Nara Le�o continua mais musa do que nunca neste s�culo 21
Pioneira desde jovem, cantora fez hist�ria na bossa nova, no Tropicalismo, no samba e na MPB. Namorou quem quis, peitou os militares e foi m�e no ex�lio
Desde garota, a decidida Nara Le�o tomou as r�deas da pr�pria vida, o que se refletiu na obra que deixou (foto: GLOBOPLAY/REPRODU��O)
Um coment�rio do cineasta Cac� Diegues � o norte da miniss�rie documental “O canto livre de Nara Le�o”, dispon�vel no Globoplay. Em certo momento, o ex-marido da artista (1942-1989) e pai de seus dois filhos, Isabel e Francisco, afirma que Nara foi grande em v�rios sentidos – mais at� do que cantora, como mulher.
O lan�amento do projeto, que marca os 80 anos de Nara (em 19 de janeiro), � mais do que bem-vindo por raz�es que v�o muito al�m da efem�ride. A miniss�rie coloca em perspectiva uma trajet�ria que cala fundo nos dias de hoje.
Nara morreu muito cedo, aos 47, em decorr�ncia de um tumor no c�rebro. Desde ent�o, teve sua discografia relan�ada, foi presen�a crucial em livros sobre a bossa nova e ganhou duas biografias – de S�rgio Cabral (2001) e de Tom Cardoso (2021). Mas � incontest�vel: a grande artista que ela foi estava, nestes tempos agourentos, escanteada.
A produ��o dirigida por Renato Terra (codiretor de dois document�rios essenciais sobre a m�sica brasileira, “Uma noite em 67”, de 2010, e “Narciso em f�rias”, de 2020) pega o t�tulo do terceiro �lbum de Nara, “O canto livre...” (1965), e vai, a cada cap�tulo, desmembrando a trajet�ria da cantora.
O senso comum a v� como a “musa da bossa nova” ou a cantora de “A banda”. N�o � errado, � apenas reducionista. Nara emergiu como int�rprete junto do nascimento da bossa. � personagem importante do in�cio do movimento, pois era no apartamento de seus pais, em Copacabana, que os jovens compositores se reuniam.
No primeiro epis�dio, “Bossa nova”, Roberto Menescal, o primeiro namorado e amigo de toda a vida, visita a sala na Avenida Atl�ntica com vista para o mar onde tudo aconteceu.
''OPINI�O'', FAVELA E SAMBA
Nara deixou a turma bossa ao descobrir que foi deixada – o namorado, quase noivo, Ronaldo B�scoli a trocou pela diva Maysa. Ela, que n�o conhecia nada do Brasil fora de Copacabana, foi se encontrar no morro de Cartola e Z� K�ti, que se tornaram seus parceiros. A consci�ncia pol�tica rec�m-adquirida a levou ao espet�culo “Opini�o”, o t�tulo do epis�dio dois.
O terceiro, “A banda”, mostra como a garota t�mida que n�o gostava de palco se tornou popular�ssima quando interpretou, com Chico Buarque, a can��o tola e doce que fez hist�ria.
No quarto epis�dio, “Quero que v� tudo pro inferno”, acompanhamos sua participa��o no Tropicalismo e sua rela��o com a Jovem Guarda. A grava��o do �lbum s� com o repert�rio de Roberto e Erasmo (1978) foi um esc�ndalo na �poca – Dori Caymmi e Edu Lobo ainda hoje n�o se conformam com esse disco.
O �ltimo epis�dio, “Fiz a cama na varanda”, acompanha a vida em fam�lia de Nara e a parte final de sua carreira.
O document�rio foi constru�do de tal forma (e a� v�o muitos vivas para o diretor e para a montadora, Jordana Berg) que voc� n�o desgruda os olhos da tela. H� muitos depoimentos atuais – Menescal, Chico, Marieta Severo, Maria Beth�nia, Cac�, os filhos –, mas � Nara a grande narradora.
S�o imagens de �poca, entrevistas de diferentes fontes (a mais relevante � do hist�rico programa “Ensaio”, da TV Cultura, gravado em 1973), muita coisa in�dita. A produ��o da miniss�rie valorizou o valor do tempo – em vez de sobrepor pequenos trechos, sequ�ncias inteiras de 40, 50 anos atr�s s�o exibidas.
Vemos Nara cantando no Opini�o com Jo�o do Vale e Z� K�ti (1965); apresentando “A banda” com Chico no Festival de M�sica Popular Brasileira de 1966. Ou falando em entrevistas para a TV (Mar�lia Gabriela, Leda Nagle, Gl�ria Maria), sempre de maneira discreta e contundente.
H� passagens emocionantes, quando vemos Beth�nia ler o poema “N�o deixe que prendam Nara Le�o”, que Carlos Drummond de Andrade publicou em maio de 1966, depois de a cantora ser amea�ada de pris�o por declarar, ao extinto Di�rio de Not�cias, que o governo militar era horr�vel e o Ex�rcito n�o valia nada. Tinha 22 anos e peitou os militares com mais virul�ncia que muitos marmanjos.
Nara fez tudo do jeito que quis. N�o gostava de ser popular, ent�o deu um tempo dos palcos quando achou que estava tudo grande demais. Pediu Cac� em casamento e teve a primeira filha em Paris, durante o ex�lio – o cineasta admite que, quando jovem, n�o queria se casar e tampouco ter filhos. Quando Nara virou dona de casa porque quis, ningu�m a afastava dos cuidados aos filhos pequenos.
Kleiton revela pela primeira vez o affair com Nara Le�o (foto: Globoplay/reprodu��o)
KLEITON, O NAMORADO GA�CHO
Ela cantou com quem quis – Fagner e Dominguinhos s�o nomes que ela trouxe � luz no in�cio das respectivas carreiras. Namorou muito – de Jerry Adriani ao ga�cho Kleiton, da dupla com o irm�o Kledir, que assume no document�rio pela primeira vez o relacionamento. E, quando chegou a hora, fez as pazes com a bossa nova, sempre ao lado do amigo-irm�o Menescal.
A “artista interrompida” � agora recuperada para um p�blico amplo – tanto os f�s que a acompanharam quanto os que poder�o chegar � sua obra por meio da miniss�rie. Mesmo que n�o se tenha vivido o tempo dela, Nara d� uma saudade do que o Brasil poderia ter sido.