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Estado de Minas LITERATURA

Autora mineira Nara Vidal lan�a 'Eva', romance sobre a opress�o da mulher

Fiel ao pr�prio desejo, protagonista vive, sem culpa, relacionamentos abusivos em meio � loucura. Escritora diz que sua personagem n�o � v�tima nem vil�


23/05/2022 04:00 - atualizado 23/05/2022 09:28

Escritora Nara Vidal sorri, olhando para a câmera, com os cotovelos na murada às margens de um rio, em dia nublado
Nara Vidal vive em Londres e planeja livro dedicado �s personagens femininas de Shakespeare (foto: Bruna Casotti/divulga��o)

"A rela��o da mulher com a naturaliza��o da opress�o � uma quest�o que me interessa profundamente. 'Eva', para mim, � mais um estudo de personagem do que romance"

Nara Vidal, escritora



Um nome de apenas tr�s letras, escolhido pelo pai � revelia (e para desgosto) da m�e, acaba selando o destino de uma mulher. � dessa maneira que Eva, personagem-t�tulo do segundo romance de Nara Vidal (Todavia), se apresenta ao mundo.

Eva carregaria o diabo no corpo desde a inf�ncia, � o que acredita sua fam�lia, de uma pequena cidade do interior. Sempre motivo de julgamento – da m�e, da av�, dos vizinhos –, vive como quer. A rela��o problem�tica e dependente da m�e controladora acaba levando a personagem, j� na idade adulta, a uma s�rie de relacionamentos abusivos. Ela n�o consegue superar a morte da genitora. Mas vive, err�tica, uma exist�ncia sem culpa.
 
Nascida em Guarani, na regi�o de Juiz de Fora, Zona da Mata, Nara Vidal, de 47 anos, h� 20 vive em Londres. Formada em letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com mestrado em artes e heran�a cultural pela London Met University, vem trabalhando temas como a condi��o da mulher, a loucura e a perda.

PR�MIO OCEANOS

Depois de uma s�rie de livros infantojuvenis, Nara estreou na prosa adulta em 2016 com a compila��o de contos e cr�nicas “A loucura dos outros” (Reformat�rio). O primeiro romance, “Sorte” (2018, Moinhos), lhe garantiu o terceiro lugar do Pr�mio Oceanos. “Mapas para desaparecer” (2020, Faria e Silva), colet�nea de textos curtos, � o livro que antecede “Eva”.

“A rela��o da mulher com a naturaliza��o da opress�o � uma quest�o que me interessa profundamente. ‘Eva’, para mim, � mais um estudo de personagem do que romance. Me interessa pensar nas rela��es diretas dela, da m�e, do namorado, o que leva a personagem a agir de tal maneira. S�o quest�es que se repetem e essa repeti��o me fascina. Chega a um ponto em que padr�es come�am a se repetir, pois tudo � normalizado”, diz Nara.

“Sorte” trata da viola��o da mulher sob o vi�s da imigra��o no s�culo 19. “O corpo feminino me interessa muito, como lugar que as pessoas sentem que podem possuir”, continua a autora.

Narrado em primeira pessoa, “Eva” � dividido em tr�s cap�tulos: “Superf�cie” trata da inf�ncia da personagem; “Profundo”, da maturidade; e “Fundo”, da juventude. Ainda que haja essa divis�o, a prosa da Nara vai e volta no tempo em cada uma das partes – as mudan�as temporais, no entanto, s�o fluidas, nunca deixando o leitor se perder no espa�o-tempo.

“'Eva' seria um conto, basicamente o meio do livro (o cap�tulo ‘Profundo’). Chegou um momento em que senti a possibilidade de explorar um pouco mais o tema”, comenta Nara Vidal, que afirma escrever “sem planejamento nenhum”.

“Para mim, � mais como um jorro, uma experi�ncia. Depois que escrevo, releio, mas n�o me lembro muito bem de como cheguei a tal ponto. � uma sensa��o estranha, acho que � porque existe uma entrega, um momento muito criativo. S� depois que escrevo vou pensar no texto, refin�-lo, enxug�-lo”, explica.

AFETO 

� medida que avan�amos na leitura, descobrimos detalhes sobre a personagem. Eva � prom�scua, teve um casamento sem amor, era dependente financeiramente do marido, a quem traiu incont�veis vezes. Depois de v�rios abortos, teve um filho a quem nunca se ligou afetivamente. O afeto – ou a depend�ncia afetiva – se d� com a m�e, cuja morte a impacta sobremaneira. Vivendo sozinha um processo de loucura, ela se relaciona com m�e por meio de cartas.

“N�o h� nada de autofic��o no livro, mas tenho alguma familiaridade com os temas. A quest�o do luto, por exemplo, � muito importante”, afirma Nara.

N�o h� localiza��o de tempo nem geogr�fica na maior parte do romance – somente o cap�tulo final mostra a protagonista em Londres. Mas a autora coloca pistas para o leitor, que facilmente faz algumas liga��es.

Na inf�ncia, por exemplo, h� elementos t�picos do interior de Minas, como a coroa��o de Maria no m�s de maio. Na maturidade, sabemos que a personagem mora no exterior, pois tenta sobreviver dando aulas particulares de portugu�s para estrangeiros.

“N�o quis fazer uma personagem v�tima ou vil�. Queria uma pessoa normal. Voc� l� e �s vezes pensa: ‘Coitada da Eva’. Mas ela �s vezes tamb�m merece, n�o � muito confi�vel, usa as pessoas, mani- pula. Somos todos um pouco assim”, observa Nara. Ao mesmo tempo em que n�o sente culpa, nem mesmo pelo filho que nunca desejou, ela � fiel aos pr�prios desejos. Comportamento este que � uma repeti��o do que Eva assistia, na inf�ncia, observando a m�e.

“Uma coisa que acho primordial na narrativa � a falta de autonomia financeira da personagem. Ela depende das pessoas, do ex-marido para morar, do filho para comer. A profiss�o dela � prec�ria. Todas as restri��es v�m da cria��o. A m�e se preocupava com a promiscuidade da filha, mas n�o dava a ela incentivo para ser aut�noma, para se libertar”, acrescenta.

SHAKESPEARE 

Em 2001, Nara Vidal deixou o Brasil rumo a Londres para estudar Shakespeare, paix�o de toda a vida. A vida pessoal, com o nascimento dos dois filhos, a levou para a literatura infantojuvenil – foram sete t�tulos, lan�ados entre 2013 e 2020.
“Me interessava muito aquela curiosidade deles em rela��o ao mundo. Depois que cresceram, fiz a passagem para a literatura adulta e, honestamente, n�o volto para a infantil. N�o tenho mais interesse exatamente porque os filhos cresceram. Escrever para adulto � algo que me desafia”, comenta.

Nara pretende lan�ar at� o final deste ano, pela editora mineira Relic�rio, “Shakespearianas”, ensaio sobre personagens femininas do dramaturgo ingl�s.

“Selecionei 12 ou 13, algumas n�o t�o muito conhecidas, como Lav�nia, de ‘Titus Andronicus’, e outras mais �bvias, como Lady Macbeth e Julieta. N�o � texto acad�mico, pois acho que j� existe material do g�nero suficiente. Minha ideia � tentar aproximar o leitor comum de Shakespeare, quebrar um pouco da pompa, aproximar as pessoas da literatura cl�ssica”, finaliza.

TRECHO


“J� sozinha na cama, nua e com os pingos dele salpicados pelo meu corpo, penso na mancha roxa da qual serei dona e que ser� escondida porque � um segredo. No banho, hesito. Vejo a mancha se avermelhando e logo estar� escura. Se um banho pudesse me livrar dela, eu me limparia com toda a for�a. Mas a �gua vai tirar de mim as part�culas do meu homem, e eu queria ficar o dia todo suja dele. A m�e n�o ia gostar do meu namorado. Diria que sonhou com um homem violento. Era ele. ‘Voc� n�o precisa passar por isso, minha filha. Volta para casa.’ Ele passa a l�ngua dentro de mim, m�e. Mas passa t�o bem que voc� nem imagina... Precisa ver, m�e, como ele me faz feliz. Eu sou uma puta. Esse diabo que n�o sai de mim.”

Ilustração tem rosto de mulher, sobre fundo negro, com olhos deslocados na capa do livro Eva
(foto: Todavia/reprodu��o)

“EVA”

. De Nara Vidal
. Todavia
. 112 p�ginas
. R$ 54,90 (livro)
. R$ 36,90 (e-book)











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