise sanit�ria) fazer tr�s contos. Mesmo assim, sob encomenda. Fiz tamb�m muitas lives, escrevi pref�cios, orelhas de livros. Em 2022, quero reduzir a carga de trabalho para poder trabalhar na escrita criativa.
“O LOBO DO LOBO E A LITERATURA LATINO-AMERICANA”
A s�rie, em cinco epis�dios, estreia nesta quinta (6/1), �s 21h30, no canal Curta!. Novos epis�dios sempre �s quintas, no mesmo hor�rio.
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