
Ousadia, petul�ncia e irresponsabilidade s�o as palavras de que o saxofonista Rodrigo Sha e o cantor, compositor e violonista Maur�cio Pessoa se valem para comentar a homenagem que fizeram ao cl�ssico �lbum “Getz/Gilberto” (1964), que projetou a bossa nova para o mundo.
Com o disco “Sha plays Getz/Pessoa sings Gilberto”, que acaba de chegar �s plataformas digitais, a dupla carioca revisita o c�lebre encontro em est�dio do baiano Jo�o Gilberto com o saxofonista -americano Stan Getz, mediado por Tom Jobim. Contando com a participa��o de Astrud Gilberto, ele resultou num marco atemporal da bossa e do jazz.
''Foi uma experi�ncia muito bacana, porque a verdade do nosso trabalho est� ali. N�o tem maquiagem, � s� mesmo a nossa devo��o por esses g�nios''
Rodrigo Sha, saxofonista
R�DIO ROQUETTE PINTO
O rec�m-lan�ado �lbum deriva do show que Sha e Pessoa estrearam em 2018, ap�s uma conversa informal sobre as respectivas influ�ncias. O saxofonista conta que mantinha na R�dio Roquete Pinto, no Rio de Janeiro, o programa “Hora do Sha”, em que sempre recebia convidados para entrevistas. Ao final, realizava com eles um n�mero musical ao vivo. Um dos convidados foi Maur�cio Pessoa, seu velho amigo, que lan�ava o �lbum instrumental “Without you”.“No final, tocamos ‘Autumn leaves’ e foi um barato”, recorda o saxofonista, referindo-se � m�sica de Joseph Kosma que ganhou v�rias interpreta��es, de Maysa a Eric Clapton, passando por Piaf. “Maur�cio tocou numa levada bossa nova e minha interpreta��o foi total na onda do Stan Getz”, conta Sha.
“Sa�mos da r�dio juntos. Voltando para casa de metr�, a gente veio conversando sobre influ�ncias: ele falando do Getz, eu do Jo�o Gilberto. Ali tivemos o lampejo”, emenda Maur�cio Pessoa.
O fato de, naquele momento, “Getz/Gilberto” completar 55 anos foi um gancho a mais para que a dupla se lan�asse � aventura de revisit�-lo. Sha procurou a dire��o da casa de shows carioca Blue Note, com a proposta do tributo. A ideia foi imediatamente aceita.
“A primeira apresenta��o j� foi com ingressos esgotados. As coisas v�o fluindo quando d�o certo. Fizemos algumas temporadas no Hotel Fasano, no Blue Note de S�o Paulo. Pensamos, ent�o, que como o show estava repercutindo muito, t�nhamos de grav�-lo”, diz. E assim foi.
Em 2021, a dupla registrou as m�sicas no est�dio Visom, no Rio de Janeiro. Os dois no mesmo espa�o, com o intuito de recriar a ambi�ncia e a sonoridade da bossa nova e do jazz. Sha acredita que esse formato mais org�nico e natural tamb�m norteou o disco “Getz/Gilberto”.
“Esse processo � muito comum no mercado. Se voc� lan�a um show que d� muito certo, tem de materializ�-lo. Na minha cabe�a, a gente deveria gravar o �lbum da forma como foi o show, s� n�s dois, at� para explorar a forma��o que eles n�o fizeram l� entre 1963 e 1964”, diz, ao explicar a op��o por n�o incluir piano, outros instrumentos ou voz feminina no projeto.
“Era importante a gente gravar ao vivo na mesma sala, sem efeitos, para ter a mesma atmosfera. Foi uma experi�ncia muito bacana, porque a verdade do nosso trabalho est� ali. N�o tem maquiagem, � s� mesmo a nossa devo��o por esses g�nios”, comenta.
N�o foi apenas na forma��o instrumental que Sha e Pessoa procuraram se descolar um pouco de “Getz/Gilberto”. O �lbum da dupla tamb�m traz oito faixas, mas apenas tr�s est�o no repert�rio do cl�ssico de 1964: “Doralice”, “Corcovado” e “Garota de Ipanema”.
As outras cinco foram pin�adas das discografias individuais de Stan Getz e de Jo�o Gilberto: “Estate”, “Chega de saudade”, “It’s wonderful”, “Saudade fez um samba” e “Wave”.
''Replicar o formato original de 'Getz/Gilberto' poderia nos levar para o lugar do cover, e essa nunca foi nossa ideia. O repert�rio n�o � o do �lbum original, escolhemos outras m�sicas com o intuito de sair mesmo, automaticamente, da compara��o direta''
Maur�cio Pessoa, cantor e violonista
LONGE DO COVER
“Replicar o formato original de ‘Getz/Gilberto’ poderia nos levar para o lugar do cover, e essa nunca foi nossa ideia. O repert�rio n�o � o do �lbum original, escolhemos outras m�sicas com intuito de sair mesmo, automaticamente, da compara��o direta. As influ�ncias s�o muito claras, muito evidentes, mas � imposs�vel tentar imitar, porque Jo�o e Stan Getz s�o inimit�veis”, diz Pessoa.“No final das contas, n�o � bem um tributo ao disco, mas � uni�o daqueles dois artistas, � sonoridade que eles criaram e que mudou o mundo, porque a partir dali a bossa nova foi para outro patamar, as carreiras de ambos foram para outro patamar, Tom Jobim partiu para gravar com Sinatra. N�o dava para fazer igual ao ‘Getz/Gilberto’ e nem foi essa a nossa inten��o. A gente buscou m�sicas que eles poderiam ter gravado, pensando nessa conex�o e na linguagem deles”, refor�a Sha.
Ao recordar a forma como Jo�o Gilberto e Stan Getz gravaram ao vivo no est�dio, ele evoca tamb�m a rela��o nada amig�vel do brasileiro e do americano naquele primeiro momento.
� sabido que o criador da batida da bossa nova implicou com o saxofonista. Como n�o dominava o ingl�s, Jo�o chegou a pedir a Tom Jobim para passar o recado: “Diga a esse gringo que ele � burro”. Diplom�tico, o maestro contornou a situa��o.
� sabido que o criador da batida da bossa nova implicou com o saxofonista. Como n�o dominava o ingl�s, Jo�o chegou a pedir a Tom Jobim para passar o recado: “Diga a esse gringo que ele � burro”. Diplom�tico, o maestro contornou a situa��o.
''E imposs�vel tentar imitar, porque Jo�o e Stan Getz s�o inimit�veis''
Maur�cio Pessoa, cantor e violonista
A despeito do ambiente conflituoso, o que saiu do est�dio foi uma obra-prima, afirma Sha. Ele credita esse resultado ao profissionalismo dos m�sicos envolvidos e � capacidade conciliadora de Tom Jobim, que, literalmente, estava ali para harmonizar pessoas e m�sica.
“O Getz pode n�o ter tido muita afinidade com Jo�o, mas ele � o saxofonista da bossa nova no mundo. Foi um cara que se apropriou (do g�nero) de uma forma que mais ningu�m conseguiu, tanto que gravou v�rios discos de bossa nova ao longo da carreira solo. Ele era um amante, estava mais sedento para gravar aquele disco do que o Jo�o”, destaca.
g�nios O saxofonista observa que havia ali dois g�nios juntos, e isso costuma ser problema. “Mas eram pessoas que tinham rever�ncia pela m�sica. A humildade diante da obra que estavam executando foi maior do que o ego que alimentavam”, acrescenta.
Maur�cio Pessoa reconhece o atrito que pode resultar do encontro de g�nios, mas refor�a que a sintonia musical prevaleceu. “Tentar juntar muitas estrelas pode dar confus�o, mas ali o resultado � fant�stico. Jobim foi muito feliz nos arranjos. E foi o mediador da situa��o”, relembra.
J� o clima no est�dio Visom, no Rio de Janeiro, foi de muita camaradagem, posto que Pessoa e Sha s�o amigos h� mais de 20 anos e tocaram juntos em v�rias ocasi�es.
“Sempre falo que foi petul�ncia e irresponsabilidade nossa mexer com uma obra t�o cl�ssica, mas a verdade � que o processo foi extremamente prazeroso, principalmente no que diz respeito �s m�sicas que n�o est�o no ‘Getz/Gilberto’. Essa parte envolveu exerc�cio maior de cria��o, com o desafio de imaginar, com base no que est� registrado no disco, como teria sido se eles tivessem gravado as m�sicas que n�o gravaram juntos”, ressalta.
Para Sha, o maior desafio � manter o tra�o pessoal e a subjetividade sem abdicar das melhores qualidades do saxofonista homenageado. Mesmo depois de muito tempo na estrada, esse � um dos shows em que ele fica mais tenso.
“� uma quantidade grande de harmonias, o que exige n�vel de concentra��o muito alto, e o Getz tinha a coisa da fluidez, da naturalidade. Voc� deve ter precis�o e t�cnica, mas tamb�m naturalidade, estar intelectualmente e emocionalmente dentro da m�sica”, explica.

Ponte com a Dinamarca
“Sha plays Getz/Pessoa sings Gilberto” � um projeto internacional, fruto da parceria com a gravadora Music For Dreams, baseada em Copenhague, na Dinamarca. A percep��o de que a bossa nova � mais cultuada no resto do mundo do que no Brasil estabeleceu a ponte.
“Os gringos admiram a bossa de uma forma hist�rica. Sei porque vivi isso viajando com o Bossacucanova e com a Bebel Gilberto”, diz Rodrigo Sha.
“O projeto merecia uma gravadora l� fora, seria um lan�amento mais proveitoso. Ent�o, mandei para o produtor da Music for Dream, com a qual tenho uns trabalhos. Eles amaram. Neste momento, o mundo est� recebendo o �lbum e n�s estamos tendo feedback muito especial”, salienta Rodrigo.
ELOGIOS
Maur�cio Pessoa tamb�m comemora o retorno por parte de nomes representativos da bossa nova, como Carlos Lyra e Roberto Menescal, que sublinharam a qualidade do disco.“Sei que o ‘Getz/Gilberto’ � refer�ncia, muita gente o tem como �lbum de cabeceira, ent�o consideramos muito verdadeiras as declara��es dessas figuras que v�m nos falar sobre o que acharam do disco”, comenta.
“A gente ficou muito feliz com o resultado, com a qualidade da grava��o. Do ponto de vista t�cnico, ficou tudo muito bem feito, porque tivemos profissionais de alt�ssimo n�vel envolvidos. Chegamos � sonoridade como se estiv�ssemos tocando ao vivo na sala de quem est� ouvindo”, conclui.

“SHA PLAYS GETZ/PESSOA
SINGS GILBERTO”
• De Rodrigo Sha e Maur�cio Pessoa
• Music for Dream
• Dispon�vel nas plataformas digitais
“Estate”
“Chega de Saudade”
“Doralice”
“Corcovado”
“It’s Wonderful”
“Saudade fez um samba”
“Garota de Ipanema”
“Wave”

“GETZ/GILBERTO”
• De Stan Getz e Jo�o Gilberto
• Verve
“Doralice”
“Para machucar meu cora��o”
“Desafinado”
“Corcovado”
“S� dan�o samba”
“O grande amor”
“Vivo sonhando”