P�blico fica 'cego' durante a pe�a 'Um outro olhar', que estreia em BH
Espectador abdica da vis�o e � estimulado a se valer do olfato, audi��o, tato e paladar para acompanhar, no escuro, a jornada de duas mulheres com c�ncer
Atores com defici�ncia visual e dotados de vis�o plena formam a trupe, que convida � reflex�o sobre solidariedade, empatia, medo e supera��o
(foto: Yasmin Dib/divulga��o)
A proposta � ir ao teatro para n�o ver o espet�culo em cena. Na verdade, n�o se trata exatamente de teatro, e o espa�o que os atores ocupam � compartilhado com a plateia, tudo na mais absoluta escurid�o.
Nova montagem do grupo Teatro Cego, cujo elenco traz atores com defici�ncia visual, a pe�a “Um outro olhar” estreia nesta quarta-feira (4/5), na Galeria Mari’Stella Trist�o, no Pal�cio das Artes, onde fica em cartaz at� o pr�ximo domingo (8/5), com duas sess�es di�rias e entrada franca.
Criado em 2012 pelo ator e diretor Paulo Palado e seu irm�o, o produtor Luiz Mel, o grupo Teatro Cego � formado por oito artistas: quatro com defici�ncia visual – Sara Bentes, Edgard Jacques, Luma Sanches e Giovanna Maira – e quatro com a vis�o plena – Ana Righi, Fl�via Strongolli, Ian Noppeney e Paulo Palado. Respons�veis por efeitos, marca��es e sonoplastia, Zan Martins, Rosana Ant�o e Felipe Herculano completam a trupe.
QUATRO SENTIDOS
Palado explica que as produ��es da Teatro Cego convidam o p�blico a abdicar da vis�o e compreender a trama por meio dos outros sentidos – olfato, paladar, tato e audi��o. Durante o espet�culo, sons, vozes, cheiros e sensa��es t�teis as mais diversas chegam ao espectador vindos de locais diferentes, dando a ele impress�o de estar inserido no ambiente c�nico. Tais sensa��es s�o o caminho para a compreens�o da trama, mesmo que ela ocorra completamente no escuro.
O formato n�o � o tradicional. A plateia � distribu�da em cadeiras que intercalam cen�rios e objetos de cena. H� grande proximidade do p�blico com os atores, que circulam entre as cadeiras.
Ao explicar a origem do Teatro Cego, Palado conta que ele e o irm�o vinham trabalhando com projetos culturais ligados � filantropia e � inclus�o at� que, durante viagem a C�rdoba, na Argentina, conheceram um grupo que lidava com apresenta��es c�nicas na total aus�ncia de luz.
“Tinha a ver com o trabalho que a gente j� fazia, era uma coisa interessante de trazer para o Brasil. Come�amos a produzir em 2010 e o primeiro espet�culo, ‘O grande vi�vo’, adaptado de um texto de Nelson Rodrigues, estreou em 2012”, recorda.
O debute e as duas montagens seguintes – “Acorda, amor!”, de 2014, e “Clarear”, de 2018 – seguem os mesmos preceitos. “A pessoa entra no ambiente c�nico onde est�o os atores, sem nenhum ponto de luz. Ela n�o tem refer�ncia do espa�o, se � pequeno ou grande, o que h� nele. O elenco � sempre formado por atores cegos e atores que enxergam. Os textos s�o escritos de forma que a gente consiga evidenciar caracter�sticas sonoras, t�teis e de aroma que ajudem a compreens�o da trama”, explica Paulo Palado.
Quarta montagem do Teatro Cego, “Um outro olhar” conta a hist�ria da empregada dom�stica e de sua patroa que passam por um tratamento de c�ncer.
Conforme a sinopse, a rela��o das duas “mostra as diferentes posturas e dificuldades que pessoas de classes sociais distantes t�m diante desse desafio, ao mesmo tempo em que a compreens�o das condi��es de cada uma delas faz nascer a amizade que se tornar� a principal ferramenta de suas lutas”.
A trama fala sobre generosidade, empatia, amor, medo, supera��o, respeito e autoestima. Palado conta que o texto de “Um outro olhar” nasceu da aproxima��o do Teatro Cego com a ONG paulista Cabelegria, que recebe doa��es de cabelo, transformando-o em perucas doadas para pessoas que est�o em tratamento quimioter�pico ou t�m patologias que causam queda capilar.
(foto: Facebook/Reprodu��o
)
'Acho mais confort�vel atuar no escuro, porque � meu dia a dia. N�o tenho de me preocupar com marca��es, com a borda do palco ou com a localiza��o do outro ator (...). Nesse tipo de situa��o, os atores que enxergam � que ficam meio perdidos'
Sara Bentes, atriz
CABELEGRIA A POSTOS
Assim como ocorreu em outras cidades, durante a temporada em Belo Horizonte o caminh�o-est�dio da Cabelegria ficar� estacionado em frente do Pal�cio das Artes realizando essa a��o. Uma hora antes de cada sess�o e ao t�rmino dela, o p�blico � convidado a conhecer o caminh�o e pode doar seu cabelo, com a op��o de cort�-lo na hora. H� v�rias op��es de perucas para serem doadas a pessoas que perderam o cabelo devido � quimioterapia.
Segundo Palado, as cria��es do Teatro Cego s�o intimamente ligadas a quest�es de inclus�o e de sa�de p�blica. No caso de “O grande vi�vo”, foi firmada parceria com o Banco de Olhos de Sorocaba, que, paralelamente ao espet�culo, lan�ou campanha de doa��o de c�rnea.
“Na �poca, eles comentaram com a gente que essa a��o deu mais retorno do que qualquer publicidade. a partir daquele momento, passamos a fazer campanhas de inclus�o e de promo��o da sa�de”, diz.
Apesar de atender a um direcionamento, trata-se, acima de tudo, de teatro, ressalta Palado. “O texto fala da quest�o da doa��o de cabelo, mas sem ser coisa for�ada. A dramaturgia de ‘Um outro olhar’ demandou pesquisa de quase dois anos, leituras, conversas e ensaios”, destaca.
O diretor enfatiza que a proposta da companhia n�o � oferecer laborat�rio de sensa��es – como jantares em que convivas s�o vendados com o intuito de experimentar cheiros, texturas e sabores.
“Nosso fundamento � teatral. Tem prepara��o c�nica e prepara��o dos atores, s� que, na hora de levar ao p�blico, a gente suprime a vis�o e explora os outros sentidos com elementos c�nicos. Usamos o aroma, por exemplo, como divisor de cena. Tem o quartinho da empregada. Quando a patroa entra, fala do cheiro forte de perfume, que a plateia sente na hora. Diz que vai ligar o ventilador para dissipar o cheiro, e o p�blico sente o vento. Mais adiante, em outra cena no quarto da empregada, as pessoas v�o identific�-lo pelo cheiro”, explica.
''Usamos o aroma como divisor de cena. Tem o quartinho da empregada. Quando a patroa entra, fala do cheiro forte de perfume, que a plateia sente na hora''
Paulo Palado, diretor
TRABALHO
Integrante da companhia desde sua funda��o, Sara Bentes, que tem defici�ncia visual, divide o palco com Fl�via Strongolli e Ian Noppeney.
“Costumo dizer, primeiro, que � um trabalho como qualquer outro. Sou atriz profissional h� mais tempo, desde antes de entrar para o Teatro Cego, e n�o � porque tenho uma defici�ncia que atuo de forma diferente. Estou l� com toda a responsabilidade que levo para qualquer outro trabalho”, diz.
A forma de atuar n�o muda, mas as condi��es, sim. “S�o dois diferenciais b�sicos. Um � que acho mais confort�vel atuar no escuro, porque � meu dia a dia. N�o tenho de me preocupar com marca��es, com a borda do palco ou com a localiza��o do outro ator, o que acontece no teatro convencional. Nesse tipo de situa��o, os atores que enxergam � que ficam meio perdidos”, diz.
Outro diferencial, segundo a atriz, � que o p�blico � chamado a uma incurs�o pelo universo dela. “N�o se trata de mostrar para as pessoas como � a vida de uma pessoa cega. � muito diferente, pois ali o espectador fica cego por uma hora e depois volta a enxergar. Trata-se de um exerc�cio duplo, de empatia e de outras percep��es”, afirma.
Sara Bentes destaca que, nestes tempos de redes sociais transbordantes de fotos e v�deos, a vis�o � um sentido hipervalorizado. “As pessoas se esquecem de que existem outras formas de percep��o. Quando v�o a um espet�culo como esse, saem sensibilizadas”, aponta.
EFEITO
O retorno do p�blico � emocionante. “As pessoas ficam muito tocadas por essas duas quest�es que o espet�culo traz. No que diz respeito � escurid�o, elas v�m me falar do que sentem, do que percebem, falam que conseguiram imaginar o cen�rio, o rosto dos personagens, o figurino. Isso � muito legal, mostra que os elementos de que a gente se vale funcionam, fazem efeito”, aponta.
Outra emo��o vem de pessoas que est�o passando ou j� passaram por c�ncer ou tratamento quimioter�pico. “Elas saem muito tocadas. E ainda tem a Cabelegria fazendo esse trabalho bonito de refor�o da autoestima. A arte s� faz sentido assim, quando o outro entende, sente, e a gente percebe que a troca aconteceu”, conclui.
“UM OUTRO OLHAR”
Pe�a da companhia Teatro Cego. Desta quarta-feira (4/5) at� s�bado (7/5), �s 18h e �s 20h. Domingo (8/5), �s 17h e �s 19h. Galeria Mari’Stella Trist�o, no Pal�cio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Entrada franca, com distribui��o de ingressos uma hora antes de cada sess�o, limitados a uma entrada por pessoa. Capacidade: 100 lugares. Informa��es: (31) 3236-7400
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