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Estado de Minas COMO SE EXPLICA ISSO?

Por que uma grandiosa exposi��o no Rio em 1922 foi esquecida enquanto a Semana de Arte Moderna ainda � debatida

Exposi��o do Centen�rio da Independ�ncia teve 2.500 metros quadrados de pavilh�es, 10 mil expositores e milhares de visitantes por dia, mas sem mesma relev�ncia dos modernistas na hist�ria.


20/02/2022 12:26 - atualizado 21/02/2022 11:16

Dois eventos marcaram 1922 no Brasil: um no Rio de Janeiro, ent�o capital federal, e outro em S�o Paulo, uma cidade que nem de longe tinha o tamanho e a import�ncia que tem hoje.

O primeiro, a Exposi��o do Centen�rio da Independ�ncia, foi grandioso — 2.500 metros quadrados de pavilh�es, sendo 15 estrangeiros, com cerca de 10 mil expositores e milhares de visitantes por dia — e longo, tendo se estendido de setembro daquele ano at� abril de 1923.

O evento foi realizado no antigo bairro da Miseric�rdia, no centro do Rio. O Morro do Castelo foi derrubado para a constru��o dos pavilh�es da Exposi��o.

O segundo, a Semana de Arte Moderna, bem mais modesto, reuniu um punhado de jovens artistas, alguns pouco conhecidos ainda, durante apenas seis dias (13 a 18 de fevereiro) de apresenta��es no Teatro Municipal da capital paulista.

Em 100 anos, a hist�ria se inverteu, no entanto. A Exposi��o est� praticamente esquecida, enquanto a �ltima continua sendo debatida e gerando livros, teses e filmes, por exemplo

Para entender por que isso ocorreu � preciso contextualizar os dois eventos.

Segundo o historiador Marcos Napolitano, do Departamento de Hist�ria da Universidade de S�o Paulo (USP), o primeiro se inscreve na tradi��o das grandes exposi��es universais iniciadas em Londres, em 1851.

"O objetivo desses grandes eventos era ser um 'espet�culo da civiliza��o industrial', al�m de reafirmar as grandes cidades como lugares da modernidade", explica.

Neles tamb�m havia espa�o para mostrar povos e culturas consideradas "ex�ticas" e "primitivas", para saciar a curiosidade dos visitantes pelo "outro", o que, obviamente, hoje seria condenado.

"Al�m disso, essas exposi��es eram grandes feiras de neg�cios", acrescenta Napolitano.

"No caso do Brasil, houve eventos similares anteriores, com destaque para a Exposi��o Nacional de 1908, tamb�m no Rio de Janeiro."

No caso das brasileiras, diz Napolitano, um dos motivos era mostrar os produtos do pa�s, com foco na produ��o prim�ria, mas tamb�m trazer o espet�culo da civiliza��o para c�, como o cinema e o r�dio.

"Um dos grandes sucessos da Exposi��o de 22, por exemplo, foi o filme de Silvino Santos No Pa�s das Amazonas, que apresentava uma vis�o ex�tica da natureza brasileira e das popula��es ind�genas, ao mesmo tempo que era uma ode ao progresso civilizat�rio", conta.

"V�rios filmes produzidos em S�o Paulo, exibidos no evento, tinham esse mesmo objetivo, qual seja mostrar o progresso industrial, o crescimento urbano e a produ��o agr�cola pujante."

Olhar para o passado

Para a professora de teoria liter�ria Camila Bylaardt Volker, da Universidade Federal do Acre (UFAC), a principal diferen�a, em termos pol�ticos, entre a Semana de Arte Moderna e a Exposi��o do Centen�rio, � que uma aponta para o futuro, enquanto a outra para o passado.

"Enquanto o evento de S�o Paulo nos trouxe (ou trouxe para os artistas da �poca) uma amplid�o significativa de poss�veis caminhos art�sticos e est�ticos, o do Rio tentou enaltecer um passado recente na �poca, que era particularmente dif�cil para o Brasil", explica.

Ela lembra que nos cem anos da independ�ncia o pa�s deixou de ser col�nia, mas, em contrapartida, passou a ser respons�vel por um sistema pol�tico, econ�mico e social que ainda se beneficiava do colonialismo.

"Foi uma independ�ncia conservadora", diz.

"O Brasil era um imp�rio no meio de uma Am�rica do Sul republicana, imp�rio esse que massacrou o Paraguai, era escravocrata e herdeiro de Portugal. J� a Primeira Rep�blica � fruto de um golpe militar, n�o foi propriamente um movimento popular. Mesmo os civis republicanos, que esperavam oportunidades no novo governo, perceberam, ap�s alguns anos de governo de Deodoro da Fonseca, que o pa�s havia mudado de governo sem tocar nas pessoas."

De acordo com Volker, para um Brasil que ainda trope�ava muito na condu��o pol�tica, econ�mica, social e militar, a Exposi��o do Centen�rio, por mais magn�fica que tenha sido, principalmente no campo cient�fico, n�o conseguiu ressignificar esse passado recente.

"Armou-se (e ela teve um qu� militar, efetivamente) de um patriotismo ufanista, que precisava ignorar muitos momentos da hist�ria para se estabelecer", diz.

Napolitano lembra de outro aspecto da Exposi��o, que foi o de querer mostrar ao mundo um pa�s europeizado e branco, tal como era o horizonte da �poca, dominado pelo racismo, pela eugenia e pelo arianismo, que tinham prest�gio em c�rculos intelectuais e cient�ficos.

"O Brasil negro era oficialmente apagado, embora estivesse presente nas ruas e na cultura popular do Rio de Janeiro, sede do evento", diz. "E o ind�gena era mostrado na chave das representa��es ex�ticas e romantizadas do passado colonial e imperial."

Para a doutora em letras Claudia Vanessa Bergamini, coordenadora do projeto de pesquisa Imagens da Cidade: A Constru��o do Espa�o Citadino em Textos Liter�rios Brasileiros do S�culo XX e colega de Camila Bylaardt Volker na UFAC, a Semana de Arte Moderna, por sua vez, tamb�m tinha um plano ideol�gico. No caso, um que se amalgamava com a pr�pria no��o de independ�ncia.

"Ele estava ligado a refazer o percurso de nosso processo colonizador", explica.

"Queria repensar quem �ramos e como nos v�amos. Refletir sobre nossa identidade, n�o da forma ilus�ria, como outrora os rom�nticos fizeram, quando idealizaram a figura do ind�gena."

Para ela, a Semana de 1922 prop�s um olhar para o nacional, para o local. No entanto, trata-se de um olhar cr�tico, ir�nico, por meio do qual se vislumbra a necessidade de se constituir uma p�tria que seja brasileira.

"Longe das tend�ncias europeias, exceto as vanguardas art�sticas, as quais, por sua vez, j� s�o vozes dissonantes quanto aos modelos postos", diz.

"O Modernismo nacional ganha a cena a partir do evento de S�o Paulo, e �, por isso, uma proposta de ruptura com o passado e de constru��o de uma literatura a partir de um olhar mais realista para a situa��o nacional."

A influ�ncia de M�rio

Nesse contexto, com o tempo, a Exposi��o do Centen�rio foi sendo esquecida e a Semana de 22 se firmando cada vez mais na mem�ria coletiva.

Essa tend�ncia come�ou a tomar corpo durante o Estado Novo, instaurado por Get�lio Vargas em 1937 e que durou at� 1945.

"Os modernistas, tomados no seu conjunto, entraram, �s vezes como agentes, outras vezes como objetos, em institui��es de poder, como foi o caso do M�rio de Andrade", diz o professor de Literatura, Lu�s Fischer, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em sua vis�o, M�rio teve muita influ�ncia, primeiro em S�o Paulo, onde ele foi do Departamento de Cultura, que era uma esp�cie de secretaria de cultura, e depois no Rio de Janeiro.

O escritor foi um dos ide�logos do Servi�o do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional, que hoje � o Iphan (Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional)", explica.

"Quem dirigia o �rg�o, Rodrigo Melo Franco de Andrade, era mineiro e amigo do Carlos Drummond de Andrade e do Gustavo Capanema, que era o ministro da Educa��o (de 23 de julho de 1934 at� 30 de outubro de 1945). Diretamente o M�rio era consultado regularmente pelo Rodrigo como gestor do que hoje � o Iphan."

Fischer acrescenta que, ao mesmo tempo, M�rio de Andrade foi uma das pessoas que ajudaram na concep��o do Instituto Nacional do Livro e foi por interm�dio dele que Augusto Meyer, ga�cho, modernista, saiu de Porto Alegre, em 1937, para criar e dirigir esse �rg�o.

"S�o dois exemplos de que a gera��o modernista estava integrada ao mundo do poder no Estado Novo", diz.

Al�m disso, de acordo com Fischer, tr�s eventos sucessivos e concatenados ocorridos em S�o Paulo ajudaram a difundir e refor�ar o modernismo: a pr�pria Semana de Arte de Moderna, a publica��o de difus�o das obras de Oswald e M�rio de Andrade, principalmente nos 1920, e a funda��o da USP, em 1934, e outras institui��es, como o Departamento de Cultura.

"Isso serviu de trampolim para a afirma��o dos valores que v�o ser atribu�dos retrospectivamente ao evento do Teatro Municipal", diz.

Na USP, por exemplo, toda �rea de literatura e sociologia come�ou a ser dominada por intelectuais paulistas, que v�o afirmar os valores modernistas.

"Um caso exemplar desse caminho � o Ant�nio C�ndido, mas tamb�m o S�rgio Buarque de Holanda", explica Fischer.

"� uma confirma��o da Semana de Arte Moderna de tr�s para diante. � nos 40, 50 e 60, que esses dois e outros v�o disputando o legado modernista de S�o Paulo, dizendo, por exemplo, isso aqui estava na nossa cabe�a desde 1922."

S�o Paulo ganha destaque

Para Napolitano, apesar de certo esquecimento inicial, a Semana de 22 foi ganhando corpo na mem�ria de uma elite cultural e art�stica, inspirando pesquisas acad�micas, pautando a cr�tica liter�ria e art�stica, gerando trabalhos memorialistas e se consolidando com institui��es, sobretudo em S�o Paulo, como o Museu de Arte Moderna (MAM) e o de Arte Contempor�nea (MAC).

Ainda segundo ele, a partir dos anos 1950, a capital paulista consolidou sua posi��o de grande metr�pole cultural brasileira.

"Al�m disso, grandes nomes do movimento, como M�rio e Oswald de Andrade se tornaram �cones culturais importantes, assim como Villa Lobos, recuperados a partir dos anos 1960 em outros contextos, mas sempre ligados � busca da inova��o e da ruptura est�tica que marcaram as vanguardas posteriores", diz.

Tudo isso ajudou a consagrar a Semana como "monumento" da cultura brasileira.

"A Exposi��o teve grande impacto � �poca, mas acho que mobilizou sensibilidades e sociabilidades diferentes, sendo um evento de outra natureza", explica.

"O Brasil mostrado nela, para si mesmo e para o mundo, ainda era basicamente um pa�s rural, maravilhado em rela��o ao mundo desenvolvido e ex�tico em rela��o �s suas pr�prias gentes. Basicamente, a ant�tese do que passou a simbolizar a Semana, ao menos na mem�rias das elites e no mosaico cultural brasileiro."

Fischer tem outra explica��o para a diferen�a do destino hist�rico dos dois eventos.

Para ele, a Semana permaneceu na mem�ria coletiva porque seus intelectuais representavam o ponto de vista de S�o Paulo, que era — e ainda � — o Estado mais rico do pa�s .

"A vis�o da S�o Paulo industrial, que nos anos 50 vai ter a ind�stria automobil�stica, era absolutamente convergente com a que os modernistas tinham", afirma.

"A ideia de que ela (a Semana) era protesto e que seus organizadores eram de esquerda � falsa. Eles eram jovens intelectuais, preocupados individualmente com sua obra, mas cujas ideias iam convergindo com esse interesse de reinterpretar o Brasil a partir da posi��o de S�o Paulo."

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