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Estado de Minas ENTREVISTA

�talo Moriconi analisa o legado da Semana de 22, que completa 100 anos

Cr�tico liter�rio, poeta e ensa�sta afirma que o Modernismo moldou 'a maneira como o Brasil cultural e art�stico se v� a si pr�prio'


07/02/2022 04:00 - atualizado 07/02/2022 01:12

O ensaísta Italo Moriconi sorri, tendo ao fundo estante cheia de livros
�talo Moriconi diz que obra de Carlos Drummond de Andrade � 'a suma po�tica do s�culo 20' (foto: Renato Velasco/divulga��o)
O ensa�sta, poeta e cr�tico liter�rio �talo Moriconi transita por m�ltiplos circuitos da cultura. Al�m de participar intensamente dos debates acad�micos sobre a revis�o do Modernismo, ele acompanhou de perto a emerg�ncia da Tropic�lia e da poesia marginal, os dois �ltimos ciclos diretamente marcados pela influ�ncia do movimento de inova��o deflagrado pelos paulistas em 1922. Nesta entrevista, Moriconi fala sobre o impacto da Semana de 22 na cultura brasileira.

Qual foi a contribui��o do Modernismo para a cria��o da literatura brasileira moderna?
O Modernismo criou o conceito e a pr�tica do moderno no Brasil. A maneira como o Brasil cultural e art�stico se v� a si pr�prio, ao longo de todo o s�culo passado, desde a Semana de 1922, foi moldada pelo Modernismo. O Modernismo reviu a hist�ria brasileira e resgatou nossa heran�a colonial e escravocrata. Do ponto de vista da linguagem liter�ria, o Modernismo coloquializou, estabeleceu e homogeneizou o padr�o lingu�stico nacional. Na l�ngua brasileira consolidada pelo Modernismo foram escritas as maiores, mais can�nicas obras liter�rias do s�culo, na poesia e na prosa. De movimento iconocl�stico e inovador dos anos 1920, sob a �gide da Semana, o Modernismo se tornou a cultura oficial do Brasil desde a gest�o de Gustavo Capanema na Educa��o (com assessoria direta de Carlos Drummond de Andrade), no governo Get�lio. Vale enfatizar que a modernidade na vers�o do Modernismo brasileiro � uma modernidade profundamente nacional.

Em que momento as propostas do Modernismo produziram alta literatura? A poesia inicial de Oswald de Andrade era alta literatura?
N�o acho que a poesia pau-brasil seja alta literatura nem que Oswald pretendia que fosse, a n�o ser ironicamente. Mas certamente a proposta era uma interven��o singular, criativa, extremamente inteligente e original visando dois edif�cios can�nicos, o liter�rio e o hist�rico. O valor relativo da poesia pau-brasil deve ser estabelecido numa compara��o com “Alguma poesia”, de Drummond, e os primeiros poemas de Murilo Mendes, assim como outros que publicaram nos anos 1920 e depois sumiram. Todos os grandes autores brasileiros do s�culo 20, prosadores, poetas e dramaturgos como Nelson Rodrigues, todos, sem exce��o, s�o tribut�rios dos valores e da l�ngua brasileira culta consolidada pelo Modernismo. O ponto fora da curva � Guimar�es Rosa, cuja modernidade est�tica insere-se num conceito de modernismo mais abrangente do que aquele que constitui a pedagogia do modernismo no sentido brasileiro estrito.

"M�rio e Oswald de Andrade praticamente inauguraram a percep��o da antropologia como central � possibilidade de compreens�o da brasilidade. Eles inocularam na cultura brasileira a antropologia, a psican�lise e a hist�ria colonial"

�talo Moriconi, cr�tico liter�rio



Como voc� analisa a rela��o da poesia de Drummond com o movimento de 1922?
A obra completa de Carlos Drummond exemplifica todas as fases do modernismo, desde o tempo iconocl�stico de “Alguma poesia”, passando pela alta poesia de “Rosa do povo”, pelo neotradicionalismo c�tico de “Claro enigma” e voltando ao poema curto, poema-cr�nica-mem�ria dos “Boitempos”, entre outras vertentes da poesia dele. A poesia de Drummond � a suma po�tica do s�culo 20.

Qual � a relev�ncia do Modernismo para a releitura do Brasil?
As grandes obras de interpreta��o brasileira dos anos 1930, de S�rgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, s�o produtos diretos do Modernismo, nas vers�es paulista e pernambucana. Tudo que se segue em mat�ria de estudos hist�ricos, sociologia, antropologia e ci�ncias humanas em geral, dos anos 1940 aos 1970, � intelectualmente tribut�rio do Modernismo. O Modernismo de 1922 se tornou n�o s� a cultura oficial do Brasil, como tamb�m a cultura acad�mica sobre o Brasil hegem�nica na universidade brasileira. Ali�s, a pr�pria funda��o da USP, nos anos 1930, � consequ�ncia em parte do Modernismo.

''O ponto fora da curva � Guimar�es Rosa, cuja modernidade est�tica insere-se num conceito de modernismo mais abrangente''

�talo Moriconi, cr�tico liter�rio



H� cr�ticas aos modernistas como integrantes da elite cafeeira que ignoraram a viol�ncia da escravid�o e produziram imagem caricata do �ndio. Voc� concorda?

Eu precisaria conhecer melhor essa bibliografia recente. Sobre a origem social dos intelectuais e escritores modernistas, a grande refer�ncia � a cr�tica de Sergio Miceli. Dizer que eles, ou v�rios deles, pertenciam � classe dominante � uma obviedade. Como argumentou Alfredo Bosi, um tema central na prosa modernista brasileira, particularmente a regionalista, � a decad�ncia dessa classe de propriet�rios e o destino urbano de seus descendentes. A pr�pria poesia de Drummond expressa a tens�o permanente com a heran�a patriarcal propriet�ria. N�o sei o que se pretende dizer com a “den�ncia” de que o �ndio modernista � caricatural. Est�o falando de qu�? De “Macuna�ma”? De “Cobra Norato”, do Raul Bopp? Da antropofagia oswaldiana e depois tropicalista? Eu poderia at� concordar com esse termo, desde que n�o pejorativo, mas preferiria dizer vis�o est�tica ou estetizante, j� que ela n�o provinha de uma rela��o direta com os �ndios e, sim, de leituras da mais avan�ada etnografia da �poca. M�rio e Oswald de Andrade praticamente inauguraram a percep��o da antropologia como central � possibilidade de compreens�o da brasilidade. Eles inocularam na cultura brasileira a antropologia, a psican�lise e a hist�ria colonial.

''O Modernismo coloquializou, estabeleceu e homogeneizou o padr�o lingu�stico nacional''

�talo Moriconi, cr�tico liter�rio



A produ��o liter�ria atual se alimenta do Modernismo? Ele � bananeira que j� deu cacho? O que ocorre de importante, hoje, e n�o foi pensado pelo Modernismo?
A melhor coloca��o sobre a rela��o entre o Modernismo de 1922, o seu presente (anos 1940) e o futuro � a c�lebre confer�ncia de M�rio de Andrade, que faz o balan�o do movimento, justamente naquele momento em que o movimento est� deixando de ser revolu��o e est� virando cultura oficial estatal e acad�mica. Nesse sentido, as obras, mas n�o necessariamente a ideologia, produzidas nos anos 1920 e 1930 nunca deixar�o de ser bananeira que pode inspirar gera��es posteriores, como inspirou nos anos 1950, 1960, 1970 e, talvez, ainda, 1980. Eu diria que, a partir dos anos 1990, o Modernismo continuou sendo uma cultura hegem�nica, mas as novas gera��es especificamente liter�rias tinham por refer�ncia, na prosa, os autores dos anos 1970 e, na poesia, a busca de novos poetas estrangeiros, por meio das tradu��es que extrapolaram em muito o paideuma concretista, esse j� um ru�do no Modernismo oficial. Eu diria que a maior diferen�a entre a brasilidade modernista e a brasilidade atual � que se os modernistas eram intelectuais redescobrindo o Brasil e aposentando as vis�es oitocentistas, hoje em dia o grande fen�meno � a ascens�o das pr�prias classes marginalizadas – o �ndio fala pelo �ndio, n�o precisa de um poeta branco que fale por ele e assim por diante.


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