
A Semana de 1922 � um dos marcos simb�licos mais importantes da cultura brasileira do s�culo 20, mas n�o representa nem o come�o nem o �pice de um movimento que atravessou d�cadas e at� hoje provoca respingos. O evento que colocou o Modernismo na pauta do Brasil completa 100 anos. Em 2022, dezenas de livros, exposi��es e debates sobre a Semana de 22 se prop�em a ajudar a compreender seu papel na hist�ria do pa�s.
N�o se sabe exatamente quem foi o mentor do evento que ocupou o Theatro Municipal de S�o Paulo entre 11 e 18 de fevereiro de 1922. Em 1942, M�rio de Andrade fez uma palestra na qual insinuou que Di Cavalcanti ou Gra�a Aranha seriam os idealizadores do festival no qual todas as artes estariam unidas. E foi mais ou menos isso. Mecenas, escritor e herdeiro de um imp�rio da cafeicultura, Paulo Prado tamb�m teria participa��o crucial na articula��o do evento.
Durante uma semana, M�rio de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Heitor Villa-Lobos, Menotti del Picchia, Victor Brecheret, S�rgio Milliet e Di Cavalcanti, entre outros artistas e intelectuais, se dedicaram a apresentar, declamar, expor e discutir as diretrizes de uma nova arte brasileira.
REVIS�O GERAL
“Em primeira inst�ncia, a Semana significa um conjunto de a��es favor�veis � revis�o geral e � nova proposi��o daquilo que se conhecia com o nome de arte”, explica Carlos Silva. Ele est� � frente da esposi��o “Rastros do Modernismo: 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922”, em cartaz em Bras�lia.
“O que se conhecia com o nome de arte � o que era ensinado na academia. O modernismo traz nova perspectiva, com a possibilidade de estiliza��o maior, deforma��o mais categ�rica da figura naturalista, abandono da narrativa representacional”, afirma Carlos Silva, que � professor de hist�ria da arte.
O Modernismo pretendia romper com heran�as europeias e valorizar o que seria a raiz brasileira na produ��o cultural. Por�m, a ideia modernista j� existia muito antes da Semana e do que tomou corpo depois, com o “Manifesto antrop�fago”, de Oswald de Andrade, publicado em 1928.
Nele, Oswald sugeria deglutir as ideias europeias e devolv�-las como arte brasileira. O movimento tinha car�ter nacionalista, diferentemente dos modernismos europeus, mais globalistas.
A artista visual Yana Tamayo, doutora pela Universidade de Bras�lia (UnB) e especialista pela Universidad Complutense de Madrid, lembra que a Semana de 22 nasceu no seio da elite rec�m-sa�da do s�culo 19, num contexto em que a escravid�o e o colonialismo eram realidades violentas. Herdeiros de fortunas provenientes do mundo rural, intelectuais � frente daquele movimento modernista tiveram apoio do Estado num cen�rio em que ideias nacionalistas poderiam ser bastante �teis.
“A necessidade de criar um marco hist�rico estrat�gico simb�lico era uma estrat�gia intelectual para poder produzir uma independ�ncia cultural, interesse das elites. Havia tens�o pol�tica, est�vamos vendo o nascimento de estados-na��es na Europa, houve a Primeira Guerra Mundial”, lembra Yana.
"As pessoas passaram a tratar a Semana como o fen�meno que transformou a hist�ria do Brasil. Mas ela mal repercutiu na imprensa fora de S�o Paulo, n�o teve o impacto que a historiografia lhe atribui"
Rafael Cardoso, pesquisador e escritor
Colonialismo, escravid�o, opress�o dos ind�genas e a viol�ncia que est� na base da forma��o da sociedade brasileira n�o foram temas tratados pelos modernistas de 22, que se diziam contra o passado, o que, de certa forma, implicava em nega��o da viol�ncia que constitui a forma��o nacional.
“O desejo de moderniza��o art�stica e cultural j� estava implantado no Brasil quando o pessoal de 22 chegou e se apossou dessa ideia”, afirma Rafael Cardoso, autor do livro “Modernidade em preto e branco” (Companhia das Letras). “Artistas eruditos se apossaram de um processo francamente deflagrado na cultura midi�tica popular na d�cada de 1910”, garante.
Cardoso lembra que a Semana foi declarada fracasso pelo pr�prio M�rio de Andrade, que renegou o movimento. “Em 1942, a Semana estava morta e enterrada por ele, que era l�der do movimento. A Semana foi reinventada a partir de 1945. E essa reinven��o n�o tem nada a ver com 1922, mas tem tudo a ver com o Estado Novo, com a redemocratiza��o”, observa.
A CRIA��O DO "MITO"
O “mito” da Semana de Arte Moderna de 1922, segundo Cardoso, foi criado entre 1945 e 1972, quando se celebrou o cinquenten�rio do evento.
“Virou verdade inquestion�vel. As pessoas passaram a tratar a Semana como o fen�meno que transformou a hist�ria do Brasil. Mas ela mal repercutiu na imprensa fora de S�o Paulo, n�o teve o impacto que a historiografia lhe atribui. Ela foi resgatada imediatamente ap�s a morte de M�rio de Andrade”, afirma Rafael Cardoso.
“Virou verdade inquestion�vel. As pessoas passaram a tratar a Semana como o fen�meno que transformou a hist�ria do Brasil. Mas ela mal repercutiu na imprensa fora de S�o Paulo, n�o teve o impacto que a historiografia lhe atribui. Ela foi resgatada imediatamente ap�s a morte de M�rio de Andrade”, afirma Rafael Cardoso.