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Estado de Minas FIM DE UM CICLO

Livreira Simone Pessoa se despede da Ouvidor, ap�s 22 anos de trabalho

Nascida em fazenda, radicada em BH desde 1981, leitora voraz, mas pouco afeita aos estudos formais, ela acabou se tornando a mais reconhecida livreira da cidade


05/02/2022 04:00 - atualizado 05/02/2022 11:02

De blusa listrada e crachá, Simone Pessoa sorri, de pé, na Livraria Ouvidor, entre as estantes
Simone Pessoa iniciou, mas n�o concluiu, os cursos de biblioteconomia, comunica��o social e filosofia. "Eram os famosos anos 1980 e n�o gostei de quase nenhum professor", afirma (foto: T�LIO SANTOS/EM/D.A.PRESS )

"Dizem que sou terr�vel. Tenho uma mem�ria fabulosa. Sei o que a pessoa j� comprou. Tem gente que vem � livraria, teima que n�o comprou tal livro, eu digo que sim, a pessoa leva de novo e, quando chega em casa, o livro est� l�"

Simone Pessoa, livreira


Os frequentadores da Livraria Ouvidor conhecem bem Simone Pessoa. Conhecem tanto que h� um grupo que foge dela. “Falam que v�o l� para comprar uma coisa e gastam muito mais. Tem gente que corre de mim”, afirma, com gra�a, a livreira de 59 anos, 24 deles nessa atividade. 

O livreiro n�o � um simples vendedor de livros – � ele quem sugere obras de acordo com o interesse do leitor, apontando publica��es afins ao seu gosto e novos autores. Os bons guardam na mem�ria compras anteriores. 

“Dizem que sou terr�vel. Tenho uma mem�ria fabulosa. Sei o que a pessoa j� comprou. Tem gente que vem � livraria, teima que n�o comprou tal livro, eu digo que sim, a pessoa leva de novo e, quando chega em casa, o livro est� l�.”

Simone � boa em ler – livros e pessoas. Tanto por isso, o meio editorial – livrarias, editoras, autores – a reconhece como a principal livreira de Belo Horizonte em atividade. Hoje, Simone encerra um ciclo. Este s�bado (5/2) � seu �ltimo dia na Ouvidor, onde trabalha h� 22 anos. 

A decis�o do propriet�rio da livraria, Bernardo Ferreira, de mudar de ramo n�o a pegou de surpresa. “Terminou um ciclo. Estou alegre, n�o triste. A not�cia provocou um entra e sai de gente nesta semana aqui. Gosto de ter muito espa�o e desde que ela (a Ouvidor) diminuiu, no ano passado, fico meio oprimida.” 

Simone n�o se tornou livreira ao acaso. � leitora voraz desde sempre. O primeiro livro marcante foi “Meu p� de laranja lima”, de Jos� Mauro de Vasconcelos, que ela leu aos 9 anos. Aos 12, dois outros marcos: “Encontro marcado”, de Fernando Sabino, e “Jo�o Ternura”, de An�bal Machado. “A partir deles, criei categorias. Entendi que existe coisa diferente na literatura. N�o queria ler o normal, mas coisas parecidas com aquilo.”

"Sou muito sens�vel para perceber as pessoas. A primeira coisa que pergunto � idade e profiss�o. A gente vende muito livro para presente, e voc� tem que achar o gosto da pessoa. E tem tamb�m gente que compra livro para quem n�o gosta de ler. A� existem esses livros de imagem, de viagem, que voc� acaba gostando"

Simone Pessoa, livreira


JOYCE:O ATLAS

 J� na vida adulta, ela elege James Joyce, que conheceu na juventude. “Foi ele quem me ensinou a ler, virou como um atlas para eu entender um tanto de coisa.” Nessa �poca, Simone, nascida em fazenda – em Dores do Indai�, onde as distra��es eram livro e r�dio – j� tinha consci�ncia de que adorava ler, mas n�o gostava de estudar.

Cursos universit�rios foram tr�s, todos deixados pela metade: biblioteconomia, comunica��o social e filosofia. “Eram os famosos anos 1980 e n�o gostei de quase nenhum professor”, diz. Vivendo em Belo Horizonte desde 1981, ela frequentava muito bibliotecas. Era o auge das locadoras de filmes. Trabalhou na �poca em duas, Videohouse e Index, esta �ltima um misto de locadora, loja de CD, galeria de arte, bar e livraria.

No in�cio da d�cada de 1990, Simone decidiu dar um tempo e voltou para a fazenda. No retorno a BH, entrou direto para a ent�o rec�m-inaugurada Livraria da Travessa. Foram dois anos at� ser chamada para a Ouvidor, onde est� desde 2000. “A Ouvidor foi um marco nas livrarias de Belo Horizonte, pelo menos da minha gera��o. Sempre foi a livraria da turma do cinema, da Fafich.”

A experi�ncia foi lhe mostrando os caminhos. “Faz parte do trabalho ver livro por livro, saber o que � novidade, e colocar exatamente um t�tulo do lado de outro que forme um conceito. A mesa (onde est�o expostos os livros) tem que ter est�tica, um t�tulo que chame a aten��o. E n�o precisa ser um best-seller, pois ele anda sozinho. Voc� tem que propor novidades. Tem livraria em que voc� chega e n�o consegue identificar as coisas”, afirma Simone.

A conversa com os clientes pode durar. “Sou muito sens�vel para perceber as pessoas. A primeira coisa que pergunto � idade e profiss�o. A gente vende muito livro para presente, e voc� tem que achar o gosto da pessoa. E tem tamb�m gente que compra livro para quem n�o gosta de ler. A� existem esses livros de imagem, de viagem, que voc� acaba gostando.”

O MELHOR DE PAULO COELHO

Ela atende todo tipo de gente. “Sou super-sens�vel para ‘ver’ as pessoas, ent�o n�o erro muito. Penso que livro � um gasto. � como comer comida ruim, voc� fica revoltado, n�o quer mais aquilo.” Tenta encontrar o melhor at� quando o autor n�o ajuda. “Se a pessoa gosta de Paulo Coelho, procuro dar o melhor Paulo Coelho, pois quero que a pessoa leia melhor. Vou direcionando, pois acho que parte do meu of�cio � ensinar as pessoas a lerem melhor. E tem que ler desde crian�a – n�o existe crian�a que n�o goste de ler, mas voc� tem que dar o livro certo para chegar a ela.”

Neste corpo a corpo com os clientes, Simone s� tem uma dificuldade: leitor de livro esp�rita. “N�o sei o que �, mas a conversa n�o rende.”

Na hora em que a loja est� vazia, Simone n�o quer saber: est� sempre lendo. “Come�o na livraria, levo para casa e, com um dia e meio, j� terminei. N�o ou�o m�sica, n�o vejo televis�o, ent�o em casa tamb�m leio muito.” Com a leitura r�pida, ela fica atenta at� �s notas de rodap�. “Gosto de descobrir coisas, datas, peculiaridades do autor e do texto.”

Mas quando o livro n�o a empolga, n�o tem o menor pudor em parar no meio a leitura. “N�o leio por obriga��o. S� o fa�o quando � trabalho, pois corrijo livros, fa�o revis�o, as pessoas me d�o para opinar. E sou superfranca, falo o que achei mesmo.”

Com uma biblioteca grande em casa, que dividiu recentemente quando o filho �nico, o advogado Bernardo Pessoa, se mudou – “� um livreiro e tanto, uma das pessoas mais cultas que conhe�o” –, Simone viaja mesmo � na literatura.

Andou de avi�o pela primeira vez (e at� ent�o �nica vez, j� que n�o gosta de viajar) em setembro de 2019, quando passou f�rias com uma amiga no Rio de Janeiro. O filho brincou que ela n�o conheceu o Rio, pois s� ficou entre Copacabana e Ipanema. “Nem no Real Gabinete de Leitura eu fui”, conta ela. Mas at� nas f�rias ela vendeu livros.

Com uma amiga, foi � Livraria da Travessa de Ipanema. “� igualzinha � de Belo Horizonte (fechada em 2013), com a mesma distribui��o.” Simone n�o se fez de rogada. N�o apareceu nenhum livreiro para atender a dupla – ela pr�pria sugeriu os livros para a amiga. “Ela gastou mais de R$ 400”, conta.

Em seu apagar das luzes na Ouvidor, a livreira d� dicas para quem est� � procura de boas obras. Seu autor predileto, hoje em dia, � o americano William Faulkner (1897-1962). “Demorei a come�ar a l�-lo e tenho gostado muito.” De autores contempor�neos, destaca a italiana Elena Ferrante e o brasileiro Alejandro Chacoff. “Gostei muito do primeiro romance dele, ‘Ap�tridas’. � um autor que vou acompanhar.” 





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